Haverá maior clássico no futebol do que a paixão de um adepto pelo seu clube?

Paixão, neste caso, talvez seja eufemismo. É um sentimento de profundo amor o que move Luís César, dragão que conhece o seu clube por dentro e por fora, e Bernardes Dinis, leão que desde criança construiu um espólio valioso.

Ao longo de décadas, ambos se tornaram guardadores de tesouros. Colecionaram pedaços da história de FC Porto e o Sporting e hoje mostram-nos com orgulho a quem quiser ver.

«Não deito nada fora. São mais de 30 anos a guardar coisas. Camisolas, medalhas, taças, galhardetes, botões de punho, garrafas comemorativas, enfim, todo o tipo de bugigangas…», enumera Luís César, quando abordado pelo Maisfutebol sobre o seu museu particular dedicado ao FC Porto.

Luís César foi secretário técnico do FC Porto durante 32 anos

O homem que foi secretário técnico do futebol sénior do FC Porto durante 32 anos, acompanhando Pinto da Costa desde que este assumiu o departamento de futebol, em 1976, fala de forma singela sobre riquíssimo património material e sobretudo sentimental que desencaixotou para expor na sua «casa da aldeia» em Santa Cruz da Trapa, em São Pedro do Sul.

«Eram caixas e mais caixas de recordações e presentes que fui guardando ao longo dos tempos…» Uma vida inteira, que passou até pela rádio e pela imprensa, que decidiu mostrar assim que se reformou do futebol, em 2008. Num piso sobrelotado podem encontrar-se autênticas pérolas que fazem parte da história do futebol português.

Tenho aqui, por exemplo, um dos bonés do Pedroto, o livro de apontamentos do José Mourinho com as táticas do jogo frente à Lázio (meia-final da Taça UEFA que o FC Porto venceria na época 2002/03)… Tinha também os apontamentos do jogo dele frente ao Real Madrid (Liga dos Campeões, 2003/04), mas ofereci ao museu do FC Porto. Eles vieram cá e eu disse: “Escolham o que quiserem.” Foram vários objetos para o museu: um rádio antigo, onde eu ouvia os relatos de futebol quando era rapaz, as luvas do Mlynarczyk (guarda-redes polaco campeão europeu em 1986/87), camisolas antigas de várias modalidades, cadernetas de cromos, bilhetes das viagens e galhardetes raros de digressões que o FC Porto fez pelo mundo fora…»

Luís César faz gosto em mostrar o seu pequeno mundo azul e branco – minúsculo quando comparado com os sete mil metros quadrados do Museu do Dragão – a quem tem curiosidade de ver e sobretudo aos amigos – que têm de assinar o livro de visitas, «sem dedicatórias, só com o nome e a data».

Reportagem RTP sobre o museu de Luís César, dedicado ao FC Porto:

Nesta casa rústica beirã «não há mais ponta de parede onde colocar o que quer que seja». Ainda assim, há um cantinho para «os concorrentes» – Luís César não fala em rivais, ou sequer adversários.

«Tenho por exemplo uma miniatura da Taça de Portugal, que o Leixões ganhou ao FC Porto nas Antas (1960/61), uma taça lindíssima da São Silvestre de Luanda, conquistada pelo José Sena (1983), que o senhor Auricélio Matos, antigo massagista do Leixões me ofereceu há dois anos, pouco antes de morrer, porque me disse que sabia que ia ficar em bem entregue, o que me tocou muito. Coisas giras também, como uma pilha (lanterna) da Juve Leo, mas vermelha e branca… Por falar em clássico, tenho aqui uma camisola do Vukcevic, que o Carlos Pereira (então dirigente do Sporting) me ofereceu no meu último ano em funções no FC Porto.»

Do óleo de Peyroteo ao kayak e a dois leões da China

Nos 800 metros quadrados do museu do Sporting, em Leiria, o que não faltam são camisolas às listas verdes e brancas com o leão ao peito.

Bernardes Dinis começou numa garagem há mais de 30 anos e hoje é o responsável por um espaço de dois pisos, que desde o dia 1 de julho de 2007 se tornou no segundo museu oficial do Sporting, e que no ano passado teve 15 mil visitantes.

Imagens do Museu do Sporting, em Leiria:

«“Isto parece a torre do Tombo”, disse uma vez o presidente João Rocha quando cá veio», conta ao Maisfutebol este leiriense de 71 anos, patricarca de uma família de sportinguistas – dois filhos e seis netos, «todos com quotas pagas» –, recordando que a sua afeição por colecionar artigos do seu clube começou ainda na infância.

Era mau aluno e o meu pai fechava-me no quarto para estudar, mas eu ficava a fazer colagens de recortes de jornais (com água e farinha de trigo) com as equipas do Sporting de todas as modalidades. Ainda hoje, todos os dias, a partir das 5h30 da manhã, faço o mesmo, mesmo sem estar de castigo», declara, salientando como ao longo da vida foi acrescentando autênticas relíquias à sua coleção: «Tenho um quadro a óleo que me foi oferecido pelo José Travassos, uma caricatura oferecida (em 1981) pelos Cinco Violinos, autografada por todos menos pelo Peyroteo, que já tinha falecido. Temos um kayak do Emanuel Silva, as sapatilhas que o Fernando Mamede calçou na primeira corrida que fez pelo Sporting, medalhas desde 1927, todas as edições do jornal do Sporting, desde a primeira edição, a 31 de Março de 1922, dois leões trazidos de uma digressão que o Sporting fez à China em 1978…»

O inventário é interminável e valioso. De tal forma que o museu de Leiria e o ligeiramente maior museu Mundo Sporting, no Estádio de Alvalade – que tem mil metros quadrados de área expositiva –, fazem intercâmbio de artigos regularmente.

Bernardes Dinis no Museu do Sporting, que fundou em Leiria

Ao Maisfutebol, Bernardes confessa gostar mais do seu espaço em Leiria do que do de Lisboa: «Agora é tudo filmes e tecnologias. Este é mais genuíno, tem mais chama.»

Em 2015, no espaço de Leiria até se realizou um casamento. «Uma cerimónia digna, que me emocionou bastante. Fez-me recuar ao meu casamento, que dura há 46 anos. A minha mulher é sportinguista tão acérrima quanto eu», conta este antigo empregado de escritório, membro de vários Conselhos Leoninos ao longo das últimas décadas e que, além do museu, já dirigiu o Núcleo de Leiria, fez programas na rádio local dedicados ao clube, foi cobrador de quotas e até delegado da secção de ginástica. «Só me falta ser presidente», graceja: «Reconheço que não capacidade para isso, porque paixão não me falta.»