Durante três anos, Diogo Jota jogou de braço dado com Andrézinho. Um ano nos juniores, dois anos na equipa principal do Paços de Ferreira. Jogavam «de olhos fechados», como se o futebol de um fosse a extensão natural do futebol do outro. Colegas, amigos, almas gémeas dentro do campo.

A 6 de maio de 2016, os caminhos de Diogo e André começaram a separar-se. Aos 56 minutos desse Paços-Tondela, Jota foi substituído por Andrézinho. Abraçaram-se, num gesto que não podia ter sido mais simbólico.

Dias depois, a transferência de Diogo Jota para o Atlético Madrid foi anunciada. André Leal continuou no Paços, mas o adeus do camarada parece ter ajudado a apagar o brilho do seu futebol.

Diogo e André, à direita, sempre juntos no Paços 

De 2013 a 2016, Diogo e André caminharam juntos. Mas naquele dia de maio, as carreiras afastaram-se. O avançado saltou para Madrid e acabou emprestado ao FC Porto, seguindo depois para o Wolverhampton e, nas últimas semanas, para o poderoso Liverpool.

E Andrézinho, o que é feito dele? O Maisfutebol encontrou-o a jogar no Campeonato de Portugal. Está na União de Leiria e, aos 25 anos, sente estar a pagar por algumas decisões infelizes, tomadas no apogeu da «imaturidade».

«Esperei por um convite da I e da II Liga e não apareceu nada. Não houve lugar para mim. Entretanto, a União de Leiria mostrou enorme interesse e decidi aceitar o desafio, até porque queremos subir de divisão», diz o velho irmão de armas de Diogo Jota ao Maisfutebol.

«Não reagi bem ao que me pediam, a responsabilidade é minha»

São dois miúdos com enorme qualidade. Têm um entendimento incrível, jogam de olhos fechados. No primeiro ano de juniores, o Jota era ‘dez’ e o Andrezinho era ‘oito’. (…) Na primeira fase, em 22 jogos, o Jota só tinha cinco golos. Para um jogador com tanto ‘golo’, aquilo não me fazia sentido. Então, apostei numa mudança. Falei com ele e lancei-lhe o desafio de começar a jogar na linha, como ponta. Imaginei-o mais aberto, para receber, tocar e arrancar para a baliza. Ele nunca seria um extremo para abrir e cruzar. Queria-o de frente para o jogo. Foi, por isso, que avancei o Andrezinho para ‘dez’. Fizeram uma dupla perfeita.»

As palavras são de Vasco Seabra, o treinador que juntou Diogo e André nos sub19 do Paços de Ferreira, na temporada 2013/14. Foram ditas ao nosso jornal numa entrevista em 2017, quando Diogo já se projetava na Europa e Andrézinho lutava por não perder espaço nos ‘castores’. Uma luta que viria a perder.

«Tive alguns azares. No final da época 2016/17, a primeira sem o Jota, conseguimos a manutenção com o Vasco Seabra. Acabei bem, a jogar e a trabalhar com um treinador que eu sabia que gostava de mim. A ideia de jogo do Vasco favorecia o meu futebol mais técnico. Adoro ter bola», contextualiza o médio do Leiria.

Andrézinho e Jota festejam um golo nos Sub19 do Paços

«O mister Vasco ficou, mas tive uma lesão no início da época seguinte e tive dificuldades em encontrar o meu espaço. O clube acabou por prescindir dele à 9ª jornada e eu depois não encaixei nas ideias dos treinadores que vieram [Petit e João Henriques]. Pediam-me coisas diferentes, mais agressividade, mais raça, mais minutos atrás da bola. Não reagi muito bem, a responsabilidade também é minha.»

No verão de 2018, Andrézinho tinha, de resto, decidido sair do Paços de Ferreira. Mas Vítor Oliveira não deixou e o médio aguentou mais seis meses. Sem minutos de jogo.

«O mister Vítor Oliveira fez muita força para eu ficar e eu aceitei. Joguei pouco [quatro vezes] e em dezembro falámos novamente. Ele percebeu a minha posição e deixou-me sair para o Estoril. O treinador era o Luís Freire e eu sabia que ia ser uma aposta importante. Para meu azar, ao fim do primeiro jogo, o mister Luís Freire saiu e eu acabei por não ser aposta do sucessor [Bruno Baltazar].»

«Gostei de estar na Sérvia, mas a pandemia interrompeu tudo»

O futebol moderno é um mundo alucinante. Fazem-se e desfazem-se ídolos à velocidade da luz. Uma má exibição destrói meses de um trabalho bom. Uma boa exibição coloca as manchetes em euforia e os maiores dos maiores a salivar.

É possível que muitos já não se lembrem, mas entre 2015 e 2017, Andrézinho tornou-se num dos jovens mais interessantes da I Liga e do futebol português. Apareceu com Paulo Fonseca nos seniores e fez com Jorge Simão a melhor temporada da carreira, em 2015/16.

Diogo Jota acabou essa época com 35 jogos e 14 golos. André Leal fez 33 jogos e marcou dois golos. Deixou de ser opção prioritária, tentou ser feliz no Estoril-Praia e na temporada 2019/20 teve a primeira experiência no estrangeiro. Destino: Sérvia.

Estava com 24 anos e tive necessidade de sair da minha zona de conforto. Gostei de estar na Sérvia, joguei com regularidade num clube interessante, mas a pandemia interrompeu tudo. Senti que tinha de voltar a Portugal. A grande surpresa, sinceramente, foi a falta de convites para jogar na I ou II Liga. As portas fecharam-se, esqueceram-se de mim. Estou a lutar para voltar a um patamar superior.»

Na cidade do Lis, André Leal foi titular nos cinco jogos oficiais e já marcou um golo. Partilha o vestiário, por exemplo, com o consagrado Helton e os experientes Diego Galo e Kuca, jogadores com passagens relevantes na I Liga.

André fez um golo que lhe valeu um contrato e Diogo foi o primeiro a abraçá-lo

«A forma como o Diogo gere a carreira, sem folclore, mostra o que ele é»

«Objetividade». É assim, muito resumidamente, que André Leal define o futebol do ‘irmão’ Diogo Jota. «O que mais me impressionava no futebol dele era a facilidade com que ficava em posição para fazer golo. Ganhava as costas das defesas com uma naturalidade incrível. Aliás, tenho visto os jogos do Liverpool e ele continua a ser assim. Tem uma explosão única.»

André estreou-se na equipa principal do Paços 25 dias antes de Diogo Jota. Jogou contra a União da Madeira para a Taça da Liga e, quase um mês depois, acompanhou Jota na goleada ao Atlético de Reguengos para a Taça de Portugal.

«Sempre nos entendemos muito bem. O Diogo é mesmo como os pais dele dizem. Não é de grandes falas, nunca saía à noite connosco, mas é um colega espetacular. Mesmo a forma como ele tem gerido a carreira, sem barulho, sem grande folclore, representa muito bem aquilo que ele é.»

Andrézinho, confidente de Diogo em muitas conversas, ficou a saber «quase de um dia para o outro» que o amigo ia para Madrid. «E agora foi a mesma coisa. De repente fiquei a saber que ele ia para o Liverpool. O Diogo não entra em novelas, decide e as coisas acontecem.»

E como foi com a transferência de André para Leiria? «Falámos, sim. Troquei ideias com ele no verão e continuamos a falar. Sei que o Diogo Jota está a torcer sempre por mim, naquele jeito muito discreto dele.»

André e Diogo conheceram-se em 2013 e foram almas gémeas dentro do campo até 2016. Quatro ano depois, um luta pelo reconhecimento em Leiria e o outro é feliz em Liverpool. Quando se cruzarão estes caminhos outra vez?