Cofres vazios no Estádio Abel Alves de Figueiredo. O plantel sénior do FC Tirsense tem dois meses de salários em atraso - após ter recebido o soldo referente a novembro na passada quinta-feira – e muitos dos atletas estão a enfrentar situações dramáticas.

A sobrevivência, para muitos, só é possível através da caridade de família e amigos.

A informação chegou ao MAISFUTEBOL precisamente a partir de um grupo de atletas do histórico clube. Com informação detalhada sobre os problemas, acusações à direção e pedido de anonimato.

A explicação para o sigilo é a mesma de sempre: medo de represálias.

Estes atletas têm o estatuto de amador, mas muitos deles vivem do futebol e para o futebol. Atravessam um período de grande fragilidade e receiam a exposição pública.

O atraso no pagamento dos salários é o problema mais visível, mas atrás disso escondem-se histórias tristes. Os que pretendem sair, por exemplo, não podem, pois o clube não o permite.

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Futebolistas, explica ao nosso jornal que a este nível – dito amador – não existem contratos a ligar as partes.

«Há um vínculo desportivo, assinado no início da temporada e válido até ao final da mesma. Não é um contrato formal porque se trata de futebol amador. Não obedece aos formalismos legais para a sua revogação, pelo que a cessação terá de ser autorizada sempre pela direção do clube».

Neste caso, não o é.

Presidente do Tirsense relativiza questão e desliga o telefone

Da parte da direção do FC Tirsense, que esta sexta-feira à noite tem uma assembleia-geral para debater o momento desportivo e financeiro do clube, ficam por dar as explicações para manter a ligação dos jogadores ao clube, apesar do incumprimento.

Não só no salário, mas também nas garantias de alojamento e de refeições.

Contactado pelo MAISFUTEBOL, Fernando Matos, presidente do clube, desligou o telefone assim que foi confrontado com o facto de alguns futebolistas terem dormido em colchões na sede do clube, tanto em outubro como em janeiro, sempre que foram sujeitos a ordens de despejo.

«Tantos clubes do futebol nacional têm salários em atraso…», foi a única declaração, em jeito de justificação, dita pelo presidente do FC Tirsense.

Um argumento repetido pelo treinador, Orlando Costa, que ao MAISFUTEBOL defende que está «focado no jogo-treino de amanhã frente ao Vizela», que serve para preparar a entrada em competição na fase de manutenção do Campeonato de Portugal, cujo início está agendado para 14 de fevereiro.

O técnico, contudo, não relaciona a falta de condições de habitação e alimentação com o grau de compromisso dos seus pupilos e relativiza a questão dos salários em atraso, considerando que «a maioria dos clubes do futebol português passam por dificuldades».

Para Evangelista este tipo de argumento de «desresponsabilização é grave, sobretudo quando utilizado pelo presidente do clube».

«Esse argumento é revelador da forma como o presidente do Tirsense está a tratar o problema. Ainda assim, existe o compromisso dele para com os jogadores de pagar na próxima semana, depois do Carnaval, mais um mês de salário. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida até lá. Se essa promessa não for cumprida, agendaremos uma reunião com os jogadores para encontrar uma solução para este problema», afirmou o presidente do Sindicato dos Jogadores.

Despejos, lesões, incumprimentos: um cenário feio

As histórias de dificuldades multiplicam-se. Um atleta do plantel, que tem raízes na Zona Centro, foi para Santo Tirso auferir 600 euros. «Além disso, o clube comprometia-se a pagar apartamento e comida. Não cumpriu uma única vez com isso».

Esse mesmo atleta teve de viver numa pensão da cidade – até ser despejado por falta de pagamento – e passou várias noites a dormir num colchão na sede do Tirsense. Com mais colegas de equipa.

Os pais socorreram-no neste momento de aperto.

Outro jogador sofreu uma lesão ao serviço do Tirsense, quando era titular. O treinador e a direção disseram-lhe para procurar outro clube, agora em fevereiro, quando este jogador tem operação agendada para breve.

Há ainda mais um caso a envolver um futebolista que passou de titular indiscutível para a equipa B do Tirsense, a militar nos Distritais da AF Porto, devido «a uma restruturação do plantel».

Este jogador deslocou-se na quinta-feira às instalações do Tirsense para receber o mês de novembro.

Os jogadores que ainda estão no plantel receberam, mas a esse atleta a direção entendeu não pagar. Apesar de lhe dever ainda vários meses de trabalho e ter «um acordo para saldar tudo em breve».

FC Tirsense: um brilhante oitavo lugar na I Liga

O ano de 1996 assinalou a despedida do Futebol Clube Tirsense ao escalão máximo. A última das oito presenças na I Liga acabou no 18º e último lugar, atrás de Felgueiras e Campomaiorense. Eurico Gomes e José Romão foram os responsáveis técnicos.

Eurico, curiosamente, foi o treinador que conduziu o Tirsense à melhor classificação de sempre no Campeonato Nacional.

Em 1994/95, os Jesuítas acabaram no oitavo lugar e formaram um plantel cheio de nomes inesquecíveis: Paredão, Giovanella, Tozé, Folha, Moreira de Sá, Caetano, Porfírio e Marcelo, entre muitos outros.  

A grave crise na indústria têxtil e a quebra da riqueza na região do Vale do Ave ditou o desaparecimento de patrocínios importantes e a dificuldade em gerir orçamentos. O FC Tirsense caiu a pique e chegou a estar na III Divisão entre 2002 e 2007.

Nas últimas temporadas lutou pelo regresso aos escalões profissionais, falhando sempre por pouco. Os últimos dois anos voltaram a despertar o fantasma dos (graves) problemas financeiros.