*enviado-especial ao Brasil

O nome é como o algodão: não engana. Em Salvador da Bahia mora um clube inteiro com uma seleção no pensamento. Espanha e não Brasil. É pelos «hermanos» de Portugal que bate o coração dos seguidores do Galícia Esporte Clube, um histórico da cidade com ligação umbilical ao país vizinho.

Fundado na década de 30 por um grupo de espanhóis, recebeu o nome de Galicia porque os seus fundadores vinham precisamente desta região de Espanha. O grupo já se juntava para jogar o futebol, que havia chegado à cidade no início do século. O passo seguinte foi natural: avançar com um clube organizado.

O Galicia cresceu e foi, até, o primeiro tricampeão da Bahia. Hoje está bem longe do poderio do Vitória e do Bahia. Mas a ligação a Espanha, que vem dos primórdios, permanece intacta. E tem ainda um representante no Mundial, mas no Brasil: Dante, que passou pelos escalões de formação.

O Maisfutebol descobriu este clube em Salvador e a curiosidade do nome levou a um leque de histórias contadas por Beto Boullosa, atual diretor de comunicação.

«Há uma comunidade muito grande de espanhóis nesta zona e o Galícia continua a ser visto como o clube dos espanhóis, que aqui são chamados galegos. Muitos dos dirigentes de hoje são descendentes de espanhóis. Eu próprio sou», conta.

A ligação a Espanha fica, contudo, nos gabinetes e nas bancadas. «Na equipa não. Houve um, apenas, nos primeiros anos, que era o Marcoco. Dizia-se na altura que era um grande jogador», conta.

Apoiar Espanha? Sim, mas fora do estádio

Beto Boullosa descreve o Galicia de 2014 como «um clube pequeno, sem patrocínios e longe dos jornais». Mas com uma grande história e muita ambição. E a ligação a Espanha continua a ser explorada.

«No ano passado, aquando da Copa das Confederações, Espanha veio cá e houve logo muita atenção dos jornais. Chegou a sair uma reportagem a falar do clube até no site da FIFA. E agora está a ver de novo essa busca. Vocês aí de Portugal por exemplo e já temos agendadas outras entrevistas e visitas aqui à nossa sede, dos principais jornais do Brasil, que sempre querem saber como vão comportar-se os nossos adeptos no Mundial», conta.

A pergunta, claro está, é inevitável: afinal estão por quem? «Espanha vai ser, sem dúvida, a segunda equipa de muitos dos nossos torcedores. Mas para outros tantos vai ser a primeira. Preferem Espanha ao Brasil. O meu pai nem hesita: é Espanha. Eu sou pelo Brasil. E a minha mulher é francesa. Que confusão, não?», atira entre risos.

O primeiro jogo do Mundial em Salvador é precisamente um Espanha-Holanda, o que, ainda assim, não garante apoio especial a Iniesta, Xavi e companhia. «A maior parte não conseguiu bilhete», lamenta. Havia vontade, faltou dinheiro

Mas a verdade é que, pese tudo isso, o Galicia faz o que pode para cultivar a relação com Espanha que vem dos fundadores, mesmo a milhares de quilómetros de distância.

«Tentamos aproveitar também esta onda. Em janeiro lançámos um equipamento novo inspirado na seleção espanhola. A cor do equipamento do Galicia é azul e branco mas passamos a usar o vermelho e amarelo como a seleção espanhola. Foi um sucesso, vendeu muito», garante Beto Boullosa.

O Galicia esteve 15 anos afastado da I Divisão Baiana. Regressou no ano passado e este ano conseguiu um quinto lugar que, contudo, não deu para subir à Série D nacional, o último escalão antes dos regionais.

«Quando descemos aos estaduais, em 1999, praticamente desparecemos do mapa. Muita gente achava que o clube tinha acabado. Com a entrada do presidente Dario Rego conseguimos recuperar o clube e dar uma vida nova», explica.

Galicia contra Espanha: uma brincadeira de 1 de abril

Por muito que já se tenha esforçado, o Galícia nunca conseguiu um contacto formal com a seleção espanhola, que até já esteve em Salvador em 2013, para a Copa das Confederações. Agora está de volta, a direção voltou a tentar mas continua sem resposta positiva.

Para muita gente, contudo, o Galicia vai ter direito a um amigável com o grupo de Vicente del Bosque. Parece mentira? E é mesmo.

Beto Boullosa conta o mal-entendido: «No dia 1 de abril coloquei uma notícia num site não oficial do Galicia, que sou eu a gerir, a dizer que Espanha ia jogar um amigável connosco antes da Copa. Reproduziu até em jornais do sul! Ainda hoje há gente que acha que vamos mesmo jogar com Espanha…»

Na verdade, o Galícia nunca conseguiu esse contacto. «A nível institucional só mesmo com a Junta da Galiza», conta o responsável.

«A direção tentou, é verdade. Mesmo que não fosse um amigável, alguma coisa parecida, mas não conseguiram, lamenta.

E deixa, por fim, uma prece em jeito de apelo: «Estas coisas, às vezes, acontecem de um dia para o outro. Seria uma página dourada para o clube. Bastava que nos recebessem…»