Vida de emigrante, mala de cartão. Largar a terra que os viu nascer, ter a coragem de desenhar um novo caminho. Saltar da cama e colocar os pés a milhares de quilómetros de distância. Sacrificar o lar, doce lar, sempre a pensar no que vem a seguir: os filhos.

A história repete-se, milhares de vezes, provavelmente milhões. A diáspora portuguesa toca os quatro cantos do planeta, celebra o modo de vida lusitano, o famoso fado do desenrasque em horas de aperto.

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É esta também a herança recebida por Anthony Lopes. O dono da baliza do Lyon, adversário do Benfica nesta quarta-feira, nasceu já em solo gaulês, mas teve desde o primeiro instante uma educação de modos e feitios portugueses. A começar logo pela escolha do clube do coração.

«Benfiquistas? Não, aqui em casa somos todos portistas, o Anthony também», diz José Lopes, pai do internacional português, ao Maisfutebol a partir da casa em Saint-Genis-Laval. Ali, a escassos dez quilómetros de Lyon, Anthony cresceu, apaixonou-se pelo futebol e esteve, há poucos meses, a instantes de dar o «sim» ao FC Porto.

«Faltou muito pouco para ele ir agora no verão. Até lhe disse: ‘se tens a oportunidade de jogar em Portugal, então vamos tentar’. Depois, o Lyon soube que o Anthony estava interessado em ir para o FC Porto e fizeram-no logo assinar a renovação. Ofereceram-lhe uma proposta melhor.»

É um dragão, pois então, que estará na Luz para o jogo da terceira ronda da Liga dos Campeões. «Vai ser especial, porque o Anthony nunca jogou na Luz. Nos jogos da seleção lá esteve sempre no banco. Vai jogar e tentar parar o Benfica.»

Anthony a parar um penálti de Ibrahimovic em fevereiro de 2015

«O Anthony joga por Portugal porque sempre quis jogar por Portugal»

As raízes da família Lopes estão no Norte de Portugal.

José, o pai de Anthony, nasceu em Barcelos e mudou-se para França ainda bebé. «Nem um ano tinha. O meu pai era carpinteiro e aceitou uma proposta de trabalho. Hoje em dia trabalho na área dos transportes, sou motorista.»

Lúcia, a mãe, já nasceu em França, mas os seus pais, avós de Anthony, são de Miranda do Douro. Em Portugal continua a viver a avó paterna do guarda-redes.

«Sim, nós desta vez não podemos ir porque estamos a trabalhar, mas a avó do Anthony queria ir. O problema é que ela só queria ir para dar um beijo ao neto e eu já lhe disse que isso não é fácil por culpa das regras do clube», explica assim José Lopes a ausência de familiares na Luz.

O futebol profissional roubou a Anthony os verões em Portugal. Até aos 15 anos, não havia férias sem Barcelos ou Miranda do Douro.

«Os meus sogros vinham a França buscá-lo. O Anthony passava dois meses em Portugal, sempre com os primos. Foram tempos maravilhosos. A vida é assim, agora é muito complicado gerir isso, mas basta vê-lo na baliza da Seleção Nacional para perceber que tudo vale a pena.»

Por falar em valer a pena, o que levou Anthony Lopes a escolher a nobre e ingrata arte de ser guarda-redes? «Acho que fui eu», responde José, o pai. «Sempre fui guarda-redes em clubes pequenos aqui da região de Lyon e o Anthony vinha comigo. Aos cinco anos e meio meti-o numa escolinha de futebol e ele disse logo que só queria ir para a baliza.»

Sem ser «um grande aluno», Anthony conseguiu conciliar futebol e escola até aos 16 anos. A partir daí, admite José Lopes, só passou a ter olhos para a bola e a família.

«Primeiro esteve no Olympique de Saint-Genis e aos nove/dez anos levei-o ao Lyon. O resto da história já conhecem. O Anthony sempre foi apaixonado pelo futebol português, pelo FC Porto e pela Seleção Nacional. Foi por isso que eu contactei a FPF, há uns anos. Nunca tivemos dúvidas: o Anthony joga por Portugal porque quis jogar por Portugal e não por França.»
 

Anthony num frente a frente com Ziyech (Ajax)

 

«Por mim, já tínhamos voltado a Portugal há quatro anos»

Aos 29 anos e já com sete internacionalizações por Portugal, Anthony sonha com o passo seguinte: a titularidade. Rui Patrício tem sido a primeira escolha de Fernando Santos, mas os pais do luso-francês sabem que ele não é rapaz para baixar os braços.

«O Europeu está a chegar. Vamos ver. Primeiro queremos vê-lo lá e, acima de tudo, que seja feliz e ganhe sempre. Seja com o Lyon agora na Luz, seja por Portugal.»

É por causa de Anthony, de resto, que a família continua a viver em França. O chamamento português começa a ser cada vez mais forte.

«Para ele é mais fácil estar em França. Está mais adaptado, só por isso. Ir para Portugal e mudar tudo seria mais esquisito para ele. Eu sempre disse que queria voltar a Portugal, mas a minha esposa, mãe do Anthony, tem resistido», conta José Lopes.

«Se fosse por mim, já há quatro anos que estava em Portugal. Mas temos aqui os filhos, os netinhos… e a minha mulher não quer sair de perto deles.»

José, ele próprio um antigo guarda-redes, confessa-se cansado da vida de emigrante. «Viver em França, hoje em dia, é trabalhar para gastar. Não dá para juntar dinheiro, a vida está um bocado trenga. Se o Anthony fosse jogar para Portugal, estava resolvido.»

Anthony Lopes, mais de 300 jogos na baliza do Olympique de Lyon, a derradeira barreira a ultrapassar pelo Benfica na Liga dos Campeões. Um jogo para seguir AO MINUTO.