Ter fair-play, é jogar mais alto.

É ser maior do que os homens.

«Pedir desculpa depois de fazer uma falta.»

«É respeitar o árbitro.»

«Ter uma atitude positiva»

É ser honesto, sem saber sequer o que isso seja.

No mundo do desporto, quase todos sabem o que é o fair-play. Mas nem todos o praticam. Rodrigo Guimarães, guarda-redes de oito anos da equipa de Traquinas do GRCP Casal do Rato, diz que não sabe o que é o fair-play. Mas pratica-o.

Foi a essa conclusão que chegou o Maisfutebol, ao acompanhar o momento em que João Capela, árbitro internacional, foi ao treino da equipa de Rodrigo para lhe exibir um Cartão Branco, como reconhecimento de um gesto de fair-play que o guarda-redes demonstrou num dos jogos da equipa.

Ainda antes de dizer quem iria receber o cartão, João Capela quis saber o que os meninos sentados à sua frente consideravam ser o fair-play.

Alguns atiraram as frases que surgem sem atribuição no início deste texto. Mas quando Rodrigo foi questionado diretamente sobre o que raio era afinal o fair-play, a resposta arrancou gargalhadas a todos os que sabiam que era por ele que ali estavam: «Não sei.»

E isso também «é ser maior do que os homens», como eternizou a poetisa.

No início do mês, num jogo do Casal do Rato frente à ADIJ Bairro Miranda, a defender a sua baliza, Rodrigo empurrou um adversário. O árbitro mandou jogar, mas o menino fez-lhe sinal de que era penálti.

Na conversão, o adversário fez o 1-1. E essa talvez tenha sido a última vez que o episódio lhe passou pela cabeça. Ele não se lembrou disso quando o jogo terminou empatado a três. E garantimos que nem a presença de câmaras de televisão e microfones da rádio no treino da equipa o fizeram desconfiar que aquilo que fez podia ter sido tão importante.

Por isso mesmo é que foi preciso João Capela remexer-lhe na memória, dar pistas até se ouvir um entusiástico: «Ah, já sei!»

«Olha, porque sim!»

Sentado com o Maisfutebol, o pequeno Rodrigo assumiu que já tinha ouvido falar disto do Cartão Branco.

«O meu mister disse uma vez que o cartão branco representava uma atitude positiva. E agora eu recebi um cartão branco. Estou contente e acho que vou contar aos meus amigos. Acho que eles vão querer fazer o mesmo que eu: se fizerem uma falta na área, vão dizer ao árbitro que fizeram», resume, inocente.

Tão inocente, quanto quando lhe perguntamos se alguém lhe tinha ensinado que devia fazer aquilo que fez.

«Não, ninguém me ensinou. Por que fiz? Olha, não sei, porque sim. Eu empurrei-o e só disse que tinha feito falta.»

A assistir ao momento no Pavilhão Municipal Susana Barroso, na Pontinha, nesta terça-feira, estavam alguns pais. Entre eles, havia dois olhos mais lacrimejantes do que os restantes. Os da mãe de Rodrigo, incapaz de esconder o orgulho por algo muito melhor do que um golo do filho.

«Acho que é um bom prémio para ele e uma iniciativa bonita. Também para estes meninos terem noção de que o fair-play é importante no desporto», resumia, admitindo não ter ficado surpreendida quando, no jogo, viu a atitude do filho para com o adversário.

«Ele fez uma falta e admitiu o erro. Achei algo típico dele, porque é muito honesto e mostra sempre grandes valores», declarou, orgulhosa.

Começar na base a valorizar o que é positivo

Ainda que mais habituado a estas andanças, João Capela, que é o embaixador do Plano de Ética no Desporto (PNED), explicou aos jornalistas o crescimento e importância que esta ferramenta pedagógica tem assumido.

«O Cartão Branco existe desde 2015 e já muitas federações, de várias modalidades, implementaram esta medida. E nos últimos dois anos tem havido um enfoque maior na comunicação do que é o Cartão Branco.»

Mas tão ou mais importante do que a comunicação, é a valorização concreta que já se começa a fazer, explica ainda Capela. «Temos tido práticas de valorização da importância disto: por exemplo, no apuramento para uma segunda fase de benjamins [na AF Lisboa], o Cartão Branco já é utilizado no cálculo do quociente final, o que é um avanço fantástico para a implementação», defende.

A verdade é que este cartão já começa a ser do conhecimento geral e até tem levado a… protestos.

«Em Lisboa, que é a associação à qual estou mais ligado, já começa a ser um hábito a exibição do cartão na formação. E até já há casos em que as pessoas acham que seriam merecedoras do cartão branco, e começa a haver protestos de pais e treinadores para serem exibidos», revela, confessando que este é um tipo de protesto que aprecia.

«É importantíssimo passar aos jogadores mais jovens esta ideia de que eles devem ter comportamentos positivos. Que não importa só ganhar, mas sim também saber ganhar. Se conseguirmos que um jovem perceba que a sua conduta positiva pode ser valorizada, estamos a caminhar para a construção de uma sociedade mais positiva», sublinha ainda o árbitro.

E há alguém de um Reino de Aquém ou Além que não gostasse de ver mais atitudes como a do Rodrigo?

Acreditamos que não.

E sem cartões brancos para exibir, a nossa forma de o mostrar é dizê-lo. Contando a toda a gente.