Por: Pedro Morais

Clemerson Raví Teixeira Paschoa, vulgo Raví: à partida, o nome não será do conhecimento do comum adepto português, mas a verdade é que o guarda-redes de 22 anos, que assinou recentemente pelo Sertanense, já andou nas bocas do Mundo.

O Maisfutebol apanhou boleia na simpatia do jovem guardião e partiu à descoberta de uma história com contornos peculiares.

Para melhor compreensão do conto de Raví, é obrigatório puxarmos a fita atrás, até ao ano de 2011. O local é Madrid, o torneio é o Campeonato do Mundo de clubes de sub-17. Raví defendia as redes do Corinthians, clube ao qual esteve vinculado durante 14 anos. Na final do torneio, o Timão vergou o gigante Barcelona e ergueu o troféu, sendo que Raví foi considerado o melhor guarda-redes da prova.

Para um sub-17, este era o topo da montanha. O futuro abriu as portas a Raví, risonho e colorido, como aquele dia em Madrid. Mas a história do jovem brasileiro é a prova viva de que, no futebol, nada é certo ou garantido. Em 2015, Raví viu o seu contrato com o Corinthians expirar, sem perspetivas de renovação.

Catorze anos e muitos títulos depois, tudo se esfumou e o futuro, outrora pitoresco, tornou-se indefinido. Para criar alguma estabilidade financeira, o jovem guarda-redes teve de equacionar uma vida fora do futebol, uma vez que as propostas que lhe chegaram não eram entusiasmantes. Por isso, tornou-se motorista da Uber durante quatro meses.

«Uber? Há espaço para toda a gente»

«Comecei com a Uber em 2016. O meu contrato com o Corinthians acabou em 2015 e depois disso andei a ver oportunidades para seguir com a minha carreira. Enquanto eu estive na Uber, continuava a treinar na academia de guarda-redes do Victor, guarda-redes do Atlético MG. Foi lá que mantive a forma enquanto estava sem clube.»

A alegria com que fala da Uber é a mesma com que fala do futebol. Dono de uma energia contagiante, Raví partilha com o nosso jornal algumas das histórias mais engraçadas que passou ao volante.

«De vez em quanto, quando conduzia à noite, ia buscar pessoas a festas e apanhava muita gente com os copos, como vocês dizem cá em Portugal», atira, entre risos. «Mas o mais curioso é que até estar confirmado que vinha para Portugal, nunca tinha conduzido um passageiro português. Mas na minha última semana na Uber, quando já tinha tudo preparado para vir para cá, conduzi imenso passageiros portugueses. Um deles foi o Nera, que joga no Famalicão», acrescenta.

Como antigo motorista da Uber, o guardião brasileiro comentou a polémica que vem marcando a agenda mediática nacional: a guerra entre os táxis e a Uber. Defensor da livre concorrência, Raví afirma que «há espaço para toda a gente e, desde que seja justo para os dois lados, deve haver espaço para trabalhar». «A polémica entre Uber e táxis lá no Brasil ainda não foi resolvida», reconhece, a exemplo do que acontece deste lado do Atlântico.

Passar da metrópole São Paulo à pequena Sertã

O Sertanense acenou-lhe um contrato após vários testes em clubes de Portugal. Raví estava à procura dessa oportunidade.

«Estive cerca de um mês a fazer testes em algumas equipas. Comecei pelo Pedras Salgadas, depois fui ao Valadares Gaia, onde fiz um jogo-treino com o FC Porto no Olival e encontrei o Felipe, com quem me cheguei a cruzar no Corinthians», conta Raví.

O defesa-central, que havia sido recentemente contratado pelo FC Porto ao Timão, ficou surpreendido em rever o jovem guarda-redes e ambos partilharam um abraço no centro do relvado.

«Ele [Felipe] desejou-me as maiores felicidades e muita sorte na minha carreira cá em Portugal. Ele também tinha chegado recentemente e não me deu nenhum conselho, mas eu desejei-lhe muita sorte, ele merece», garante.

O destino final seria a Sertã, onde Raví espera ser feliz.

«Assinei contrato há cerca de um mês. Fui apresentado por alguns empresários e depois de alguns treinos acabei por negociar a minha permanência com eles», afirma.

O guarda-redes trocou assim a enorme São Paulo pela pequena Sertã. O jovem admite que são realidades totalmente diferentes.

«A diferença entre São Paulo e a Sertã é muito grande. São Paulo tem tantos habitantes como Portugal. A Sertã é um local tranquilo, uma pequena vila. Toda a gente se conhece, aqui e isso é muito interessante porque o ambiente é agradável», afirma. «Toda a gente aqui apoiam a equipa, o que é muito bom», conclui.

Agora que relançou a carreira na Sertã, o guardião garante que está feliz e que Portugal é o sítio certo para recomeçar.

«Vim para Portugal e estou feliz. Portugal é uma boa vitrine e é o local ideal para voltar a estar a bom nível. Quero treinar bem, treinar sempre melhor, para conquistar a confiança do mister e jogar. Com a carreira que tenho, com o que já conquistei, posso chegar a nível mais altos», garante.

Sonhador por natureza, como o próprio admite, Raví aponta a voos mais altos e a canarinha é um dos objetivos:

«Sonho ser convocado para a seleção, como qualquer brasileiro. E gostava de jogar a Champions. Eu sonho alto e vou fazer tudo para que dê certo», conclui.

«A oportunidade nunca surgiu»

Sobre o que correu mal na sua carreira, Raví explica que «a oportunidade nunca surgiu» e que uma mudança de direção no Corinthians acabou por destruir as suas possibilidades:

«Não estava no lugar certo à hora certa. Uma série de fatores que não dependem só do atleta acabam por condicionar o futuro. Eu estava numa boa fase, ganhei alguns títulos, mas houve uma mudança na direção do clube e começaram a chegar novos jogadores e a minha oportunidade nunca chegou», afirma.

Lembrar alturas mais conturbadas da carreira não desarma o jovem guarda-redes. A alegria com que fala ao nosso jornal é contagiante e foi o otimismo com que encara a vida que conseguiu dar a volta por cima:

«Foi uma fase complicada. Não foi fácil sair do Corinthians. Mas saí de cabeça erguida e consciência tranquila, a saber que dei tudo o que tinha. Mantive a minha cabeça no lugar porque sabia que mais cedo ou mais tarde alguma coisa haveria de aparecer», garante. «Eu acredito no potencial e sempre acreditei que ia dar certo», conclui.

Raví Paschoa assinou contrato com o Sertanense até ao final da temporada e busca recomeçar a sua carreira no Campeonato de Portugal. Neste domingo, o guarda-redes foi suplente não utilizado na derrota do Sertanense frente ao Tondela (0-4), para a Taça.