Artigo originalmente publicado no Maisfutebol a 1 de novembro de 2013. Recuperado no dia da morte de Johan Cruijff, 24 de março de 2016

Jorge Jesus reencontra Sérgio Conceição nesta sexta-feira. O Académica-Benfica traz à memória o Felgueiras da época 1995/96, quando os dois treinadores defendiam as mesmas cores, embora um deles estivesse no banco e outro de chuteiras a percorrer o flanco direito.

Sérgio Conceição chegou a Felgueiras com apenas 20 anos, rotulado como uma enorme promessa do F.C. Porto. Por lá, teve de se adaptar a uma realidade que causava estranheza nos jogadores: Jorge Jesus teimava em utilizar o Barcelona de Johan Cruijff como referência para tudo.

O atual treinador do Benfica passou um mês na Catalunha a observar o trabalho do homólogo holandês, em 1993, e abraçou a metodologia. Fiel a conceitos inovadores em Portugal, conduziu o Felgueiras ao escalão principal e surpreendeu na primeira volta do campeonato.

«Ele era um apaixonado por Cruijff e pelo futebol do Barcelona. Então, todo o trabalho era feito na lógica do Barcelona, eram apresentados os nomes dos jogadores do Barça e substituídos pelos nossos nomes», explica Avelino, então guarda-redes da formação nortenha, ao Maisfutebol.

Para um jogador que representava o Felgueiras, naturalmente, aquela fixação motivou alguma desconfiança. «Ao início riamo-nos com aquilo, tenho de admitir. Mas a verdade é que jogávamos muito à bola. Ele é que tinha razão.»

«Por exemplo, o Guardiola era o pivô defensivo do Barcelona e o Jorge Jesus queria o Costa (ndr. João Carlos Costa) a fazer de Guardiola. Entretanto, chegou o Sérgio Conceição e teve de passar a jogar à Barça, fazendo todo o corredor direito.»

Jorge Jesus não mudou de ideias com a transição para o escalão principal. O Felgueiras apresentou-se com apenas três defesas e um futebol total à imagem do Barcelona. Brilhou na primeira metade da época, caiu a pique na segunda. Não conseguiu evitar a descida de divisão.

«Eu conhecia o Sérgio Conceição das camadas jovens do F.C. Porto e lembrava-me que ele tinha dificuldades no aspeto defensivo. Portanto, aquilo podia correr mal. Mas a verdade é que o Sérgio fez uma grande época, evoluiu como jogador e voltou ao Porto para a carreira que todos conhecemos», frisa Avelino.

 


O mestre da tática que provoca algum desgaste

Avelino formou-se no F.C. Porto e recebeu um Dragão de Ouro em 1993, ainda como júnior. Agora com 37 anos, iniciou a temporada no Sport de Rio Tinto. Recuando no tempo, o guarda-redes admite que Jorge Jesus inovou no futebol português.

«Em termos táticos, está ao nível dos melhores. Mas claro, na altura eram métodos novos e não era fácil para os jogadores. Nós só queríamos jogo e bola. Lembro-me que nas peladinhas, por exemplo, era hábito trocarmos de posições, até o guarda-redes ia a avançado, mas ele acabou com isso. Queria que todos ficassem nas suas posições, durante todo o tempo», recorda.

A fixação pela tática conduzia ao desgaste de jogadores menos tolerantes. «Na altura, como agora, ele raramente se sentava no banco, passava o jogo todo a dar indicações, a chamar a atenção, tal como acontecia durante a semana. Às vezes, podia ser demasiada informação para alguns jogadores que preferiam maior liberdade», considera Avelino.

«Jesus e Conceição entenderam-se muito bem»

Perante este cenário, e conhecendo o feitio de Sérgio Conceição, a questão impunha-se: a relação entre ambos era boa? «O Jesus e o Sérgio Conceição entenderam-se muito bem. O Jorge Jesus gostava muito do caráter do Sérgio porque ele era daqueles que, se fosse preciso derrubar uma parede, não desistia até a derrubar.»

Ainda assim, houve faísca. Sérgio Conceição chegou a recordar um episódio, uma discussão relacionada, precisamente, com a falta de companhia no flanco direito. Queixou-se de ter dois jogadores para marcar e exagerou na forma. Jesus não gostou. Nos dias seguintes, Conceição foi treinar com os juniores.

Avelino acompanhou a carreira do atual treinador da Académica e destaca a sua capacidade de liderança. «O Sérgio era um miúdo rebelde mas fazia-se ouvir. Apresentou-se no Felgueiras com 20 anos e já ditava leis no grupo.»

«Já o conhecia do Porto, onde ele chegou com 15 anos. Lembro-me bem, chegou na altura com o cunhado e a irmã, já sem pai e mãe. Sempre foi um lutador e merece o sucesso que teve como jogador. Penso que, como treinador, também chegará ao topo em dois ou três anos. Jesus está num patamar alto e com mérito, pelo trabalho que tem desenvolvido. Sinto-me orgulhoso pelos dois e que vença o melhor», remata o guarda-redes.