1 de setembro.

O dia a seguir, para a maioria dos seres humanos, é de ressaca: para muitos jogadores, porém, é de dor. 1 de setembro significa que o mercado fechou e que continuam desempregados.

É claro que são jogadores livres e, nessa qualidade, podem sempre assinar por um clube. Mas a maioria das vezes os clubes dão os planteis por encerrados e as portas fecham-se.

«Estou a lidar com isto muito mal. Não consigo dormir, por exemplo. As quatro ou cinco da manhã acordo a pensar na minha vida, estou a pensar no porquê de isto me acontecer. Sabendo que temos qualidade, que temos capacidade física e que temos uma família para criar, é muito frustrante.»

Nuno Lopes fez mais de 60 jogos na Liga, em clubes como o Rio Ave, o Beira Mar e o Estoril. Jogou a Liga Europa pelo Apollon Limassol. No final da última época terminou contrato com o União da Madeira e agora, aos 31 anos, com várias épocas de futebol pela frente, está sem clube.

«Todos os dias estou frustrado. Eu não durmo. A minha família está a dormir e eu a pensar por que isto me está a acontecer a mim. Se não tivesse o apoio da minha família, já me tinha perdido. É frustrante saber que tenho qualidade e estou parado. Não há uma pessoa, não há um clube, que me dê uma oportunidade para mostrar que tenho valor. É isso que me traz frustração», conta.

«Sem tirar mérito aos meus colegas, tenho qualidade para jogar na Liga. Fácil. Mas fosse na II Liga ou no Campeonato de Portugal, eu ia. Eu quero é jogar futebol. Se tiver que baixar a um Campeonato de Portugal, sem problemas. Já estive na III Divisão, na II B, na II Liga, na Liga e tudo o que consegui foi com o meu suor. Não tenho problemas em descer para voltar a subir.»

Há, de resto, dezenas de jogadores na mesma situação de Nuno Lopes. Boa parte deles prefere não falar nesta altura: não é fácil exteriorizar emoções como o faz o irmão de Miguel Lopes.

No entanto, e entre os que aceitam falar, há um sentimento que é unânime: é fundamental manterem-se ocupados. O segredo, aliás, é não pensar muito no que podia ser e não é.

Pedro Moreira, por exemplo, jogador formado no FC Porto e que cumpriu as últimas quatro temporadas no Rio Ave, diz que o pior é a ansiedade que o telefone toque.

«No meu caso tento estar sempre acompanhado. Faço o meu treino, que me ocupa a manhã toda, depois almoço com família ou amigos e à tarde tento estar com eles e fazer coisas que não fazia antes: jogar outros desportos, ténis, por exemplo, não estar parado, conversar muito, estar mais com os meus pais e com a minha irmã. Tento estar ocupado para não pensar nisto», diz.

«À noite é que custa mais. Quando me deito na cama e começa a vir tudo à cabeça. É difícil adormecer. Já tive algumas noites sem dormir, admito.»

João Meira concorda que «é muito complicado psicologicamente».

«Já aguento um pouco melhor porque já é a segunda vez que estou nesta situação, antes de ir para o Estados Unidos estive seis meses sem clube e aí ainda foi mais complicado. Estamos sempre à espera do que pode surgir, há muita gente que liga a dizer que vai trazer isto ou aquilo e depois não traz nada, criamos ilusões, depois vivemos numa ansiedade e a desilusão é enorme», refere.

«Temos de ser fortes. Já não sou nenhum miúdo, tenho uma família, concentro-me nela e tento não deixar que as expetativas tomem conta de nós. Depois é fundamental ter coisas para fazer, estar ocupado, passar tempo com a família ou com os amigos, e ter alguém que naqueles momentos mesmo complicados está disponível para atender o telefone e nos ouvir.»

Nesta altura vale a pena dizer que nem todos os casos são iguais. Sílvio construiu uma carreira em clubes como o Rio Ave, o Sp. Braga, o At. Madrid, o Benfica e o Corunha. Foi até internacional português por oito vezes. Por tudo isso não reage ao desemprego como uma fatalidade.

«É sempre complicado, mas também tem a ver com a fase da carreira de cada um. Se estivesse nesta situação com vinte e poucos anos, estava muito mais stressado e receoso. Agora já tenho 30 anos, fiz a carreira que fiz, ganhei o que ganhei, por isso não me sinto o gajo mais stressado.»

Sílvio compreende, no entanto, que haja jogadores ansiosos e com dificuldades em dormir. Até admite que ele próprio poderia estar nessa situação se fosse mais jovem. Mas não é o caso.

«Tenho algumas coisas fora do futebol com que me preocupar, por isso vou fazendo as coisas que tenho que fazer. Tenho que ir levar e buscar os meus filhos à escola, tenho que tratar dos meus investimentos, tenho que fazer as coisas normais. Tenho a minha vida fora de futebol.»

Todos eles treinam diariamente, alguns até o fazem ao sábado, e Sílvio diz que treina inclusivamente «mais do que se estivesse num clube».

«Tenho um amigo meu que é personal trainer e que é mais do que um amigo, é família. Estou todos os dias com ele e faço de tudo um pouco. Ele tem tempo para mim, para treinar no ginásio, para treinar bola, para treinar na praia, na serra. Ele faz o treino e nunca é menos de duas horas.»

Pedro Moreira, por outro lado, trabalha todos os dias com Ruben Ribeiro e Jaime Poulson, dois colegas que, tal como ele, também se encontram neste momento no desemprego.

«Até foi o Ruben Ribeiro que me falou de treinarmos todos juntos. Tentamos trabalhar no mesmo horário, depois almoçamos, estamos algum tempo juntos e ajudamo-nos uns aos outros: falamos da proposta que apareceu, se era boa, se não era, enfim. Também falamos com pessoas do futebol que já passaram por esta situação para termos os melhores conselhos.»

A ideia de todos é encontrar um clube o mais rapidamente possível e, como diz João Meira, «não será por não estar bem fisicamente que não o vão fazer».

Nuno Lopes, aliás, não tem ficado à espera que o telefone toque: ele próprio o faz tocar. Até agora sem sucesso, é verdade, mas o lateral direito não vai desistir de ser feliz.

«Eu é que ligo às pessoas para poder ter um clube, liguei recentemente a um diretor desportivo porque os jornais diziam que precisava de um lateral direito. Ele disse-me que era mentira, que não precisavam, e depois foi comprar um. Até com presidentes do Campeonato de Portugal já falei. Dizem-me sempre que está fechado, está fechado, está fechado. A mim nesta altura interessa-me jogar futebol. Não quero acabar a carreira aos 31 anos desta maneira», conta.

«Infelizmente o futebol está cada vez mais degradado. Hoje em dia somos um elemento de troca. Se não tiveres um bom empresário, se não tiveres contactos, se não gerares comissões, não entras nos clubes. Tive um caso agora, era para ir para a Grécia, mas foi por água abaixo por desacordo de comissões. O que importa no futebol é o dinheiro. Se não deres dinheiro, não interessas.»

Pedro Moreira também não se importa de dar um passo atrás para voltar a jogar. O importante, diz, é sair desta situação de desemprego e mostrar o que vale.

«O Rio Ave queria renovar comigo e optei por não aceitar, porque meti na minha cabeça que estava na altura de ir para o estrangeiro. Agora arrependo-me disso, é verdade. Mas o que tenho de fazer é manter-me lúcido. Como digo à minha família, não estou grátis. Tenho algum nome no futebol português, que consegui graças ao meu trabalho, e não vou deixar cair isso», conta.

«Não me importo de dar um passo atrás para dar dois em frente. Não quero é estar parado até janeiro, nem pensar, e sei que vai aparecer alguma coisa. Se tenho receios? Tenho o receio de ter de ir para muito longe por uma coisa que não vale a pena. Mas se tiver que ser, também estou pronto para arriscar. Não me assusta regressar à II Liga, por exemplo. Mas não estou grátis.»

Por falar em não se estar grátis, interessava saber como financeiramente o desemprego afeta jogadores que futebol com carreiras construídas em clubes da Liga e até do estrangeiro.

A ideia geral é que não passam necessidades, obviamente, mas não fazer entrar dinheiro em casa é uma situação que os angustia. Até porque a carreira de jogador é curta e não há tempo a perder.

«Nem todos os jogadores vivem como o Ronaldo. Se gastarmos mais do que devemos rapidamente os recursos se evaporam e depois ficamos numa situação complicada. Para já ainda não tive de fazer alterações substanciais, até porque sempre fiz as minhas poupanças», refere João Meira.

«A minha frustração também é por isso. É saber que a minha família depende de mim e que não tenho um clube que esteja a fazer entrar dinheiro em casa. Nesta altura já tenho de ir buscar dinheiro ao pé de meia que tinha feito. É triste dizer isto, mas é a verdade. Tenho de pagar as contas no final do mês e não deixar que nada falte aos meus filhos...», acrescenta Nuno Lopes.

«As pessoas têm uma ideia muito errada. Tirando os três grandes, o Sp. Braga, o V. Guimarães e o Rio Ave, os outros clubes não pagam nada por aí além. Ninguém ganha 15 ou 20 mil euros num clube da Liga fora dos três grandes.»

Em jeito de rodapé, e porque este é um artigo sobre sentimentos de um jogador desempregado, quis saber-se que receios invadem um atleta numa situação de desemprego.

Nuno Lopes, por exemplo, diz que o maior medo é cair no esquecimento.

«Que as pessoas não se lembrem do valor que já demonstrámos ter. No Estoril tive uma lesão no joelho que me obrigou a parar três ou quatro meses. Mas o ano passado fui para o U. Madeira, fiz 15 jogos, não falhei um treino e não falhei um jogo. Fui operado pelo António Martins, que é um dos melhores médicos do país, e estou bem. Quero que as pessoas não se esqueçam disso», adianta.

«2018 tem sido um ano para esquecer. Em janeiro foi a situação de Espanha [problemas financeiros do Llorca inviabilizaram a transferência], em fevereiro foi a situação de Itália [esteve muito perto do Cremonese], em março fui para a Noruega [assinou pelo Valerenga] mas lesionei-me no primeiro jogo. Estou com receio de não arranjar nada até janeiro, porque aí será um ano inteiro quase sem jogar e vou ter que baixar muito o nível. Tenho de tentar decidir o mais rapidamente possível a minha vida para não cair nessa encruzilhada», acrescenta João Meira.

«As pessoas pensam que estou mal fisicamente e ficam sempre de pé atrás porque pensam que me vou ressentir das lesões que tive. Mas isso é cem por cento mentira. Estou capaz de me encaixar em qualquer equipa em Portugal», atira Sílvio.

«Se acabasse a carreira agora ficava triste, mas acho que não vou acabar agora. Aliás, tenho a certeza que não vou acabar agora. Isto é só uma fase menos boa. Agora tenho de estar bem comigo, com a consciência tranquila que estou a fazer tudo e esperar para ver o que acontece.»

Uma fase menos boa é um bom resumo da situação. O futuro espera por eles. Por todos eles.