Um muro a separar os rivais. Em Montevideu, é assim mesmo. Literalmente.
Central Español Fútbol Club e o Club Sportivo Miramar Misiones são adversários históricos e vizinhos bem no centro de Montevideu: o Parque Palermo, onde joga o Central desde 1937, e o Parque Luis Méndez Piana, casa do Misiones (fundado em 1906, embora se tenha fundido com Miramar, de 1915, só em 1980), estão paredes-meias.
Ambos os recintos, cada um com capacidade para cerca de cinco mil espectadores, têm um muro a dividi-los no Parque Batlle, no coração da capital uruguaia, onde se localiza também o Estádio Centenário, casa do futebol uruguaio desde que foi construído para acolher o Mundial de 1930.
Sem grande risco, pode afirmar-se que este é o clássico mais próximo do mundo.
É o Clásico del Muro, que se disputou na quarta-feira, com o Central a receber e vencer por 2-0 o Miramar na jornada 7 da II Divisão uruguaia, saltando provisoriamente para a liderança (14 pontos, bem à frente do rival, que é 11.º com 7).
No dia seguinte ao dérbi, o Maisfutebol ligou para Montevideu para ouvir os presidentes dos dois clubes, sobre o duelo da véspera e em particular acerca desta rivalidade que está bem perto e vem de longe.
Final. Gran triunfo de Central ante @miramaroficial para seguir en la punta pic.twitter.com/H2qzdELFUq
— Central Español FC (@CentralEspFC) 31 de maio de 2017
«O jogo de ontem (quarta)? Foi uma festa. Como sempre, muito intenso, jogado com garra (bem ao estilo charrúa, naturalmente), com muitos cartões amarelos, mas sem vermelhos. O futebol uruguaio é assim; disputa-se cada bola dividida», afirma ao Maisfutebol Fernando López Larroque, presidente do Central Espanhol, que quer subir ao primeiro escalão do futebol uruguaio: «Estamos em primeiro lugar e com “ganas” de subir, mas ainda estamos no início e o campeonato é longo.»
Os golos do Central Español-Miramar Misiones, 2-0 («Loco» Abreu, lembram-se dele?, marcou o segundo):
Hugo Buby Casada, presidente do Misiones, não perde tempo para dar a resposta sobre a derrota bem fresca na memória: «Ganharam 2-0 o último clássico, mas na história nós vencemo-los mais vezes a eles do que eles a nós.»
El clásico del muro fue para @CentralEspFC por 2-0. @loco13com anotó el segundo gol. pic.twitter.com/4icnK0oGXU: El… https://t.co/M3EOseFvSC pic.twitter.com/q4HlqUzg5B
— Pasión FutbolUruguay (@Uruguay_futbol) 31 de maio de 2017
Os dois presidentes não exacerbam a rivalidade. «Somos vizinhos, mais amigos do que outra coisa. Aqui não há barras bravas (adeptos violentos) nem nada que se pareça», diz Buby. Larroque completa: «É uma rivalidade sã em termos desportivos, não só em seniores como nos escalões de formação.»
Cederam terreno para o rival construir a tribuna
O presidente do Central Español sublinha que as boas relações são históricas. «Fomos fundados em 1905 e estamos cá, neste estádio, desde 1937. O Misiones, que não jogava nas divisões profissionais até se fundir com o Miramar, tinha este campo pequeno ao lado, sem bancadas sequer, e nós cedemos uma parcela do nosso terreno para eles fazerem uma tribuna.»
O Central Español sublinha a sua antiguidade, o Miramar Misiones, também conhecido por zebritas, pelo equipamento preto e branco listado e, diz-se, também pela proximidade do jardim zoológico Villa Dolores, salienta a sua ligação ao local, explica Hugo Casada:
«Apesar dos campos estarem juntos, o Central tem a sua base de apoio no Bairro de Palermo, que é noutra zona de Montevideu. A nossa base é aqui, no Parque Batlle y Ordóñez. Temos a sede a uns três quarteirões, junto ao bairro Pocitos – zona populosa da cidade, onde outrora pontificava o Estádio Pocitos, também anfitrião do Mundial de 1930.»
A verdade é que proximidade do Parque Palermo do Parque Méndez Piana é uma vantagem, afirma Fernando Larroque:
«Estamos numa zona privilegiada, no grande parque desportivo no centro da cidade aos pés do Estádio Centenário (do outro lado da estrada). Além disso, temos boa vizinhança. Se o balneário não funciona porque a caldeira se avariou, pedimos para usar o deles. Se for preciso para um jogo de pré-época empresta-se o campo. E há outras grandes vantagens: da nossa bancada vemos o jogo deles. Um adepto pode com um só bilhete ver dois jogos. (risos) Basta virar-se de costas e vê o jogo deles… Ah, e quando há clássico também é bom não gastarmos dinheiro em deslocações.»
Se juega el ¡CLÁSICO MÁS CERCANO DEL MUNDO!
Si cae una pelota para nuestro lado ya les avisamos que no la devolvemos 🙊 pic.twitter.com/jwRDmw4AYl
— Miramar Misiones (@miramaroficial) 30 de maio de 2017
Hugo Casada acrescenta que, mesmo não sendo comum, «quando a bola vai para o estádio do Central, eles devolvem-na.» E vice-versa.
Casas de Tanque Silva e Álvaro Pereira
Sem a projeção o historial de Peñarol ou Nacional, os dois gigantes de Montevideu, Central Español e Miramar Misiones têm motivos de orgulho no futebol uruguaio.
Os palermitanos do Central salientam o facto de terem sido dos poucos clubes pequenos a sagrarem-se campeões nacionais. «Em 1983 vencemos a Série B, subimos e em 1984 fomos campeões da série A, praticamente com a mesma equipa», sublinha Fernando Larroque, acrescentando que na atual seleção principal há dois jogadores formados no seu clube: o médio da Fiorentina Matias Vecino e o avançado Abel Hernández, que foi treinado por Marco Silva no Hull City. Tanque Silva (avançado ex-Beira-Mar) também foi formado no Central.
Neste particular também o Miramar Misiones tem troco para dar. «Dois jogadores que fizeram parte da seleção do Uruguai que alcançou o 4.º lugar no Mundial de 2010 saíram aqui do clube: Sebastián Fernandez (avançado, hoje no Nacional de Montevideu) e “Palito” Pereira (lateral, hoje no Cerro Porteño)…» O Álvaro Pereira, que jogou no FC Porto? «Esse mesmo. Desde criança jogou aqui. É do Miramar Misiones desde pequeno», salienta Hugo Casada, antes de voltar ao essencial, para concluir:
«Tanto nós como o Central temos muitos talentos nos nossos escalões de formação. Somos rivais de vez em quando e só por 90 minutos. Em todo o tempo que resta somos vizinhos e amigos.»