Se não reparou nele em agosto, quando esteve no Algarve e marcou dois golos ao Sporting no Torneio do Guadiana, talvez agora lhe soe mais familiar. Foi o miúdo que fez aquele terceiro golo do West Ham ao Tottenham no domingo, aquele poema a solo. Se reparou que a reação imediata de Rio Ferdinand no Twitter foi dizer que este «não entra sequer na lista dos três melhores golos dele», então Ravel Morrison já deve ter captado a sua atenção por esta altura. Ravel, é assim que está escrito na camisola, é visto como a grande promessa do futebol inglês. Chamaram-lhe o próximo Scholes. E dizem mesmo que nunca se viu talento assim no futebol inglês desde Gazza. A propósito, Ravel esteve muito perto de se perder pelo caminho, ele que se livrou por pouco de ser preso quando jogava ainda no Manchester United.

Viu o golo ao Tottenham? Está aqui



Esta história começa há 20 anos. Ravel Morrison nasceu a 2 de fevereiro de 1993 em Wythenshawe, um subúrbio de Manchester com reputação problemática. Começou cedo a jogar futebol e aos oito anos já chamava a atenção dos olheiros do Manchester United e do Manchester City. Phil Brogan, «scout» do United, falou ao «Telegraph» do potencial que já demonstrava nessa altura: «Levei menos de uma hora a ver o talento que o Ravel era, quando tinha apenas oito anos. Estávamos num estágio para miúdos do United em Timperley, em maio de 2001, eu estava a assistir a um dos jogos, e vi como aquele miúdo se movia. Nem precisei de o ver pontapear uma bola.»

Encantado com o que viu, Brogan falou com a mãe de Ravel e levou-o para um estágio de seis semanas no United. Ele foi, embora também andasse a treinar em simultâneo no City. Ao fim das seis semanas assinou pelo United. «Contratámo-lo num sábado e ele fez a estreia como jogador da academia na segunda-feira, frente ao City. Marcou um golo muito parecido com o que marcou aos Spurs no domingo, a correr desde o seu meio-campo, com uma finalização arrojada. Uma semana depois jogámos com o Birmingham e ele marcou um golo ainda melhor.»

Antes de prosseguir, veja em vídeo uma amostra do que pode fazer Ravel. Inclui os golos ao Sporting no Guadiana



Parece um conto de fadas. Mas não foi. Ravel cresceu num ambiente difícil. Vivia com os avós, com a mãe a residir também em Wythenshawe mas com outros dois filhos, e meteu-se em sarilhos, várias vezes. Chegou a ser acusado de agredir a mãe, quando ainda tinha 15 anos, e mais tarde, em 2011, a namorada. Os casos não avançaram, porque ambas recusaram prosseguir com a acusação. Ainda assim, no caso relativo à namorada foi condenado por destruir o telemóvel da companheira e aconselhado pelo tribunal a procurar aconselhamento sobre violência doméstica. Mas houve outro caso, com contornos mais complexos.

Aconteceu em 2009, quando Ravel foi detido e julgado por intimidação a um jovem que tinha sido vítima de assalto com uma arma branca. Morrison e dois amigos assediaram durante vários dias a vítima, tentando que retirasse a queixa, ao que apurou o tribunal para defenderem outros dois amigos que teriam sido os autores do assalto. Escapou a prisão, saiu do tribunal com a indicação para ser monitorizado pelos serviços de delinquência juvenil durante um ano.

Pelo meio assinou contrato profissional com o United quando fez 17 anos e estreou-se na equipa principal em outubro de 2010, num jogo da Taça da Liga. Mas em toda essa época e na meia época seguinte fez apenas mais dois jogos, sempre para a Taça da Liga. Era barra pesada. E o Manchester United já não estava a conseguir lidar com Ravel. Foi então que Alex Ferguson tomou a decisão que mudou a vida do jovem médio. Decidiu que não teria futuro em Manchester e que precisava de mudar de ares.

Foi Sam Allardyce, treinador do West Ham, quem contou a história por estes dias, na ressaca da vitória sobre o Tottenham de Villas-Boas (3-0): «O Ferguson disse-me: «Espero que consigas lidar com ele, porque, se conseguires, ele vai ser um génio. É um futebolista brilhante. Mas precisa de sair de Manchester e começar uma vida nova.»

Ferguson tinha razão, mas não foi imediato. Ravel chegou a Londres em janeiro de 2012 e, até ao final dessa temporada, só jogou um jogo. Teve mais problemas, o mais notório dos quais foi uma acusação da Federação inglesa por usar linguagem homofóbica no Twitter. Na época seguinte Allardyce decidiu emprestá-lo ao Birmingham. Foi aí que as coisas começaram a mudar para Ravel.

O treinador Lee Clark assumiu o desafio e deu-lhe tempo. «Quando contratei o Ravel por empréstimo», conta Clark ao Telegraph, «houve muitos treinadores e gente do futebol a ligar-me para me avisarem de que seria o grande teste às minhas capacidades». «Tivemos altos e baixos nos primeiros meses, não se aplicava como devia com horários para os jogos e treinos e houve alturas em que isso o fez sair da equipa. Havia influências externas e ele tinha acabado de sair de Manchester, por isso tivemos que o fazer perceber que ser futebolista envolve muito mais do que a forma como jogamos futebol. Tivemos uma conversa grande por volta de outubro. Não diria que foi de vai ou racha, mas foi uma conversa que tinhamos de ter. Depois disso fiquei muito contente com a resposta dele e não houve mais problemas.»

Ravel encontrou estabilidade em Birmingham. Fez 30 jogos pelo clube no Championship, marcou três golos e ganhou regularidade e equilíbrio. Clark não tem dúvidas sobre o seu talento e é um dos que o compara a Paul Gascoigne: «Conheço bem o Gascoigne do tempo no Newcastle e acredito sinceramente que o Ravel é o mais próximo dele que este país teve. É forte, consegue ultrapassar adversários com facilidade, consegue marcar e criar golos.» A comparação é forte para um homem do futebol inglês, ainda que pouco signifique para o jovem Ravel. Conta Clark: «Quando mencionei o nome de Gazza, o Ravel disse: «Quem?» Ele não fazia ideia de quem era.»

Allardyce diz que chegou a altura de Ravel. Ele está pronto. «Acho que aquele período de 12 meses no Birmingham deu-lhe tempo para reflectir no que é preciso para ser um jogador a tempo inteiro.» E também acredita que Ravel está no sítio certo para crescer sem se deslumbrar. O balneário do West Ham, nomeadamente os veteranos, ajudam a mantê-lo no lugar: «Os Kevin Nolans e os Mark Nobles provavelmente fazem-no melhor do que eu. Ele está no balneário diariamente com eles e eles guiam-no e falam com ele. Dizem-lhe que só está a começar.»