Raphael Guerreiro tinha dezenas de pretextos para não ser português, mas faltava-lhe o mais forte: uma justificação que viesse do fundo da alma. Por isso deixou-se levar pelo coração.

Quando teve de escolher uma camisola para colocar ao peito, escolheu a portuguesa.

«Tenho passaportes francês e português, mas o meu coração bateu sempre por Portugal. Respeito a França, mas nunca me imaginei a jogar pela seleção francesa», confessou ao site do Dortmund.

Bem vistas as coisas, o lateral nasceu em França, é filho de mãe francesa, praticamente só fala francês, tal como os três irmãos, foi na sociedade francesa que se fez homem e no futebol gaulês que se fez jogador. Afinal o que o liga assim de tão intenso a Portugal?

«Tenho uma forte identidade francesa, porque falo a língua melhor do que o português. No entanto, sinto-me definitivamente mais português. Quando era jovem, sempre torci por Portugal.»

É uma daquelas coisas que se sente no peito e é tão difícil de explicar. Chama-se amor.

Ora na véspera de Raphael Guerreiro defrontar uma equipa portuguesa pela terceira vez – jogou com o Sporting em 2016 e com o Benfica em 2017, tendo ainda ficado no banco de um outro jogo com o Benfica – o Maisfutebol foi atrás das raízes lusas do internacional português.

Antes de mais interessa dizer que a família de Raphael Guerreiro é algarvia. O avô tinha uma mercearia no bairro da Penha, em Faro, mas a crise obrigou-o a emigrar em 1969 para França com a mulher e os quatro filhos: duas meninas e dois rapazes. Um desses filhos era Adelino Guerreiro.

Na altura tinha 18 anos e para trás deixou o sonho de ser jogador no Farense. Foi trabalhar, com o pai, para uma empresa de refrigerantes, casou com uma francesa, Claudine, e teve também quatro filhos: Celso, Miguel, Manuel e Raphael. Ficou a viver em França para sempre.

Tal como o resto da família, aliás. Ninguém regressou a Portugal. Os três tios e a avó ainda vivem em Paris, o avô faleceu há alguns anos.

Para Raphael Guerreiro, para o pai Adelino e para os irmãos, Faro passou a ser apenas destino de férias. Todos os anos, no verão, a família viajava para a Ilha da Culatra, onde o avô comprou casa.

Ainda antes de Raphael nascer, a família ficava em casa de uma irmã da avó do internacional português, em Faro, depois disso passou a fazer férias na Culatra. E era sempre uma festa.

«Em casa, com os meus irmãos, houve sempre um grande fervor por Portugal. Todos os anos íamos de férias de carro para perto de Faro, como uma verdadeira família portuguesa. Adorava comer um peixe grelhado, em especial sardinhas», contou o internacional ao Le Parisien.

Raphael Guerreiro habituou-se desde criança a passar o verão em Portugal e em adolescente era habitual vê-lo fazer equipa com a família para entrar nos torneios do Clube União Culatrense.

O pai ainda vem uma vez por outra a Portugal, e à Culatra, Raphael Guerreiro só muito raramente. Desde que o futebol lhe começou a ocupar os meses de verão, perdeu esse hábito.

Nascido em Le Blanc-Mesnil, um subúrbio no norte de Paris, a cerca de dez quilómetros do Stade de France, onde haveria de se coroar campeão europeu, o esquerdino começou muito novo a jogar no Blanc-Mesnil SF, com quem o Colégio Nelson Mandela, onde estudava, tinha um protocolo.

Aos 12 anos o talento que já mostrava valeu-lhe a chamada ao restrito Centro Técnico Nacional de Clairefontaine, da Federação Francesa, onde se desenvolveu até ser recrutado pela academia do Caen, quando tinha 15 anos. A 250 quilómetros de casa, o esquerdino fez-se jogador rapidamente. Tanto que aos 18 anos já era titular da equipa principal.

A partir daqui a história é conhecida.

Aos 20 anos foi contratado pelo Llorient, foi chamado por Rui Jorge aos sub-21 e deu o salto para a seleção principal. Aos 22 anos foi campeão europeu e foi contratado pelo Borussia Dortmund.

Em Le Blanc-Mesnil e em Faro deixou a família mais próxima e afastada, respetivamente, sempre a torcer por ele. Le Blanc-Mesnil onde, curiosamente, também está uma parte das raízes lusas.

A vila de 50 mil habitantes tem uma forte comunidade portuguesa, foi aliás muito castigada durante os motins de 2005, e é comum encontrar-se muito comércio português. É um subúrbio com uma forte marca lusitana, de gente simples, o que também terá influenciado o esquerdino.

Raphael Guerreiro cresceu a gostar do Benfica por influência do pai e com Pauleta como ídolo. Diz que os posters do avançado açoriano ainda estão nas paredes da casa dos pais. Tornou-se um homem discreto e recatado. Um pai dedicado à família: à esposa Marion e aos filhos Sacha e Ana.

Um português em França, no fundo.

«Já o conhecia o hino antes de chegar à seleção, de tanto ver os jogos de Portugal na televisão. Também aprendi A Marselhesa na escola. Mas sinto mais emoção ao cantar o hino português.»

Esta noite vai estar do outro lado da barricada. O que para ele não é uma novidade... mas quase.