«Desta vez é mesmo para subir». Esta foi uma das frases mais repetidas por adeptos, jogadores, treinador e dirigentes do Varzim no decorrer da festa improvisada em pleno relvado do histórico Estádio de Pina Manique logo depois de um dramático empate com o Casa Pia (1-1) no play-off de promoção do Campeonato Nacional de Seniores. Na cabeça de toda a gente estava, obviamente, a enorme desilusão de há três anos quando a equipa da Póvoa foi campeã, mas falhou a promoção devido a dívidas às finanças. «Desta vez é mesmo para subir».

Desta vez, o Varzim está mesmo de volta às ligas profissionais, mas para chegar à festa, os varzinistas tiveram de sofrer como certamente não estavam à espera. O Varzim tinha vencido o primeiro jogo por 2-0, numa partida em que até podia ter deixado tudo resolvido antes da partida para Lisboa. A confiança misturava-se com uma enorme ansiedade entre os muitos adeptos, mais de um milhar, que viajaram até Pina Manique em dez autocarros e dezenas de carros particulares. Uma ansiedade que foi crescendo até à hora do jogo e ganhou contornos imprevistos durante a partida, mas já lá vamos.


Os adeptos do Casa Pia ocuparam os lugares disponíveis na única bancada do estádio, enquanto os visitantes, em clara maioria, ficaram no peão [sim, ainda existe] do lado contrário. Uma enorme massa preta e branca que, livre da ditadura das cadeiras, movimentava-se em bloco de um lado ao outro, procurando acompanhar a equipa em campo e obrigando a força policial de serviço a trabalho extra para manter os varzinistas nos respetivos lugares. As vozes da Póvoa faziam-se ouvir. Da Póvoa e não só. Entre os adeptos, destacava-se um cartaz negro que garantia que Barcelos também apoiava o Varzim.

Mas vozes que se faziam ouvir desde o primeiro apito, calaram-se subitamente, aos 22 minutos de jogo, quando, Wilson Kenidy destacou-se num rápido contra-ataque e foi derrubado, já no interior da área, pelo guarda-redes Pedro Soares que acabou por receber ordem de expulsão. Subitamente, a confiança do Varzim sofria um forte abalo. Além de estar a perder e de ficar com menos um jogador, o lance despertou os adeptos contrários que, de repente, acharam que, afinal, também era possível.

Tantas contas ao intervalo

Muitos pediam mais um golo, pensando que seria suficiente para empatar a eliminatória, embora, na verdade, os regulamentos obrigassem o Casa Pia a vencer por uma diferença de três. Os golos fora, segundo os regulamentos, não entram nestas contas e, em caso de igualdade de golos na eliminatória, o critério de desempate seria a diferença de golos que as duas equipas acumularam nas respetivas séries da primeira fase. E, neste caso, o Varzim tinha treze golos positivos contra apenas dez do Casa Pia. Nunca haveria, assim, espaço para um eventual prolongamento ou grandes penalidades como muitos comentavam nas bancadas.



A verdade é que os adeptos casapianos estavam agora também em jogo. Agora havia duas equipas a sonhar e…a insultar o árbitro. Agora havia incerteza. Muita gente a roer as unhas. Até porque, até ao intervalo, a equipa da Casa podia ter voltado a marcar. Mas também é verdade que a equipa de Quim Berto reagiu bem ao desaire e até atirou uma bola ao poste, num livre de Rui Coentrão, primo do Fábio do Real Madrid, mesmo em cima do intervalo. No descanso ouviu-se um burburinho em crescendo.

De repente toda a gente fazia contas e discutiam-se critérios de desempate. Pauleta, diretor da federação, que assistia ao jogo, desdobrava-se em telefonemas para tentar clarificar os critérios de desempate, mas foram poucos que ouviram as informações do antigo internacional que chegou a jogar neste campo com a camisola do Operário. Outros tempos. O Casa Pia tinha mesmo de marcar mais dois. Pedro Faria, presidente do Varzim, estava com a cabeça entre as mãos, sem conseguir disfarçar uma enorme emoção. «Estamos a passar um mau bocado», desabafou o dirigente que, ainda em maio, tinha decidido dispensar o treinador Vítor Paneira para apostar tudo na promoção de Quim Berto da equipa B para a equipa principal.

O jogo recomeçou mais aguerrido do que nunca, como é hábito neste escalão, com o árbitro Renato Gonçalves a tentar serenar ânimos com muitos cartões amarelos. Notava-se intensidade em campo e intensidade nas bancadas. A cada paragem, e foram muitas, os adeptos agitavam-se e trocavam impropérios. O Casa Pia voltou a ameaçar segundo golo, mas o Varzim, mesmo reduzido a dez, jogava de igual para igual. Os adeptos exigiam, a equipa correspondia. A dez minutos do fim, sentiu-se uma enorme descarga de adrenalina quando o veterano Nelsinho, com espaço, teve arte e sangue frio para bater o guarda-redes contrário com um chapéu bem medido. Um golo que acaba com todas as dúvidas. O Varzim estava na II Liga.

Venha a festa

Ainda foram precisos esperar mais quinze minutos de nervosismo, contando com os cinco de compensação, mas a festa dos alvinegros já tinha começado nas bancadas e certamente na Póvoa. Depois do último apito de Renato Gonçalves deixou de haver adeptos e jogadores do Varzim. Os dois blocos juntaram-se numa festa imensa junto à vedação que separava o peão do terreno de jogo. Os jogadores distribuíram peças do equipamento suado e festejaram em cuecas entre os seus.



Telmo Silva, um defesa brasileiro de 40 anos, era dos mais exuberantes, mesmo sem ter jogado. Quase todos escolheram Telmo, figura carismática entre os poveiros, para os primeiros abraços. «Há quatro anos fomos campeões, mas não subimos de divisão, desta vez, conseguimos um feito bonito, um feito histórico para um povo merece. Um povo sofrido, um povo do mar, mas deixamos uma boa imagem do que é o Varzim», contou Telmo antes de ser engolido pelos companheiros, entre champanhe, cerveja e cubos de gelo.
 

VARZIM! VARZIM! VARZIM!!!

Posted by Varzim Sport Club on Quarta-feira, 10 de Junho de 2015


Cruzámo-nos logo a seguir com Quim Berto, um dos poucos que ainda estava vestido, que vinha ao encontro dos jogadores e fez questão de, em primeiro lugar, dividir o mérito com Vítor Paneira, o seu antecessor. «O Vitor fez o trabalho que fez, projetou a equipa para a subida de divisão e, independentemente daquilo que passou, conseguimos a subida de divisão», referiu antes de parar para retomar o fôlego, interrompido por um balde de gelo que lhe tinha sido despejado pelas costas.

Mais fresquinho, o treinador também não esqueceu os adeptos que entoavam o seu nome junto à linha. «São muitas pessoas a passar por dificuldades, mas hoje estiveram aqui a apoiar o Varzim. É por isto que o futebol é importante, o Varzim é clube muito grande. Sabíamos que ia ser muito difícil, estávamos preparados para dificuldades e elas chegaram com o penalti e a expulsão. Mas depois conseguimos aplicar o nosso futebol neste magnífico estádio. Sabemos que estas pessoas passam por grandes dificuldades, as famílias têm grandes dificuldades, mas o que é certo é que é esta moldura humana que projeta o Varzim para outros patamares. O Varzim subiu à II Liga, mas é um clube de I Liga. Eu já estive no Varzim na I Liga [2001/2004] e para aí que temos de projetar este clube».



Palavras que receberam a aprovação do presidente Pedro Faria, com lágrimas nos olhos. «É uma sensação ótima, mas já disse aos jogadores que na próxima época temos de fazer tudo para chegar ao nosso lugar. O nosso lugar é na I Liga e é para isso que estamos a trabalhar há dois anos, para chegar lá o mais rapidamente possível. É uma sensação de dever cumprido. Puseram tudo em causa neste clube e eu fui das poucas pessoas que acreditou que era possível recuperar. Hoje demos mais um passo para que este clube nunca morra. Para aqueles que duvidaram, hoje têm aqui a prova que estamos na II Liga. Mas estamos mesmo. Já lá passámos e dissemos que não podíamos ficar, mas desta vez vamos e vamos mesmo para ficar. E agora temos de começar a pensar na primeira liga, este clube não pode pensar de outra maneira. Quem estiver aqui comigo, tem de pensar assim, que vamos lá chegar e quando chegarmos, vamos pensar nas competições europeias», atirou antes de ser «raptado» da curta entrevista por um grupo de jogadores que levou o presidente ao colo.

Voltámos a ficar com Quim Berto e quisemos saber do futuro do antigo jogador que, além do Varzim, chegou a vestir as camisolas do Sporting e do Benfica. «O futuro a Deus pertence. Acabámos de subir de divisão, agora temos de recuperar energias para depois pensar no que vamos fazer», atirou antes de um novo banho.

Perdemos o presidente e o treinador, mas logo a seguir cruzámos-nos com o herói do jogo, Nelsinho, o autor do fantástico golo que deu início à festa. «Queria agradecer ao povo da Póvoa que veio apoiar. O golo deu-nos alguma tranquilidade, é verdade, estávamos com menos um jogador, estávamos a sentir um certo aperto e serviu para acalmar, não só a nós, como também o adversário. Agora vamos festejar. Vamos para a Póvoa que eles estão de certeza à nossa espera lá em cima», atirou antes de nova interrupção com mais um balde de água. Faltava saber como é que foi o lance do golo, o tal chapéu que fez sonhar os poveiros. «Foi na altura, foi inspiração, a bola surgiu à minha frente e pensei, não vou esperar e fiz golo», acrescentou entre puxões e empurrões amigáveis.



Depois encontrámos Ricardo, o protagonista improvável do jogo, o guarda-redes que foi empurrado para o jogo depois da expulsão de Pedro Soares. Estava em cuecas depois de te correspondido a um apelo de striptease da parte dos adeptos que até os calções quiseram para recordação. «Sofremos muito, tivemos um pequeno percalço no lance do penalti e da expulsão, reconheço que tivemos dificuldades, mas somos uma equipa à Varzim, conseguimos reagir e esta massa merece. Estou sempre à espera de jogar. Todos querem jogar nestes jogos e infelizmente, pela expulsão do meu colega, tive de entrar. Estou feliz porque também contribuí, estamos todos de parabéns», destacou.

Para Ricardo, esta vitória tinha um triplo sabor, uma vez que nos anos anteriores já tinha ajudado o Arouca e o Moreirense a também subirem de escalão. Promoções são um hábito para Ricardo. «Estou muito feliz por causa disso. Este público fantástico merece tudo, o Varzim não pode andar na CNS. Sabíamos que trazíamos dois golos de vantagem, no futebol tudo pode acontecer, mas felizmente conseguimos empatar aqui e alcançar o objetivo, que era o mais importante», destacou ainda.



Voltámos a encontrar o presidente que andava à procura de Nelsinho. «Aquele golo foi um hino ao futebol, foi um prémio mais do que justo para estes rapazes», desabafou antes de voltar a assuntos mais sérios. Desta vez é mesmo para subir? «Desta vez estamos mesmo na II Liga, posso garantir isso. Estamos preparados para sofrer, este é um clube de sofrimento. Não foi nada fácil, sofremos um golo de penalti, ficámos com menos um, passámos aqui um mau bocado, mas mostrámos que somos grandes. Não é fácil um clube pequeno trazer mil adeptos a Lisboa. Portanto, se aqui somos mil, na Póvoa vamos ser muitos mais», destacou ainda.
 
O Varzim foi, assim, a última equipa a festejar uma promoção na temporada de 20114/15. A festa ruma agora a norte, mais precisamente no Parque da Cidade, no centro da Póvoa, onde está a ser preparada a receção aos heróis da cidade que volta a ter um clube nas ligas profissionais.

Veja aqui mais fotos da festa do Varzim no relvado de Pina Manique