Para aqueles que acompanharam de perto a formação do Sporting no final da década de 90, o nome «Edgar Marcelino» ainda traz suspiros associados.

O próprio ainda suspira quando recorda o miúdo que, aos 13/14 anos, foi considerado o melhor jogador da sua idade em Portugal. «Eu fazia coisas há 17 anos que só há uns quatro ou cinco é que comecei a ver outros fazerem», atira a determinada altura o jogador, hoje com 33 anos, em conversa com o Maisfutebol.

Mais do que alguém que teve 27 internacionalizações entre os sub-16 e a seleção B, Marcelino é um jogador que, um dia, alguém apelidou de «uma das joias da coroa» do Sporting. E quem eram as outras? Bem, uma delas é aquele que se tornou no diamante mais bem polido da formação dos leões: Cristiano Ronaldo, pois claro.

Ao escutar Marcelino desfiar memórias, a certa altura perguntamos-lhe se ele considera ter sido uma promessa por cumprir. A resposta surge sem qualquer hesitação: «tenho a certeza disso».

Edgar Marcelino teve o mundo nas mãos, mas deixou-o cair. Viu a carreira rolar como uma bola que caprichosamente não quer entrar, mas continuou a correr atrás. Continua, aliás. Depois de 12 anos lá fora a saltar pelos mais inesperados destinos onde uma bola de futebol pode correr, Marcelino está de volta a Portugal.

O Amora, do Campeonato de Portugal, é o porto de chegada de um atleta que volta ao país natal depois de jogar em 13 clubes, oito países e quatro continentes. Razão mais do que suficiente para irmos à descoberta das histórias que traz na bagagem.

«Enterrei a minha carreira quando rescindi com o Sporting»

Mas antes de viajarmos à boleia das memórias de Marcelino para países como Marrocos, Omã, Índia ou Austrália, vamos ao início de tudo. Aos primeiros e prometedores pontapés na bola.

Natural de Miranda do Corvo, concelho do distrito de Coimbra, Edgar Marcelino mudou-se para Lisboa aos 12 anos, depois de dar nas vistas num torneio onde participou pela Académica. À semelhança de tantos outros miúdos, a paixão pelo futebol e o gosto de menino pelo Sporting fizeram com que tenha decidido arriscar uma mudança para a capital que começou por não ser fácil.

Contudo, após um ano de adaptação em que as saudades da família ainda pesaram bastante, Marcelino fez um segundo ano muito positivo que lhe valeu aquele que garante ter sido «o contrato de formação mais longo feito pelo Sporting». «Aos 13 anos assinei o maior contrato da formação, por sete épocas sem cláusula de rescisão. Sabes o que isso é para um miúdo que se começa a sentir o centro das atenções?», questiona Marcelino.

«Acho que aconteceu tudo muito depressa. Eu nem estava na Terra, estava no céu. Tenho recortes de jornais de 96 e 97 com muitas notícias sobre mim. Tinha o mundo nas mãos, mas era demasiado novo para isso», comenta.

Ainda assim, é mais tarde que acontece aquele que Edgar Marcelino considera o maior erro que cometeu na sua carreira. Depois de uma boa época na equipa B ainda com idade júnior e de duas épocas de empréstimo, primeiro no Penafiel, na I Liga, e depois no Roosendaal na Eredivisie da Holanda, o jogador foi contra a ideia de o Sporting o voltar a emprestar. A solução encontrada pelo jogador, então com 22 anos, foi rescindir com os leões.

«Enterrei a minha carreira quando rescindi com o Sporting para ir para Guimarães. Já jogava na seleção sub-21 e queria mais do que ser emprestado outra vez. Agora, olhando para trás, vejo que aquela é uma idade em que tens de saber aguardar pela tua oportunidade. Devia ter ficado, nem que fosse para rodar mais um ano ou dois», analisa, volvidos todos estes anos.

Só que ao contrário do que esperava, as coisas no Vitória, então na II Liga, não foram fáceis e passados seis meses, veio outra decisão da qual muito se arrepende. «No Vitória as coisas não estavam a correr bem nem a mim nem à equipa e surgiu um convite para ir para Chipre. E esse foi o meu outro grande erro. Achei que podia ser bom para abrir uma porta para o campeonato da Grécia, mas isso nunca se proporcionou».

(Edgar Marcelino com alguns companheiros na passagem por Omã - foto cedida pelo jogador)

Ameaças de morte e polícia à porta para fazer testes do balão

De todos os países por onde passou, o Chipre é aquele do qual tem piores recordações. Das quatro equipas que representou naquele país, Omonia, Karmiotissa, APOP e AE Pafos, as duas últimas faliram e ficaram a dever-lhe algumas centenas de milhar de euros. Mas além disso, foi também ali que conheceu a pior faceta do futebol.

«No Chipre fui perseguido e recebi ameaças de morte para rescindir como os clubes queriam», recorda Marcelino, revelando que «ali valia tudo para te tentarem apanhar em falso». «Houve alturas em que tinha a polícia sempre na minha rua à espera para me mandarem soprar no balão para ver se me apanhavam a desrespeitar o regulamento do clube».

O «azar» dos responsáveis dos clubes que tentaram esse tipo de manobras é que Edgar Marcelino não bebe álcool e, garante, em tantos anos de carreira, não se lembrar de pagar uma multa por comportamento incorreto. Ainda que se tenha divertido com algumas das situações.

«Uma vez, saí do carro a cambalear. Aquilo aconteceu tantas vezes, que decidi brincar. Eles a pensarem que finalmente me iam apanhar, fazem-me o teste e… zero. Até acharam que a máquina estava avariada, foram buscar outra e o resultado foi sempre o mesmo», conta, sorridente.

Ao longo da carreira, foram várias as vezes que Marcelino teve de recorrer à FIFA para ver os seus direitos reconhecidos e em todas elas venceu os processos. «Além do Chipre, aconteceu-me isso em Marrocos e em Omã», lamenta.

Ora, Omã é outro dos destinos invulgares por onde passou Marcelino e onde chegou de olho noutro salto. «Quando surgiu a possibilidade de ir para lá, aceitei por pensar que me podia abrir portas para os Emirados Árabes Unidos. Só que cheguei lá, fiz três jogos e percebi que tinha ido quase à experiência», relata, sublinhando que isso acabou por ser vantajoso para ele e mau para o clube que o convidou.

«O terceiro jogo foi contra o Seeb, a equipa do Sultão e joguei muito bem. Houve um adjunto dessa equipa que me ouviu a falar francês e veio perguntar-me se eu já tinha assinado. Eu expliquei-lhe que não e ele disse-me para não assinar porque eles tinham ficado interessados em mim», rememora. Resultado: assinou contrato com o Seeb, onde lhe ofereceram condições melhores do que aquelas que lhe tinham sido apresentadas pelo primeiro clube.

(Edgar Marcelino com os companheiros do Pune, da Índia - foto cedida pelo jogador)

Companheiro de um campeão do Mundo… na Índia

Apesar de terem começado por correr bem as coisas em Omã, o desfecho não foi o mais positivo. Quando o dono do clube percebeu que a equipa não ia atingir os objetivos traçados, começou a tentar rescindir com os jogadores estrangeiros, Edgar Marcelino incluído.

«E depois? Espera, tenho de ver aqui para onde fui depois…», diz-nos a determinada altura, de sorriso no rosto e mãos no telemóvel para descobrir o destino que se seguiu, numa carreira em que chegou a acalentar a esperança de voltar para perto da família, algo que, nestes 12 anos, apenas aconteceu numa curta passagem pelo Estoril, em 2011, quando o clube da Linha estava na II Liga.

«Fiquei à espera de uma luz de cá mas ela nunca apareceu», desabafa, lamentando a falta de oportunidades em Portugal.

«Às vezes parece que os clubes preferem que um jogador esteja um ano sem jogar do que estar num campeonato inferior. Só que a carreira de um futebolista é curta e temos de pensar no futuro, o que me obrigou a optar por permanecer lá fora», realça.

A Omã, seguiu-se a Índia. O país que recorda quase sempre de sorriso no rosto e no qual representou o FC Goa e o Pune. «Não quero falar mal do campeonato, mas é diferente», diz, garantindo que «no geral, foi uma experiência fantástica».

Aquilo que faz Edgar Marcelino sorrir é o amadorismo da Liga de um país que tem no críquete o desporto mais popular. «Via jogadores a comer sushi antes dos jogos, eu fiz alguns jogos em jejum… é um mundo à parte», resume.

Na Índia, porém, teve o «enorme prazer» de partilhar o balneário com um campeão do Mundo, Robert Pires, para quem só tem palavras elogiosas. «É um jogador que foi campeão do Mundo, campeão europeu, venceu a Liga Inglesa, mas que depois está ao teu lado como se te conhecesse desde sempre».

(Edgar Marcelino jogou com Robert Pires no FC Goa - foto cedida pelo jogador)

Um salto à Austrália antes do desafio no Amora

Como já se percebeu, os destinos futebolísticos pisados por Edgar Marcelino são vários. E nem foram aqui abordadas as experiências em Espanha e na Grécia, por exemplo. Mas há mais um do qual tem de se falar, não só por ser o mais recente, mas também pela forma inusitada – se é possível utilizar esse termo para contar a história de Marcelino – como surgiu no seu mapa.

«Nos últimos anos liguei-me a um projeto que me tem entusiasmado muito, um torneio de futebol jovem em Miranda do Corvo, do qual sou padrinho», começa por relatar. Ora, e foi na altura em que estava a convidar equipas para a competição que surgiu o destino mais longínquo da sua carreira.

«Queria tentar trazer equipas australianas ao torneio e eles descobriram que eu era jogador, viram uns vídeos meus e convidaram-me para ir para lá».

Em Melbourne, Edgar Marcelino encontrou um clube muito organizado e a crescer, com o qual esteve perto de conseguir um feito importante. «O Richmond SC é de uma divisão inferior, mas há uma competição em que participam equipas do campeonato principal ganhámos a algumas, as coisas correram muito bem», orgulha-se.

Só que entretanto, algo inesperado aconteceu. «Não era uma coisa que pensasse, vir jogar para o Campeonato de Portugal, mas o profissionalismo e ambição que encontrei no contacto com os responsáveis do Amora convenceram-me», confidencia, notando que a possibilidade de voltar a vir para perto da família também foi muito importante.

E a avaliar pelas primeiras impressões, a escolha não podia ter sido mais acertada. «Encontrei um grupo fantástico, com uma mentalidade positiva, num projeto que tem tudo para dar certo», afirma, realçando acreditar que o objetivo é lutar pela subida à II Liga.

Edgar Marcelino garante que ainda não pensa no final da carreira - «não sinto que esse momento esteja a chegar, jogar futebol é o que mais gosto de fazer e enquanto sentir forças não posso abandonar» - e, apesar do «desperdício de talento» que acredita ter sido, fala com orgulho daquilo que o futebol lhe deu.

É verdade que a carreira não sorriu a Edgar Marcelino como ele sonhou em miúdo, mas ele sorri com as aventuras que tem vivido. «Sinto frustração por não ter chegado tão alto como sonhava e acho que foi um desperdício um jogador com a minha qualidade não ter chegado lá acima. Mas não há que ter vergonha de onde joguei. Tenho quatro filhos que sei que têm orgulho em mim e isso é o mais importante de tudo. Enquanto os deixar orgulhosos, serei o homem mais feliz do mundo», finaliza.

(Foto de capa cedida pelo jogador)