(artigo criado às 23h45 de 05/12/2019)

Quando era criança o meu sonho sempre foi ser jogador de futebol. E foi com esse desejo, e todo o meu talento, que naturalmente me tornei copywriter. Hoje vivo bem com isso, sem nenhum azedume. Não tenho inveja nenhuma do Messi nem do Cristiano Ronaldo, longe de mim que lhes cresçam tijolos no lugar dos pés.

Uma coisa que ajuda a atenuar a tristeza de não me ter tornado numa superestrela futebolística são os jogos de futebol que fazemos entre amigos. Todas as semanas são grandes derbies, cheios de emoção e artrite reumatóide. Mais do que um estado de alma, a velhice revela-se um estado do corpo.

Os inícios dos jogos são sempre fantásticos, o céu é o limite.

Por norma entro a atacar e a subir pela lateral, fazendo perigosíssimos cruzamentos para os avançados. Quando digo perigosíssimos é porque chegam à área, só isso. O simples de facto de ter conseguido correr até à bandeirola de canto é algo que já me espanta, e ao voltar para trás pergunto-me onde terei deixado o fôlego. Tenho a certeza que o levava comigo.

Aos dez minutos aquilo já não é bem um jogo de futebol: é mais um episódio de Walking Dead. Todos cambaleamos com a língua de fora e na fala somos muito semelhantes aos personagens. A frase “Pafghabosdfla, estgftutyuhjho!”, embora pareça zombie, é apenas o Quinzé a gritar “Passa a bola, estou sozinho!”

Aos 20 minutos o Tó já saiu com uma rutura de ligamentos, o Joca fez uma entorse na tibiotársica e o Zeca desfaleceu com falta de ar. Felizmente conseguiram recuperar e já estão na bancada a beber minis.

Graças a Deus pela cevada, esse fármaco natural.

À meia-hora as coisas inevitavelmente aquecem. É normal nos jogos de grande intensidade, só ainda não percebemos porque acontece também nos nossos.

Foi golo, não foi golo, a bola entrou, a bola não entrou, os ânimos exaltam-se e a questão resolve-se recorrendo a essa tecnologia de ponta chamada «o tipo mais forte e que grita mais alto», que no nosso caso é o Brunão, um brasileiro negão do Ceará com um corpo musculado fantástic... Enfim, o tipo mais forte.

Cinco minutos depois, e já em modo «Alguém anotou a matrícula do camião que nos atropelou?», faz-se ouvir o clássico «Quem marcar ganha!», e só para fazer birrinha a equipa que está a ganhar 16–5 não concorda. É de lamentar esta atitude recorrente e estúpida. Todos sabem que o importante nestes jogos não é ganhar, mas sim impedir que os outros gozem connosco. E a vossa mãe é que é.

Fim do jogo.

No último acabei com quase um golo, quase duas assistências, três contraturas e cinco hérnias. Não sei se é uma prestação de top-3 mundial, mas é seguramente de top-5. Pelo menos em número de hérnias.

Para a semana há mais.

«Pulga maldita» é um espaço de humor de Pedro Sepúlveda, copywritter da TVI, que escreve aqui às quintas-feiras. Siga o trabalho criativo dele no Facebook