* por Luís Barreira

Estevão pisou o Restelo pela 1ª vez em 1955, apenas nove anos depois do Belenenses se sagrar campeão nacional pela primeira e única vez na história. Ganhou um troféu pelos azuis, saiu para o Minho, mas a vontade de regressar a casa falou mais.

E este sábado esteve onde tudo começou para ele, que ajudou a escrever parte do centenário da equipa lisboeta.

«Joguei aqui [no Restelo] pela primeira vez em 1955 como iniciado. Foram 30 anos impagáveis. É um orgulho ter ajudado a ganhar uma Taça de Portugal. Fui para o Sp. Braga de 1965 a 1969, mas voltei ao meu clube do coração. Tenho 79 anos e uma lágrima no canto olho. Isto é lindo», disse, emocionado.

Não obstante os problemas que têm assolado o Belenenses, que da primeira divisão passou para a base da pirâmide do futebol português, mais de um milhar de adeptos marcaram presença no Restelo para assistir neste fim de semana a uma celebração histórica de uma instituição igualmente memorável, a única a par do Boavista a quebrar o «reino» de exclusividade dos três grandes do futebol português com a conquista de um campeonato nacional – apenas Manuel Andrade, autor de um hat-trick contra o FC Porto na estreia pelos azuis está vivo dessa turma campeã de 1946.

O Belenenses de agora até pode não ser o clube pujante de há algumas décadas. De lá para cá, caiu de divisão, reergueu-se, mas está hoje fraturado pelas razões que se conhecem.

Mas neste sábado ficou claro que o futuro é mais do que uma simples utopia, como foi possível perceber pela presença de representantes de três gerações de famílias, desde os avós aos netos. Dos mais velhos, alguns com memórias do Belenenses campeão e a defrontar alguns «grandes» europeus, às crianças que poderão um dia vir a assumir uma voz ativa.

E memórias de Figueira, antigo capitão do Belenenses que pendurou as botas em 2004 mas que permaneceu ligado a uma casa que lhe é querida. «É uma emoção imensa e um orgulho ter contribuído para os 100 anos do Belenenses», assume.

Filgueira, que fez mais de 200 jogos nas oito épocas ao serviço dos azuis enquanto jogador (1996 a 2004), transitou para treinador nas camadas jovens do clube, foi adjunto da equipa principal e até coordenador técnico da equipa de futebol feminino. «O Belenenses está sempre no meu coração. Até moro aqui ao lado, em Belém», referiu.

Como Filgueira, foram muitos os outros antigos jogadores do Belenenses que marcaram presença num dia especial na história do clube lisboeta. Os corredores de passagem para os camarotes no Restelo eram um verdadeiro «quem é quem?» da história do Belenenses. À volta de uma mesa com comes e bebes viam-se semblantes de felicidade traçado no rosto de antigos jogadores.

Festa apadrinhada pelo Salgueiros e por glórias do Real Madrid

As celebrações do centenário do Belenenses contaram com a presença do Salgueiros e do Real Madrid, clubes fundados também eles há mais de 100 anos. Houve dois jogos: o primeiro entre as equipas atuais dos azuis e da equipa portuense; o segundo entre antigos jogadores do Belenenses e glórias do Real Madrid. 

Diante do Salgueiros, os aniversariantes apresentaram-se com um padrão inédito, com dois tons de azul separados na vertical ao meio e caras novas. Foi a apresentação do plantel sénior, testemunhada por mais de mil adeptos que vibraram com a vitória por 3-2 sobre o Salgueiras.

No final do teste, o técnico Nuno Oliveira apontou aos jornalistas que o objetivo dos azuis, que estão na 1.ª divisão distrital da AF Lisboa, é o mesmo da temporada passada: a subida. «Somos o alvo a abater, sabemos que vai ser difícil, mas os objetivos são subidas consecutivas. Queremos chegar aos registos da época passada, 147 golos marcados e 17 sofridos, mas sabemos que se vai tornando mais difícil.»

Seguiu-se depois um jogo com lendas do Real Madrid, que entraram em campo para enfrentar uma equipa de veteranos do Belenenses composta por antigos jogadores como Cândido Costa, Tuck, Taira, Filgueira, Sobrinho e Valdo.

Do outro lado, alguns nomes de peso do futebol mundial. Karembeu é tão inconfundível que a chegada ao estádio de tuk-tuk o fez passar despercebido. A ele juntaram-se, entre outros, José Amavisca, Emilio Butragueño, Roberto Carlos ou Arbeloa.

Mas foi outro que brilhou: Alfonso Pérez, antigo internacional espanhol que, para além dos merengues, representou também equipas como o Betis e o Barcelona. 

O homem que deu nome ao estádio do Getafe – clube onde até nunca chegou a jogar – marcou quatro golos – o 3º de levantar o estádio – e fez de tudo: receções acrobáticas, toques de calcanhar ou pontapés de bicicleta.

«A verdade é que estou bastante bem fisicamente. Desleixas-te um pouco nas férias, mas gosto de treinar, de estar em forma e de fazer desporto. Mas sim, estive bem na partida.»

Era preciso dizê-lo?

Resultado à parte – Real venceu por 6-1 – Patrick Morais de Carvalho, presidente dos azuis, vincou o comportamento diplomático do clube espanhol, que até inaugurou o Estádio Santiago Bernabéu num jogo com o Belenenses, a 14 de dezembro de 1947.

«Agradeço ao Real Madrid que, ao contrário do habitual, não cobrou ‘cachet’, que reverte para a sua Fundação. O Real respeitou o Belenenses e fez-se respeitar com grandes glórias», disse, frisando depois o papel de históricos dos lisboetas para que um dos maiores clubes do mundo estivesse representado no Restelo.

«Em 1930 fomos a Espanha ganhar 3-0 ao Real Madrid… quem é que era capaz de fazer isso? Sinto-me uma formiga ao pé destas grandes glórias do Belenenses: se não tivessem sido tão grandes, o Real Madrid não teria vindo aqui hoje», apontou.

Quase seis horas de festa. Ricas em momentos, partilhas de memórias e recordações de conquistas. E a história, esta centenária, é eterna.