A Liga 2017/18 está a chegar com a promessa de engarrafamentos na estrada nacional que serve três clubes com presença garantida na prova: a EN 105. O Desportivo das Aves junta-se a Moreirense e Vitória de Guimarães no escalão principal, cenário inédito para os três clubes nortenhos.
Foi uma época de sucesso para o trio: o Vitória, maior de todos, terminou na 4ª posição e chegou à final da Taça de Portugal. O Moreirense venceu a Taça da Liga e evitou a descida na última jornada. O Desportivo assegurou o regresso ao escalão principal, dez anos depois.
17 quilómetros a separar o Estádio do Desportivo das Aves e o Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, ao longo de uma via tradicionalmente congestionada. Sporting, Benfica e Belenenses têm menor distância entre si, mas o caminho não se faz pela mesma via.
Quem sai da Vila das Aves chega em dez minutos (6 quilómetros) ao Parque Desportivo Comendador Joaquim Almeida de Freitas, casa do Moreirense, justificando maior rivalidade entre estes dois emblemas. Nesse ponto não podemos esquecer Vizela, logo depois de Moreira de Cónegos, mas a cidade tem a sua equipa no Campeonato de Portugal e fica à margem desta história.
Entre Moreirense e V. Guimarães há outro sentimento. Um sentimento de histórica convivência, de um pequeno a crescer no concelho do grande. Foi na sede do concelho de Guimarães, aliás, que os Cónegos festejaram com maior intensidade a recente conquista da Taça da Liga. Com adeptos do Vitória a aplaudir.
Outro dado curioso: a linha que separa os distritos de Porto e Braga está entre a Vila das Aves e Moreira de Cónegos. Ou seja, o Desportivo pertence à AF Porto (que terá igualmente FC Porto, Boavista, Rio Ave e Paços de Ferreira na Liga), o Moreirense à AF Braga (tem Sp. Braga e V. Guimarães como outros representantes na escalão principal).
Mas voltemos à EN105, em ritmo lento, já que não há muito espaço para ultrapassagens. Ao fim de semana, com e sem futebol, há trânsito intenso na estrada que começa no cruzamento da Areosa – no limite da cidade do Porto – e termina na Cidade-Berço. Por mera coincidência, os dois jornalistas que assinam esta reportagem moram nas extremidades desta via.
«Conheço bem cada quilómetro da Nacional 105, foram oito anos a percorrer esses quilómetros. Lembro-me que nos primeiros anos em que estive no Desp. Aves (1998), a estrada não estava ainda muito boa para circular, tínhamos dificuldades. Por vezes tínhamos de sair mais cedo de casa para evitar atrasos e horas de ponta, para evitar as multas normais do futebol porque é uma estrada com muito trânsito», diz Jorge Duarte, 42 anos e um registo ímpar: representou os três clubes visados.
Se os jogos deste minicampeonato entre Desp. Aves, Moreirense e V. Guimarães representam a perspetiva de caravana automóvel pela estrada nacional, o que esperar a cada visita dos tradicionais grandes, com a calendarização de nove jogos desse trio naquela zona?
A A7, após a A3, permite uma viagem relativamente tranquila para quem vem de sul. É esse o caminho escolhido para quem joga em Guimarães e a lógica tem sido seguida para as visitas a Moreira de Cónegos, precisamente para fugir ao trânsito da EN105: saída em Pevidém/Serzedelo/Riba de Ave e cinco quilómetros por estradas secundárias.
A incógnita prende-se agora com Vila das Aves. Saindo na A3 para Santo Tirso – onde mora o Tirsense, outrora emblema de Liga –, a viagem obrigaria a suportar a zona mais propícia a engarramentos, em direção à terra do Desportivo. Provavelmente, a solução passará novamente pela A7 e a tal saída de Pevidém, embora fique a cerca de oito quilómetros do recinto avense.
«Não é muito comum vermos três clubes na Liga com uma diferença de tão poucos quilómetros. O Vitória é uma referência, o Moreirense nos últimos anos tem consolidado a sua marca no panorama principal do futebol português e o Desportivo das Aves vai voltar novamente, onde já esteve duas vezes, com ambição de fazer mais do que no passado, ou seja, evitar que seja uma passagem rápida com descida imediata», salienta Jorge Duarte.
Natural de Fafe, o antigo médio congratula-se com a presença nortenha no mapa da Liga e fala sobre a rivalidade entre os três clubes. «Rivalidade existe sempre. Mas normalmente e naturalmente, há uma rivalidade maior entre o Moreirense e o Desportivo das Aves, dada a proximidade entre duas equipas, que estiveram muitos anos na II Liga e têm ambas o estatuto de vilas.»
O Estádio do Clube Desportivo das Aves, com as caraterísticas próprias de um recinto inaugurado em 1981, é o novo destino da Liga 2017/18.
Há de facto um quadro mais intenso nos quilómetros que separam Vila das Aves da vila de Moreira de Cónegos.
Tarcísio e Leandro Souza, jogadores brasileiros que contribuíram para a subida do Desportivo à Liga depois de terem representado o Moreirense, sustentam a ideia.
«A rivalidade não é como noutros tempos mas ainda se nota. São duas vilas pequenas, muito próximas uma da outra, os adeptos conhecem-se. Como andam muito tempo uma equipa em cima e outra em baixo, a rivalidade fica escondida, mas assim vai voltar a fazer-se sentir. Aliás, pode ser ainda mais forte, porque vão encontrar-se pela primeira vez na Liga», avisa Tarcísio, médio de 31 anos.
Leandro Souza salienta o mérito dos dois clubes neste crescimento: «São dois clubes bem estruturados, quer o Aves quer o Moreirense, por isso merecem estar na 1ª Divisão, pelos investimentos e pela estrutura que têm.»
O avançado de 30 anos está habituado a percorrer a EN105 e vai deixando o aviso. «Trata-se uma estrada com muito movimento, porque é uma estrada que une não só as duas vilas, mas é também um acesso daquela parte do concelho para a autoestrada, o que dá muito movimento», explica.
Neste ponto, importa destacar um pormenor. Ao contrário do que acontece com Desp. Aves e V. Guimarães, o Moreirense não está localizado no centro da vila de Moreira de Cónegos.
O Parque Desportivo Comendador Joaquim Almeida de Freitas é de um lado da EN105, numa zona onde se destaca igualmente o Quiosque Fandino. Do outro lado da estrada, um par de quilómetros mais à frente, está o centro da vila, a Igreja, a Junta, o Cemitério, etc. Se puder, passe também por lá.
O Quiosque Fandino merece referência porque foi ali que, em 2004, surgiram os dois primeiros vencedores portugueses do Euromilhões. Dois adeptos do Vitória. Paulo Pereira, um deles, tinha uma pastelaria e estava ligado ao Moreirense. Porém, viria a ser vice-presidente do V. Guimarães.
Vítor Magalhães, grande impulsionador do clube de Moreira de Cónegos, chegou a trocar a presidência do Moreirense pela liderança da direção do Vitória, antes de fazer a viagem de regresso. Manuel Machado está de volta ao Moreirense depois de treinar durante vários anos o V. Guimarães.
Entre os dois clubes, percebe-se, há mais amizade que rivalidade. Convivência justificada pela proximidade. Mas não há amor como o amor próprio.
Foi no final da EN 105 que o Moreirense festejou formalmente a conquista da Taça da Liga, sendo recebido nos Paços de Concelho pelo presidente da Câmara, pelo presidente do V. Guimarães e por adeptos vitorianos.
«Isto é uma lição de vida. Ver aqui gente do Vitória, ver vitorianos orgulhosos pelo feito de um clube da terra, de um vizinho, é fantástico», disse então Augusto Inácio, treinador responsável pelo marco histórico.
Na Estrada Nacional 105 haverá mais convergência que divergência. E orgulho, certamente. Desp. Aves, Moreirense e V. Guimarães delimitam uma zona cada vez mais influente no mapa da Liga.
Artigo original publicado a 28/06/2017