Assim nasce uma das maiores academias de futebol do mundo. O Barcelona transforma uma comum quinta catalã em La Masía de Can Planes ou simplesmente La Masía. Há mais de quarenta anos que a escola do Barcelona é o baluarte de uma filosofia de jogo e de vida. É, sem dúvida, o maior legado de Johan Cruyff que deixou a todos os culés.

Agustín Peraita Serra educa-se em La Masía e, posteriormente, é encarregue de transportar os ensinamentos e a forma de ver o futebol para a América. Uma história de como se trabalha em La Masía, contada pelo treinador espanhol de 36 anos.

«Enfrentei um processo de seleção de treinadores em 2015. Completei os pré-requisitos necessários, fiz um estágio e fui contratado em junho do mesmo ano. Trabalhei vários anos como treinador do Barcelona, em La Masía, fui diretor da escola em São Paulo e treinador numa academia residencial no Arizona. Deixei há poucos meses do clube» começar por dizer, em entrevista ao Maisfutebol.

A partir da introdução a conversa desenrola-se a um ritmo frenético. Numa mistura de espanhol com português, Agustín expõe sucintamente a filosofia defendida dentro das paredes de La Masía.

«A filosofia de formação do Barcelona tem um foco muito claro: desenvolver a inteligência e autonomia do jogador desde muito cedo. A bola é o elemento principal do jogo e tudo é construído a partir a mesma. Deixamos os jogadores decidirem autonomamente em todos os momentos do processo de jogo para que consigam otimizar o seu talento», explica.

 

Agustín é autor do livro «Quero que a minha equipa jogue como Barcelona de Guardiola.


Agustín deixa o Barcelona, mas a ideia de jogo do clube não o abandona. «O treinador não fica afastado do processo, tem é um papel diferente do comum. Não tem a autoridade para decidir como a equipa vai jogar. Pelo contrário, o treinador funciona como um engenheiro de atividades e experiências para que os jogadores possam, através do jogo de posição, aprender os valores do Barcelona: ter a bola, ser protagonista ou pressionar alto», acrescenta.

Como se desenvolve a inteligência de um jogador? As imagens valem mais que mil palavras. Agustín dá como exemplo os «rondos» e introduz-nos o conceito de «tocar para superar», mostrando um vídeo concreto (ver vídeo em baixo) e, logo de seguida, uma imagem de um quadro do clube: o rondo incentiva os jogadores a procurarem vantagem posicional, a deslocarem-se para serem opções de passe e a orientarem o corpo para dar continuidade ao jogo.


Agustín aponta ainda que «o sistema não interessas, apenas o jogo de posição» e que nem todos os bons jogadores podem crescer dentro do contexto Barcelona: «Estou de acordo. Alguns futebolistas não têm características para jogar o jogo de posição, portanto nem devem ser escolhidos pelo
clube.»

O catalão sublinha ainda que a filosofia de jogo do Barcelona não pode apenas limitar-se a formar jogadores. Tem, obrigatoriamente, de moldar treinadores para que a ideia de jogos subsista e evolua.

«O Barcelona tem cursos de treinadores em todo o mundo. O clube escolhe-os e treina-os. É um desafio enorme do clube. É difícil coordenar metodologicamente tantas pessoas em vários locais do mundo. É, por isso, importante que essa filosofia de jogo esteja presente na formação desses treinadores, em documentos de controlo, enfim, todas as ferramentas metodológicas que o clube fornece. Só assim se pode desenvolver treinadores e jogadores inteligentes dentro do jogo de posição», frisa.

«Paco Seirul.lo é a pessoa mais importante do Barcelona»

Além de Cruyff e de Guardiola, mais tarde, há um elemento fulcral na continuidade e evolução da filosofia: Paco Seirul·lo.

«Cruyff inspirou este estilo de jogo. Esteve um longo período no Barcelona (ndr: 1988 a 1996), durante o qual este cresceu muito a nível tático e da formação. Ele estabeleceu a implementou a filosofia que ainda vigora nas categorias base e que estava ligada à da equipa profissional. Começaram a sair jogadores da cantera para a primeira equipa como o próprio Guardiola ou De La Peña, entre outros. Acabou por influenciar diretamente os restantes», esclarece antes de desenvolver o raciocínio.

«Há uma pessoa que esteve ligada ao Johan e que ainda hoje diz que aprendeu tudo com ele que é o Paco Seirul·lo. Depois de vários anos ligado a várias equipas técnicas do Barcelona, Seirul·lo tornou-se no diretor de metodologia do clube. Através do seu trabalho, ele garantiu a continuação da filosofia do clube que ainda hoje observamos.»
 


Longe das luzes da ribalta, Paco Seirul·lo bebeu conhecimento dos grandes mestres da filosofia catalã e ganhou importância no seio do clube. Numa era capitalista, o ex-preparador físico é quem permite a continuidade da formação do Barcelona.

«O Paco influencia toda a formação do Barcelona e a escolha dos treinadores. É a pessoa mais importante do clube. Gosto de explicar que o Paco é para o Barcelona o que o Vítor Frade poderia ter sido para o FC Porto», resume.

Por culpa de pessoas como Seirul·lo, Guardiola ou simplesmente como Agustín Peraita Serra a filosofia de La Masía jamais vai desaparecer.  



*Fotos Facebook pessoal