O noticiário sobre o futebol português tem sido invadido pelo anúncio de buscas a várias SAD. Na última semana, as instalações de FC Porto, Sp. Braga, Vitória SC e Tondela foram visitadas por agentes da Autoridade Tributária, militares da GNR e magistrados do Ministério Público.

As suspeitas das autoridades recaem sobre «negócios simulados» entre os respetivos clubes e terceiros. Estes terceiros são os denominados ‘intermediários’ e terão participado, de acordo com a acusação, na «ocultação de rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a declaração e a retenção na fonte, em sede de IRS».

Em palavras mais correntes, o MP suspeita que os clubes e os intermediários envolvidos terão auferido de «luvas» milionárias e não declaradas ao Fisco. O pagamento de determinadas comissões levanta enorme desconfiança aos investigadores, convictos de que algumas dessas verbas são desviadas sem deixarem rasto.

. Quem são estas pessoas que participam nas intermediações de negócios de futebol?

. O que é preciso em 2021 para alguém ser um agente de futebol devidamente credenciado?

. Quais os passos necessários para formalizar uma transferência?

Nuno Correia, 37 anos, é agente licenciado pela FPF desde 2013 e proprietário da NC Foot. Representa vários atletas da I e II Ligas: Ricardo Fernandes, João Afonso, Paulo Henrique e Costinha (Santa Clara), Adriano Castanheira (P. Ferreira), Fábio Fortes (Académica), Jefferson Kibe (Marítimo), Kikas (Belenenses SAD) e João Vasco (Ac. Viseu) são alguns desses nomes.

O empresário conduz o Maisfutebol pelos labirintos da intermediação de atletas no futebol profissional. Um mundo onde, assegura, «a esmagadora maioria das pessoas está dentro da lei e faz tudo para cumprir a lei». As exceções, concorda, são «preocupantes».

Nuno Correia é o proprietário da NC Foot

Tem mil euros e quer ser empresário de futebol?

Nado e criado no popular bairro da Cruz do Pau, em Matosinhos, Nuno Correia habitua-se a ver o Estádio do Mar desde os primeiros dias de vida. Começa a jogar futebol nas escolinhas do mestre João Faneco, figura maior do emblema do Mar, e aventura-se depois no basquetebol do Desportivo de Leça.

No Leixões faz de tudo. «Fui atleta, segurança, trabalhei nas bilheteiras, fui speaker, diretor de futebol de formação e responsável do departamento de scouting», conta ao Maisfutebol.

Depois de uma experiência no papel de diretor geral para o futebol do FC Infesta, decide entrar em 2013, aos 29 anos, no mundo das transferências. Na altura, e até ao verão de 2021, acumula a função de agente com o trabalho na refinaria da Petrogal, em Leça da Palmeira.

«Fiz um investimento grande em 2013, mas inicialmente andei a apalpar terreno, digamos assim. Entrei sem grande ambição», resume Nuno Correia, antes de detalhar esses primeiros dias enquanto empresário.

. O que era necessário para ser agente FIFA em 2013?

Tive de fazer um exame na sede da FPF sobre Direito Desportivo, um exame muito exigente. Estudei muito e fiz uma ação na Quest, uma empresa que dá formação a Recursos Humanos que queiram entrar no futebol profissional.»

Para além disso, Nuno Correia teve de pagar cinco mil euros à federação e fazer um seguro de responsabilidade civil, «num montante também elevado».

«Depois, era também exigido o Registo Criminal limpo. Anualmente obrigavam-me a revalidar o seguro para estar dentro da legalidade. Posso dizer que era um processo bastante rigoroso.»

João Afonso foi o primeiro atleta colocado por Nuno Correia na I Liga (2014, Vitória SC); em 2017 saiu para o Córdoba, na II Liga espanhola

Basta comparar o que é exigido em 2021, oito anos depois, para perceber que esse processo, outrora rigoroso, está hoje bastante mais facilitado.

Desde 2015, inclusive, que a exigência no acesso à função baixou. Agora a licença só é válida por um ano desportivo e tem de ser tirada no início de cada época. Mantém-se a exigência em relação ao Registo Criminal e além disso é necessário pagar mil euros e fazer o Seguro de Responsabilidade Civil. A novidade diz respeito à declaração de não dívida à Segurança Social e às Finanças.»

Nuno Correia explica que após essa alteração feita em 2015, os agentes que já detinham a licença FIFA tiveram dois anos de isenção e não foram obrigados a pagar qualquer verba para continuar a exercer a função.

«É apenas isto. Qualquer pessoa que tenha mil euros e cumpra os restantes requisitos legais pode participar numa transferência dentro do futebol profissional. Para participar numa transferência internacional é necessário fazer também o registo na federação de destino, a não ser que haja algum parceiro registado nesse país.»

Nuno Correia já colocou atletas em Espanha, França, Coreia do Sul, Chipre, Roménia, Bulgária e Bahrein. Sabe, por isso, muito bem do que fala.

FIFA: em 2012, só 19 por cento das transferências tiveram agente credenciado

A função de empresário de futebol continua a ser supervisionada pela FIFA, mas cada federação nacional tem a responsabilidade de legalizar os indivíduos que podem, ou não, participar enquanto intermediários em movimentos realizados no futebol profissional.

Nos últimos 20 anos, o enquadramento legal da função tem sofrido várias alterações. De acordo com o site da FIFA, em março de 2001 o organismo decidiu regulamentar pela primeira vez a função de Agentes de Jogadores.

A legislação foi aprovada pelo Comité Executivo do organismo, para que pudesse ser possível «supervisionar e criar maior transferência» na relação entre três partes: «clubes, atleta e empresário».

Oito anos volvidos, a FIFA assumia o «fracasso» nessa regulamentação. «Apenas 30 por cento das transferências envolveram agentes credenciados», informava a estrutura regente do futebol mundial. Números baixos, naturalmente.

O falhanço levou a uma «reforma profunda» na legislação relativa à profissão. Isso aconteceu, numa primeira fase, no 59º Congresso da FIFA (2009) e, posteriormente, em março de 2014.

O regulamento atual, aplicado em Portugal pela primeira vez na época 2015/16, foi aprovado no dia 1 de abril desse ano. Os números obrigavam a que algo, de facto, mudasse: em 2012, diz a FIFA, num universo de 11552 movimentos de atletas só 19 por cento (2199) envolveram a presença de pelo menos um empresário oficialmente licenciado.

«As verbas estão todas lá, não há como fugir a isso»

A designação de Agente FIFA desapareceu e foi trocada pela de Agente de Jogadores Licenciado pela FPF. No Regulamento de Intermediários de 2015, a FPF simplifica ainda mais e refere-se a estes elementos apenas como 'Intermediários'.

Nuno Correia acredita que há «espaço para melhorar», embora reconheça que na teoria tudo está  controlado da forma possível pelas federações nacionais. E dá exemplos concretos no que toca às cada vez mais famosas comissões de intermediação.

Tudo o que é acordado entre as partes em relação às comissões tem de estar contratualizado. Esteja o empresário a representar um clube ou um atleta. Aliás, existe uma cláusula no contrato de trabalho dos futebolistas profissionais em que se tem de optar entre ‘com intervenção de intermediário’ ou ‘sem intervenção de intermediário’. Se houver intervenção de um agente tem de aparecer no contrato o número da licença e o valor da comissão.»

E como é que pode aparecer um empresário num negócio quando não é sequer representante do futebolista envolvido?

«O clube x aborda um empresário e diz-lhe: ‘quero que representes o clube na contratação do atleta y’. É, então, celebrado um contrato entre as partes que tem de ser registado na FPF e onde fica prevista a comissão a receber pelo agente. Ou uma percentagem ou um valor absoluto previamente estipulado para o contrato de representação. Assim é que as coisas são feitas com total correção», responde Nuno Correia.

No passo seguinte, o contrato chega e o atleta «assina» pelo novo clube. «No acordo vem uma alínea que identifica o intermediário e o valor que tem a receber pelos seus serviços. Tudo tem de ser rubricado no canto superior direito de cada folha, assinado no final e entregue na FPF. As verbas estão todas lá, não há como fugir a isso.»

Ño Regulamento de Intermediários da FPF é possível conhecer a «Declaração de Intermediário para Pessoas Singulares». Mais uma pista para conhecer os pressupostos exigíveis para desempenhar a função.