A realização do programa Erasmus em Roma abriu a porta do futebol italiano a Fabiano Flora. O treinador português morava a dez minutos do Olímpico e não demorou muito tempo a iniciar um estágio na Lazio, corria o ano de 2008.

12 anos depois, Fabiano conta no currículo com uma ligação de cinco anos à formação laziale e ainda com uma passagem pela Juventus em 2012/13. Aos 35 anos, e no dia em que inicia a presença no curso UEFA Pro, Fabiano partilha com o Maisfutebol o conhecimento e a paixão profundos que nutre pelo calcio e, em particular, pela Atalanta saída da imaginação de Gian Piero Gasperini.

«Em 2008, posso confessar que vim muitas vezes embora ao intervalo dos jogos. Ia ao Olímpico, mas o futebol italiano não tinha nada a ver com que se vê agora. Pragmático, fechado, tático. Houve uma evolução muito interessante, a liga voltou a ser uma das melhores do mundo», afirma o treinador português, com forte ligação a Itália [a filha, Melissa, nasceu em solo transalpino] e ao futebol italiano.

Na cabeça desta revolução está, garante Fabiano, «um enorme treinador». Estes são os segredos da obra prima pensada por Gasperini, a «Super Atalanta».

«Tive, durante alguns anos, a possibilidade de acompanhar ao vivo os jogos das suas equipas, como o Inter de Milão, o Palermo e o Génova. Observei a sua evolução enquanto treinador. É um homem de grande conhecimento e que, na época transata, foi considerado o melhor treinador da Serie A. Venceu a Panchina d’oro», diz Fabiano Flora, lembrando que Gasperini levou pela primeira vez na história o clube de Bergamo à Liga dos Campeões.

«Realizou um trabalho extraordinário. Fórmula mágica? O ingrediente essencial e prioritário é o aspeto mental. Só depois deste ingrediente primário, poderemos referir aspetos físicos e técnico-táticos. É completamente impossível atingir níveis de prestação elevados, individuais e coletivos, sem um compromisso de responsabilidade próprio. A Atalanta apresenta esta vontade de ir mais além do que já conquistou no passado», completa Fabiano, indo ainda mais longe nos elogios à equipa.

«São uns sérios candidatos à vitória da Champions League. Vai acabar seguramente a Serie A no pódio e vai ultrapassar a barreira dos 100 golos. É absolutamente inacreditável. Isto diz muito da sua qualidade no processo ofensivo. Usa frequentemente um sistema de 3x4x1x2 que, durante o jogo, permite algumas variações posicionais nos três homens mais avançados, desdobrando-se num 3x4x2x1 e também num 3x4x3 clássico. Julgo que a colocação de três jogadores atacantes junto dos centrais adversários é fundamental para que consigam quebrar esse posicionamento defensivo, muitas vezes com cinco defesas. Atraem a marcação de um dos centrais para depois penetrar na organização defensiva adversária.»

Fabiano Flora revela que a base do jogo da Atalanta parte sempre da «disposição e criação de losangos simultâneos nos corredores laterais», do setor defensivo ao ofensivo.

Os «losangos simultâneos» de Gasperini

«É importantíssimo referir que a formação desses losangos é realizada pelos jogadores que executam constantes trocas posicionais e rotações variadas, não oferecendo pontos de referência à equipa adversária. Este princípio é muito interessante, pois obriga a colocação de um maior número de jogadores fora do centro de jogo.»

Para Fabiano Flora, outro dos princípios fundamentais defendidos por Gasperini é «o ataque à profundidade nos últimos 20/25 metros» e criação de superioridade numérica com a libertação de um dos três defesas normalmente utilizados.

«Acredito que seja uma das equipas europeias que maior número de toques de bola estabelece dentro de área, criando dessa forma um elevado número de ocasiões de golo. A equipa tem a preocupação constante de ‘jogar a bola’ em progressão, movendo-a para espaços mais avançados através de passes verticais. O primeiro golo à Juventus é um bom exemplo disso mesmo.»

A movimentação que antecedeu o primeiro golo à Juventus

Se no processo ofensivo, Fabiano Flora está encantado com a «qualidade» da Atalanta, no processo defensivo o treinador fala mesmo em «princípios revolucionários».

«A organização desse momento do jogo mostra uma enorme coragem, através de um pressing ultra ofensivo, com uma forte reação à perda da posse de bola, sempre orientado para a marcação homem a homem. Dessa forma aceitam quase sempre situações de igualdade numérica, sobretudo de 1x1 e 2x2, recorrendo ao principio ‘marco – marco’ e não ao principio ‘marco – cobro’.»

Fabiano diz que «uma marcação individual em antecipação» é fundamental na fase defensiva da Atalanta. É assim que Gasperini tem sido capaz de «levar a melhor sobre o adversário direto em confrontos de 1x1».

«Este princípio é executado, mesmo quando existem trocas posicionais, rotações e desmarcações do adversário. Todos terão de acompanhar o seu opositor direto por todo o campo.»

Que métodos de treino usa Gasperini para obter uma resposta tão afirmativa da equipa?

«Gasperini, e outros treinadores italianos, quebraram absolutamente o Status Quo. Fracionar paradigmas e pensar fora da caixa são ações fundamentais para o crescimento e sobrevivência de uma equipa. A realização de jogos reduzidos, com um menor número de jogadores, em espaços super-amplos, muitas vezes em 70 metros, leva os jogadores à exaustão física e mental. Para muitos de nós, são métodos impensáveis nos dias de hoje.»

Faltava falar dos jogadores. Quem são os pilares da estrutura de Gasperini, os homens que mais influenciam o processo de jogo? Fabiano fala num plantel «cheio de qualidade» e sintetiza tudo num nome: Papu Gómez.

«Sem ele, as coisas não seriam iguais. A equipa podia ter a mesma intensidade, mas ficaria a faltar-lhe o acréscimo de qualidade que o Papu lhe dá.»

A Atalanta Bergamasca Calcio foi fundada há 112 anos, joga no Estádio Atleti Azzurri d’Italia (25 mil pessoas) e tem apenas um título importante no museu: a Taça de Itália, ganha em 1963. Tem 59 presenças na Serie A e desceu pela última vez em 2010, subindo um ano depois.

«A formação do clube é uma das melhores em Itália. Grande parte dos melhores futebolistas italianos passaram por lá e isso agora está a ser recompensado. O senhor Gasperini aproveita bem esses meninos e tem lançado alguns às feras.»