* Por Tiago Antunes

A UEFA decidiu nesta quinta-feira acabar com a regra dos golos fora, que durava desde 1965.

Essa regra dava vantagem à equipa que tivesse marcado mais golos no campo do adversário, isto no caso de empate numa eliminatória a duas mãos. A regra, por muitos considerada injusta, nem sempre foi acarinhada por jogadores e treinadores e chegou a deixar clubes portugueses de fora das competições europeia, mas também foi sinónimo de boas notícias.

O Maisfutebol foi à procura dos jogos mais emblemáticos nos quais as equipas portuguesas saíram beneficiadas ou até prejudicadas e traz agora uma lista com alguns mais recentes e outros de grande memória.

Liga dos Campeões: Juventus-FC Porto (oitavos de final) - 2020/2021

Jogo que ainda cheira a fresco na memória. O FC Porto vinha de uma fase de grupos impressionante, depois de passar em segundo lugar num grupo com Manchester City, Marselha e Olympiakos. O adversário que se seguia era dos menos desejados: a Juventus. O primeiro encontro no Dragão começou de forma impensável. Taremi marcou ao primeiro minuto de jogo depois de uma trapalhada na área da Juventus. Na segunda parte o Porto aumentava a vantagem com golo de Marega, para surpresa de todos. Aos 81 minutos do jogo a Juventus conseguiu o golo que relançava as contas, através de Chiesa, apesar de estar a perder por dois. Tudo estava aberto para a segunda mão em Turim, jogo que ficou para a história dos portugueses nas competições europeias. Aos 19 minutos Sérgio Oliveira marcou de grande penalidade e o FC Porto tinha quase os dois pés nos quartos de final, até que tudo abanou. A Juventus forçou e foi com Chiesa que chegou ao golo. Taremi complicou mais ao ver dois amarelos em dois minutos. Pouco depois, cruzamento de Cuadrado e Chiesa, novamente, a atirar para o fundo das redes. 2-1 no jogo, 3-3 no agregado. Foi preciso jogar o prolongamento que começou da melhor forma. Sérgio Oliveira protagonizou o momento da noite, ao bater um livre rasteiro que dava ao Porto a vantagem que precisava. O golo de Rabiot, aos 117 minutos, não chegou aos italianos porque os azuis e brancos tinham dois golos fora. Com a ajuda da regra, o FC Porto continuou uma caminhada memorável que só terminou quando o Chelsea, que acabaria por ser o vencedor da prova, lhe fez frente.

Liga dos Campeões: FC Porto-Krasnodar (3.ª pré-eliminatória) - 2019/2020

Um dos jogos mais recentes desta lista e talvez um de pior memória para os portistas. O FC Porto entrava na luta pelo acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões, depois de um segundo lugar na Liga na época 2018/19, que não garantia a entrada direta na competição europeia, e tinha pela frente o Krasnodar, equipa russa que estaria pela primeira vez na principal prova de clubes do futebol europeu. A expectativa era alta para um FC Porto que era obrigado a entrar para garantir um valor a rondar os 44 milhões de euros. No primeiro jogo, na Rússia, com maior ou menor brilho, os azuis e brancos meteram um pé na fase de grupos da Liga dos Campeões, saindo vitoriosos da partida com um livre certeiro de Sérgio Oliveira já perto do final do jogo. Na 2.ª mão, o FC Porto recebeu o Krasnodar e fracassou completamente na missão de segurar o resultado que lhe era favorável. Derrota por 2-3 e um tombo de consequências milionárias numa campanha curtíssima e dececionante.

Liga Europa: Benfica-Eintracht Frankfurt (quartos-de-final) - 2018/2019

O Benfica tentava o êxito nas competições europeias com novo timoneiro. Bruno Lage sucedia Rui Vitória, relançava as águias no campeonato nacional e, depois da eliminação na Champions, havia a Liga Europa. Até que chegou o Eintracht Frankfurt. O Benfica venceu na Luz por 4-2 com uma exibição de sonho de João Félix – autor de um hat-trick. O resultado aparentemente confortável acabou por não chegar e tudo por culpa dos dois golos sofridos. Na segunda mão destes quartos de final, Filip Kostić e Sebastian Rode estragaram os planos das águias e marcaram os golos de que o Frankfurt precisava para afastar o Benfica da prova.

Liga Europa: Dínamo Kiev-Sp. Braga (quartos de final) - 2010/2011

O Sp. Braga partia para a Liga Europa sem imaginar a história que ia fazer. Nos quartos de final, o primeiro jogo foi na Ucrânia. O Dínamo começou em vantagem com um golo de Yarmolenko, o que abanava um firme Sp. Braga. Até que aos 12 minutos de jogo as contas equilibram-se com um autogolo de Gusev, o que animou os portugueses na eliminatória. Os guerreiros do Minho partiam em vantagem para a 2.ª mão devido ao golo fora. E o jogo em casa só precisou de terminar como começou: com um 0-0.

Liga Europa: Benfica- Sp. Braga (meias-finais) - 2010/2011

O adversário agora era bem conhecido. Guerreiros e águias encontravam-se para uma meia-final à portuguesa. O Sp. Braga tinha no seu plantel Artur Moraes, Hugo Viana, Lima, Alan, Meyong e o milagreiro Miguel Garcia, que já tinha vivido a emoção dos golos fora numa noite chuvosa na Holanda (já lá vamos). Do lado do Benfica, Aimar, Saviola e Cardozo formavam o tridente ofensivo. Na 1.ª mão, em Lisboa, a primeira parte teve alguma emoção, com remates perto de ambas as balizas e um golo anulado ao «Tacuara», até que em nove minutos tudo se anima. O Benfica adiantava-se no marcador com um golo de Jardel aos 50 minutos. Respondeu o Braga aos 53m com golo do médio Vandinho. O 2-1 chegou aos 59 minutos num livre exemplarmente batido pelo inevitável Cardozo. No Municipal de Braga, os arsenalistas começaram a todo o gás e apontaram as armas à baliza de Roberto, que se manteve inviolável por pouco tempo. Aos 19 minutos Custódio marcou de cabeça após canto de Hugo Viana e colocou o Sp. Braga na frente da eliminatória. O 1-0 manteve-se até ao apito final e o Sp. Braga marcou encontro com o FC Porto de André Villas-Boas na decisão em Dublin.

Taça UEFA: AZ Alkmaar-Sporting (meias-finais) - 2004/2005

O Sporting precisou de dar a volta ao resultado em Alvalade, depois de começar a perder, para se manter no trilho até à malfadada final da Taça UEFA em casa. E quem completo a reviravolta foi o jogador mais improvável de todos: Pinilla, o mais apupado e criticado pelos adeptos durante toda a época, fez o 2-1 aos 80 minutos e acabou o jogo a ouvir os adeptos cantarem o seu nome. Os leões tiveram dificuldades a jogar frente aos holandeses, que apresentaram um coletivo muito organizado e bem trabalhado. Apesar disso, os golos de Douala e de Pinilla davam vantagem à equipa treinada por José Peseiro, que tinha sofrido um golo perigoso de Landzaat. A 5 de maio de 2005, em Alkmaar, houve milagre. Depois de uma intensa reviravolta frente ao Newcastle, que tinha levado o Sporting até estas meias-finais, o leão teve novamente de rugir mais alto frente ao AZ. A equipa verde e branca começou a meio gás, isto porque Kenneth Pérez colocou os holandeses à frente da eliminatória muito cedo. Já perto do intervalo, Liedson, o do costume, colocava na mão dos leões a passagem à fase seguinte. Peseiro tentava segurar essa vantagem e manter a bola longe das redes de Ricardo. Só que a 12 minutos do fim Huysegems complicava tudo e obrigava a prolongamento. Os primeiros 15 minutos do tempo extra não tiveram golos, as equipas foram cautelosas e pouco arriscaram. No início da segunda parte, a cautela transformou-se em ameaça e Kew Jaliens adiantava o AZ e deixava o De Alkmaarderhout ao rubro. O Sporting ficava na iminência de falhar a final no seu próprio estádio. Mas nos descontos surgiu um canto. Até Ricardo subiu à área para ajudar. Tello foi à direita, bateu com o pé esquerdo e Miguel Garcia meteu a cabeça para fazer a história. O Sporting estava na final da Taça UEFA. Ainda hoje, qualquer sportinguista se arrepia a ver as imagens do jogo no qual os leões beneficiaram dos golos fora para passar em frente.

Taça UEFA: Hertha Berlim-Boavista (4.ª ronda) - 2002/2003

Depois de uma eliminatória passada frente ao PSG devido ao golo marcado fora de casa, seguiu-se uma viagem à Alemanha, que na verdade não começou muito bem. Apesar do golo de Rui Óscar, um Alex Alves inspirado, que marcara os primeiros dois golos dos alemães e os únicos da sua campanha, mandou o Boavista para o balneário em desvantagem. Na segunda parte, aos 73 minutos, entrou em campo Alexandre Goulart para mexer com o jogo. O plano deu certo porque aos 80 minutos o brasileiro empatou o jogo e deu esperança à equipa portuguesa para o que restava do encontro. Aquilo que Jaime Pacheco e os seus homens não esperavam era que aos 90 minutos o holandês Dick van Burik desse vantagem ao Hertha (3-2). O Boavista voltava a casa em desvantagem na eliminatória, mas com um trunfo na manga: os dois golos fora. Foi com esse trunfo que os axadrezados seguiram em frente, bastando um golo do argentino Ávalos, aos 85 minutos, num encontro marcado pelas expulsões de Pál Dárdai e de Filipe Anunciação. Com um resultado agregado de 3-3, mas com a ajuda dos golos fora, foi o Boavista quem passou aos quartos-de-final da Taça UEFA. A equipa de Jaime Pacheco chegaria até às meias-finais, onde foi eliminada pelo Celtic.

Taça das Taças: Bayer Leverkusen-Benfica (quartos de final) - 1993/1994

Numa época que tinha começado com a saída de Paulo Sousa e Pacheco para o rival da 2.ª Circular, num «Verão Quente» impactante e que iria terminar na conquista título de campeão nacional, o Benfica teve uma das noites europeias mais emblemáticas da sua história. Um empate caseiro a uma bola, arrancado a ferros, com um golo do suplente Isaías no finalzinho do jogo, obrigava o Benfica a agigantar-se no Ulrich-Haberland, em Leverkusen. O que aconteceu em campo alemão é pura história. Outro empate, mas desta vez mais louco, sofrido, a quatro golos, caiu que nem uma vitória, depois de duas reviravoltas contra um dos clubes alemães mais temidos da época, com Bernd Schuster, Andreas Thom e Ulf Kirsten. O primeiro golo surgiu aos 23 minutos num canto, com Andreas Thom a criar para o letal Ulf Kirsten, que aproveitou a saída atrasada de Neno para fazer o golo. Aos 57 minutos, o segundo dos alemães. Thom, novamente, veria a desmarcação de Schuster entre Abel Xavier e Hélder Cristóvão e o avançado não desperdiçou. Depois de tanto tentar, chegam os golos portugueses. Dois minutos foram suficientes para Abel Xavier e João Vieira Pinto equilibrarem a balança e relançarem as contas. A reviravolta chegava pouco depois através do jovem Rui Costa, que conduziu o contra-ataque encarnado pela esquerda, entregando a Kulkov que rematou para a primeira cambalhota no marcador. Aos 79, o brasileiro Paulo Sérgio, recém-entrado no lado germânico, cruzou para Kirsten voltar a causar problemas. Neno nada podia fazer mais, Abel Xavier abria os braços. O Benfica continuava em vantagem, mas por pouco tempo. No minuto seguinte, o Leverkusen reclocou-se em vantagem graças a um golo de Pavel Hapal. Estava feito o 4-3 e os alemães voltavam a ficar mais perto das meias-finais. Aos 85m, o milagre português. Kulkov começa e acaba a jogada que dá o 4-4 e o apuramento das águias.

Taça das Taças: Parma-Benfica (meias-finais) - 1993/1994

Depois da loucura na Alemanha, com os golos fora a darem o apuramento ao Benfica, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. O Benfica recebia e vencia a Parma na Luz na primeira mão das meias-finais da competição. Veloso e Mozer, que tinha ficado de fora do último jogo, entraram nas contas para o embate frente aos italianos que começou bem para as águias. Isaías voltava a ser importante, com um golo logo aos 7 minutos, seguido do golo de Gianfranco Zola, recém-chegado do Nápoles. Rui Costa fechou o marcador do jogo aos 60 minutos, isto porque Vítor Paneira falhou um penálti aos 63, que podia engordar a vantagem encarnada. Uma vitória por 2-1 era um resultado perigoso e provou-se a teoria. Em Itália, a prestação do Benfica ficou condicionada com a expulsão do central Mozer aos 32 minutos, abrindo alas aos «Giallo Blu». O golo que tirou o tapete da final ao Benfica chegaria aos 75 minutos, com Roberto Sensini a ser o carrasco dos portugueses na corrida às finais da Taça das Taças. Com o golo fora que a Parma tinha marcado na Luz, a esperança de Toni e dos seus jogadores caía por terra.

Taça dos Campeões: Benfica-Marselha (meias-finais) - 1989/90

O campeão nacional foi à carga na Taça dos Campeões com um plantel recheado de qualidade. Numa campanha fenomenal das águias, que só foi travada na final pelo Milan, o jogo de maior memória dos adeptos encarnados foi a meia-final frente ao Marselha na Luz. Mas, antes, o jogo em França: Franck Sauzée começou e Papin terminou a derrota benfiquista no Vélodrome, que não chegava para o Marselha respirar de alívio, já que o golo de Lima dava esperança aos encarnados para o duelo no velhinho Estádio da Luz, com capacidade para 120 mil espectadores. Um jogo longo, calculista para o Marselha e desesperante para o Benfica, foi decidido só aos 82 minutos pela célebre mão de Vata. Um resultado agregado de 2-2, com um golo fora do Benfica, deu aos portugueses o passaporte para a grande final.

Taça UEFA: U. Craiova-Benfica (meias-finais) - 1982/1983

A época 1982/83 ficou marcada pela grande campanha benfiquista na Taça UEFA até à final da competição, perdida com o Anderlecht. O Benfica ganharia o campeonato nacional e a Taça de Portugal e teve ainda grandes hipóteses de levar para o seu museu a taça de uma competição europeia. Depois de passar Betis, Lokeren, Zurique e Roma, as águias encontraram-se nas meias-finais com os romenos do Universitatea Craiova. A primeira mão na Luz não decidiu nada, muito pelo contrário. O empate a zero golos deixou tudo em aberto para a viagem até à Roménia. A equipa orientada pelo sueco Sven-Göran Eriksson começou o jogo em desvantagem depois de um livre muito bem executado de pé esquerdo por Ilie Balaci. Bento ainda lhe tocou, mas pouco conseguiu fazer. Só na segunda parte é que o Benfica conseguiria mexer no resultado do jogo e da eliminatória. Depois de grande trapalhada à entrada da grande área, a bola sobrou para o jugoslavo Zoran Filipovic, que terminou essa época com 27 golos em 47 jogos. O avançado revelou-se letal e não deixou qualquer hipótese aos romenos, que ficavam afastados da final da Taça UEFA devido ao golo fora que o Benfica tinha marcado.

Taça UEFA: Fiorentina-V. Setúbal (2.ª ronda) - 1972/1973

Em 1972, num futebol que não existe mais, o V. Setúbal fez uma campanha que está marcada na história do clube da Margem Sul. Depois de passar os polacos Zaglebie Lubin, o clube português, orientado pelo «Zé do Boné», José Maria Pedroto, encontrou a Fiorentina na 2ª ronda.

Um golo de Machado aos 60 minutos adiantou os setubalenses na eliminatória, em casa, ficando na expectativa para a segunda mão no Luigi Ferraris, em Génova.

Na segunda mão, a entrada do clube do Bonfim não foi a melhor. Aos 21 minutos, o clube «viola» já estava em vantagem no marcador por 2-0, com golos de Mario Perego e do brasileiro Sergio Clerici. Porém, aos 28 minutos, Duda reduziu e deu aos sadinos o acesso à fase seguinte, assegurando a passagem graças ao golo fora.

Taça UEFA: Vitória Setúbal - Tottenham (quartos-de-final) - 1972/1973

Passada outra equipa italiana, desta vez o Inter, o Vitória de Setúbal tinha pela frente o Tottenham. O primeiro jogo foi fora, no já demolido White Hart Lane, jogo esse que ditou a vitória inglesa por 1-0, com golo de Ray Evans, já aos 80 minutos de jogo. O Vitória não conseguiu dar a volta ao resultado, que ficava complicado para os sadinos mas não fechado. Na sua casa, o Vitória queria fazer história e entrou com tudo. Aos 20 minutos, o uruguaio Henrique Câmpora abriu as contas para esperança dos setubalenses. As equipas foram para o intervalo empatadas no jogo e na eliminatória, mas por pouco tempo. A equipa de José Maria Pedroto queria mais do que os quartos de final e José Torres não baixou os braços. Aos 65 minutos, colocou os portugueses em vantagem na eliminatória, mas o que veio depois foi um enorme balde de águia fria. A festa durou pouco porque aos 68 minutos Martin Chivers marcou o golo que o Tottenham precisava para passar para a frente da eliminatória. Até ao final do jogo não houve mais golos, chegando este resultado, com um golo fora, para os ingleses deixarem os sadinos pelo caminho. Uma caminhada memorável do Vitória de Setúbal que acabou «atraiçoada» por uma regra da qual já havia beneficiado nessa mesma época.