Com apenas 20 anos, Éder ganhou asas de dragão e já voa bem alto. Mais alto do que um papagaio de papel.

O garoto que desde muito novo «solta a pipa» no Jardim Azaléia, em Sertãozinho, despediu-se domingo do seu clube e viaja esta semana para Portugal, para ser apresentado como reforço do FC Porto e juntar-se ao grupo de trabalho de Sérgio Conceição.

Chega como um dos mais promissores talentos do futebol brasileiro. De tal forma que já esteve nos últimos jogos sob observação dos olheiros de Tite e adivinha-se em breve a primeira chamada à seleção principal.

O FC Porto nem sequer quis esperar pelo final do seu contrato com o São Paulo, em janeiro próximo, para o garantir desde já como reforço – assinou por cinco épocas com os campeões nacionais, que pela antecipação pagaram quatro milhões de euros ao São Paulo.

Por estes dias, o rapaz que cresceu desde os 14 anos no centro de formação de Cotia, a 320 quilómetros da família e dos amigos, vive o sonho de rumar ao futebol europeu.

Éder Militão não deixa, contudo, de ser o tal garoto da urbanização Inocoop, de Sertãozinho, que mesmo agora, já celebridade no futebol brasileiro, não se exime de a cada regresso a casa voltar para junto dos amigos e correr pelas ruas atrás de um papagaio, como fazia desde criança.

De Sertãozinho a Cotia

Já lá vamos à «pipa». Antes de tudo, prioridade a Valdo Militão, pai de Éder, que chegou a representar o Corinthians e na temporada 1994 jogou com os ex-portistas Branco e Casagrande – nessa equipa do Timão jogavam ainda Rivaldo, Marcelinho Carioca, Viola...

É ele que, em declarações ao Maisfutebol, começa por desvelar o novelo e contar os primeiros pontapés na bola do seu filho, que surpreendentemente nem parecia destinado a seguir-lhe as pisadas.

«O Éder não era muito fã de futebol. Nunca foi de jogar na rua. Em garoto, o que ele queria era andar de bicicleta e correr atrás da pipa (designação no Brasil para o papagaio de papel). Despertou para o futebol de um momento para o outro. Quando ele tinha 12 anos levei-o para o Projeto Camisa 10, do Agnello, e aos 14 foi para o São Paulo», conta o pai.

Éder (terceiro em cima a contar da esquerda) ao serviço do Projeto Camisa 10

Éder fez três testes ao longo da época com os são-paulinos e assim que fez 14 anos (idade mínima por lei) assinou contrato e passou a estudar e a treinar no Centro de Treinos de Cotia, destinado à formação do clube.

Seguimos na pista de Agnello Souza, amigo de «Seu» Valdo, que se tornou no primeiro treinador a sério de Éder e numa espécie de seu tutor ao longo da sua adolescência.

«O Valdo é meu amigo desde infância e trouxe-o para o Camisa 10, um projeto que tem mais de 300 crianças e onde apoiamos também os garotos na escola. Era um aluno mediano, mas no futebol destacou-se rapidinho. Nos torneios, ele com 13 anos já era melhor do que os de 15… Encaminhei-o para o São Paulo; ele tinha de ir para um clube grande para evoluir», afirma o responsável pelo projeto Camisa 10 ao Maisfutebol.

Lateral como o pai

Agnello recorda as qualidades de Éder em criança: «No início ele era médio. Fazia muitos golos e tinha boas características para a posição: remata forte, tem uma passada larga que deixava os marcadores sempre para trás…»

A polivalência de Éder não demorou a fazer-se notar. Mal chegou a Cotia, Geraldo, treinador dos escalões de formação do «Tricolor Paulista», entretanto já falecido, descobriu-lhe outra função em campo, recorda Valdo: «Colocou-o a avançado, no meio-campo… E ao terceiro treino puxou-o para defesa-central. Ele ficou meio confuso, mas eu tranquilizei-o: “Calma, fica na tua, que se fizeram isso alguma coisa eles estão a ver…”»

Éder em criança com o pai, Valdo Militão (arquivo de família)

Éder destacar-se-ia também como médio defensivo da seleção de Sub-17 do Brasil no Mundial do Chile, em 2015. O escrete seria eliminado nos quartos-de-final pela Nigéria, que viria a sagrar-se campeã do mundo. Curiosamente, a estrela da seleção africana e melhor jogador do torneio era Kelechi Nwakali, que neste mercado de transferências reforçou a equipa B do FC Porto por empréstimo do Arsenal.

Seria, porém, a central que Éder continuaria a evoluir no São Paulo. Até que na época passada, Dorival Júnior, então técnico da equipa principal, viu nele uma boa solução para lateral direito e fixou-o naquela que sempre foi a posição de Valdo, que vê no filho características semelhantes às suas.

«Hoje vejo-o mais como lateral do que como zagueiro. Ele é bom na marcação, joga com a bola no pé tranquilo, o vigor físico dele é parecido com o meu. Para ser sincero, ele tem mais habilidade do que eu…», confessa Valdo.

Éder Militão representou o São Paulo desde os 14 anos

Agnello vai mais longe... «Não, não. O Éder é muito melhor do que o Valdo (risos). Herdou alguma coisa do pai: a passada, a velocidade… Mas é mais completo, tem mais recursos, o passe dele é muito bom também. Como tem a experiência como central e até como médio, ele é capaz de fazer uma dupla ou tripla função, mas acredito que vai tornar-se jogador de seleção brasileira como lateral direito.»

Luizão: aliado dos dragões

Mas, afinal, o FC Porto contratou um lateral ou um central?

Na verdade, ambos, garante quem conhece bem Éder.

«No FC Porto não sei em que posição jogará… Depende das ideias do treinador, mas cumpre qualquer das duas posições», afirma Valdo, cuja opinião foi fundamental na decisão do filho em mudar-se desde já para Portugal:

«Ele vai por sua vontade. Quando surgiu o interesse concreto do FC Porto conversámos várias vezes e eu sempre lhe disse o mesmo: “Vamos, mas só se quiseres ir. E ele respondeu-me: “Quero ir, pai. Eu quero crescer.”»

O FC Porto contou também com outro aliado para convencer Éder, que estava sob observação de outros grandes clubes europeus, bem mais endinheirados – com o Paris Saint-Germain logo à cabeça.

«O amigo dele, o Luiz Gustavo, joga em Portugal e fala “super bem” daí», conta-nos Edvaldo (26 anos), irmão mais velho de Éder, que deixou o futebol e trabalha numa empresa de automação onde Valdo também já esteve empregado depois de terminar a carreira como futebolista profissional.

Quem?

«O Luiz Gustavo… Volante do Porto.»

Luiz Gustavo é Luizão, médio da equipa B dos dragões, que jogou com Éder Militão até aos 17 anos no São Paulo, com quem viveu no Centro de Treinos de Cotia.

«O Luiz é muito amigo do Éder. Aliás, eles são tão parecidos que até os confundiam. Pensavam que eram irmãos», conta Agnello.

Edvaldo, Éder, Agnello e Valdo Militão (da esquerda para a direita)

Valdo confirma a proximidade e até as conversas recentes que ajudaram a convencer Éder sobre o FC Porto: «No final da época, quando o Luiz veio de férias, eles estiveram em contacto em São Paulo e conversaram bastante sobre o FC Porto.»

Para ajudar na adaptação do jovem de 20 anos, o pai e a mãe de Éder vão mudar-se para Portugal, tal como a irmã de sete anos.

Valdo tem também um amigo de família que vive perto do Porto (não se recorda do nome da cidade) e que é adepto de cadeirinha no Dragão – «o estádio é muito bonito», reconhece o pai, que se recorda pouco ou nada do FC Porto de Branco e Casagrande: «Conheço pouco da cidade. Vivemos focados aqui em Sertãozinho, mas sempre ouvi falar muito bem do FC Porto, vi alguns jogos na Liga dos Campeões… Mas o Éder tem procurado saber algumas coisas daí.»

«O garoto da pipa»

Éder é um rapaz tímido. Só se solta em casa com a família e na rua com os amigos, a cada regresso a Sertãozinho.

Agnello descreve-o em poucas palavras: «Ele não tem ídolos no futebol. Fala pouco. No São Paulo ele nunca deu uma entrevista. Não gosta muito de falar em público; ele gosta é de jogar. É um rapaz reservado, de um meio humilde, muito comprometido e focado no trabalho. Quer um exemplo? Havia uma pressão enorme para ele renovar contrato com o São Paulo (algo que não chegou a acontecer), há mais de um ano… Clube para cá, empresário para lá… Ele é muito jovem, mas nada disso o afetou. Aliás, cada vez jogava melhor ainda!»

Agnello com Éder Militão

O amigo da família e primeiro treinador prossegue com os elogios. Éder é um atleta muito profissional e um rapaz com os pés assentes no chão, faz questão de vincar Agnello, que nos volta a recordar dos papagaios de papel: «Ele não tem nada de vaidade. Quando chega aqui a Sertãozinho, nas folgas, ele vai para a rua sem problemas conversar com os amigos – na urbanização Inoocop, onde os seus pais vivem. E continua a lançar a pipa, mesmo agora com 20 anos... Esse é o maior passatempo dele!»

Valdo não só o confirma, como até conta um episódio para explicar a afeição do filho a este hobby: «Um dia pegaram ele a soltar a pipa lá no Centro de Treinos de Cotia. Nunca se tinha visto nada assim por lá… Ao ver aquela alegria dele, a psicóloga do São Paulo até aprovou: “Deixa. Isso é uma terapia boa…”, disse ela.»

Éder com as crianças do Projeto Camisa 10, em Sertãozinho

Essa afeição durou até hoje. De tal forma que Valdo, que viaja para o Porto com Éder nesta semana, promete trazer o brinquedo na bagagem.

«“Seu” Valdo, a pipa vem?», perguntámos.

«Ah, com certeza… Ele não consegue ficar sem ela», responde prontamente.

Se alguém vir por estes dias um papagaio de papel a sobrevoar o Centro de Estágios do Olival, que não estranhe: muito provavelmente estará o novo dragão Éder Militão a correr atrás dele.