* com Adérito Esteves

Encomendar uma pizza e receber como complemento a visita, uma foto e um autógrafo de um campeão olímpico? Bom negócio. Principalmente nestes tempos de home delivery e take away. Em Vila Velha, estado do Espírito Santo, Brasil, passou a ser possível há uma semana.

A necessidade aguçou o engenho, os dotes gastronómicos da esposa fizeram o resto. Esquiva Falcão, conceituado pugilista, derrubou o preconceito e colocou mãos à obra. Suelen faz as pizzas em casa, Esquiva pega na moto e distribui as iguarias.

A parceria está a correr tão bem que o Maisfutebol teve de ficar em lista de espera. «De Portugal? Que loucura. Me desculpa, moço, mas estou com a mão na massa agora mesmo. Não se importa de falar com o meu marido?»

Suelen volta à cozinha e o telemóvel passa para a mão de Esquiva Falcão, a mão co-responsável pela medalha de prata nos Jogos de Londres, em 2012. Em nove anos, e por culpa da pandemia, muito mudou na vida do pugilista de 30 anos.

«Isto tem sido uma correria, desculpe. A história é simples: sou pugilista profissional, mas não combato desde fevereiro, está tudo parado no mundo do boxe. Já o ano passado tive poucos combates e até tive de vender a minha medalha olímpica», conta Esquiva Falcão, nome grande no desporto brasileiro.

Temos dois filhos para sustentar e uma casa para pagar. A ideia surgiu na passada semana. Tínhamos encomendado uma pizza e não gostámos nada. Uns dias depois, a minha mulher disse que fazia ela própria a pizza. Bem, ficou maravilhosa, eu e os miúdos adorámos.»

Com demasiado tempo livre e uma conta bancária a encolher dia após dia, Esquiva Falcão sentou-se e teve uma conversa séria com Suelen. «’Vamos em frente com isto? Vamos’. Publicitei nas minhas redes sociais e o telemóvel nunca mais parou de tocar. Só não estava à espera de falar para Portugal», brinca o atleta olímpico.

As famosas mini-pizzas de Suelen e Esquiva (FOTO: instagram)

Num dia, Suelen consegue fazer 200 mini-pizzas, mas a estratégia do casal tem sido tão elogiada que já há patrocínios a caminho. «Sobre isso não queremos falar muito, para não dar azar. Mas é verdade que há empresas interessadas em trabalhar connosco, sim.»

As pizzas saem quentinhas do forno, Esquiva Falcão coloca na bagageira adaptada da moto e lá vai ele. Um vice-campeão olímpico a bater às portas das casas de Vila Velha. «Há reações engraçadas, claro. A fotografia e o autógrafo fazem parte da fatura, nós até achamos muito baratinho», diz Esquiva Falcão, sempre bem humorado.

Eu já tinha a motorizada e estava em casa sem fazer nada. Estou a adorar fazer isto. Conheço as pessoas da minha cidade, sinto-me útil e vamos ganhando algum dinheiro para aplicar um ‘knockout’ a esta maldita crise. Por favor, diga às pessoas que nunca viajamos sem máscara e viseira, somos híper-cuidadosos com a higiene.»

Quem é o pugilista Esquiva Falcão?

Esquiva Falcão Florentino tornou-se em 2012 no primeiro brasileiro a chegar à medalha de prata no pugilismo olímpico e apenas no segundo a subir ao pódio.

Na categoria de pesos médios, Esquiva perdeu na final contra o japonês Ryota Murata. O Brasil aplaudiu de pé, o boxeur passou a ser um menino querido no país e até teve a honra de ser o porta-estandarte na cerimónia de encerramento dos Jogos. 

Pouco depois, no início de 2014, Esquiva iniciou o seu percurso como pugilista profissional – era considerado amador até aí – e o currículo é impressionante: 28 combates, 28 vitórias, 20 por KO e oito por pontos.

Depois do início da pandemia, Esquiva Falcão fez apenas duas lutas. Uma em São Paulo, contra o compatriota Morrama de Araújo, e outra em Las Vegas frente ao russo Artur Akavov.

Esquiva Falcão no pódio olímpico em 2012 (FOTO: instagram)

Esquiva Falcão é canhoto, não muito rápido e extremamente técnico na arena, de acordo com João Carlos Soares, selecionador brasileiro de boxe.

Filho de Touro Moreno, conhecido boxeur brasileiro dos anos 80, Esquiva cresceu numa casa com mais oito irmãos e muitas dificuldades, na periferia de Vitória. Aos seis anos passou a acompanhar e a imitar o pai nos combates que este fazia por toda a América do Sul.

Com 15 anos, Esquiva Falcão tentou juntar-se a um clube e fazer-se atleta federado. Não foi aceite. No Brasil não havia competições jovens e Esquiva ouviu o que menos queria: ‘tens de esperar mais três anos’. Desanimou.

Segundo contou ao Globoesporte em 2011, o regresso a casa coincidiu com a entrada no mundo das drogas. «Não tinha dinheiro e comecei a vender. O meu pai descobriu-me e felizmente afastou-me desse mundo», confessou, meses antes da prata olímpica.

Aos 17 anos, Esquiva mudou-se para o Rio de Janeiro e entrou na academia de Raff Giglio, no morro do Vidigal. Nunca mais parou. Aos 21 anos foi medalha de bronze nos Jogos Sul-Americanos e no ano seguinte repetiu o resultado no Mundial de Boxe Amador.

Dois avisos sérios para o que viria a acontecer em Londres, no ano de 2012. Famoso e respeitado, o guerreiro dos rinques passa agora os dias em cima de uma moto, acompanhado por um cheirinho irresistível e a tocar às campainhas de quem encomenda as pizzas da mulher.

Um campeão.