Era o Olímpico de La Cartuja e não o Sánchez Pizjuán. Era uma final da Taça UEFA e não duas mãos dos «quartos» da Liga dos Campeões, disputados de forma inédita no mesmo estádio. Era o Celtic e não o Chelsea. Eram dezenas de milhares de adeptos, um mar verde salpicado de azul, na maior deslocação de sempre de uma final europeia, e não bancadas vazias.
Era e é, ainda assim, Sevilha.
21 de maio de 2003: sob o tórrido sol da Andaluzia o sonho europeu do FC Porto tornou-se uma vez mais realidade, com a conquista da Taça UEFA.
Duas semanas antes, a romaria no Estádio das Antas começou com 48 horas de antecedência sobre a hora de abertura das bilheteiras.
Quinta-feira, às 9 horas. Limite: dois bilhetes por sócio. Preço: 30 euros.
As coordenadas estavam dadas e a partir daí foi um aglomerado de gente a chegar ao estádio. Primeiro, eram dezenas. À medida que a noite avançou, juntaram-se centenas. Gente a dormir ao relento em busca de duas cartolinas mágicas.
Até que, ao amanhecer, com uma fila interminável e mais gente do que bilhetes disponíveis, para acabar com um sofrimento desnecessário, se abriram as bilheteiras com um dia de antecedência.
Sai Costinha, entra Ricardo Costa
Avancemos de novo duas semanas, para o dia do jogo: se de Portugal veio uma pequena multidão de azul e branco, da Escócia – e da Irlanda, raiz dos católicos de Glasgow – chegaram dezenas de milhares de adeptos do Celtic. Metade ficou fora do estádio. O resto ocupou a maioria das bancadas e vibrou desde o apito inicial.
Uma final para a história. Emocionante, frenética, que começou praticamente com a lesão de Costinha.
O melhor mesmo é dar a palavra ao «Ministro», que recorda ao Maisfutebol o momento.
«Saí logo aos 9 minutos, aleijado com uma joelhada no músculo, que me levou a estar parado três meses e meio. Tinha recuperado de uma lesão que havia contraído no campeonato, cheguei com a ambição de jogar e logo no início vejo-me arredado da minha primeira final europeia. Foi um jogo cheio de incidências: o Jorge Costa também saiu lesionado, o Nuno Valente foi expulso quase no fim. Marcávamos um golo, eles empatavam, mas o espírito da nossa equipa era fantástico. Vi 100 e tal minutos no banco, nervoso, triste por não poder ajudar, mas a incentivar do lado de fora», recorda o antigo médio-defensivo, detalhando: «O Celtic era muito poderoso em termos físicos, mas a nossa equipa tecnicamente era muito acima da média: Deco, Alenitchev… E na frente tínhamos jogadores que não deixavam os defesas sossegados um minuto. O Derlei, o Marco Ferreira entrou muito bem também.»
Para o lugar de Costinha entrou Ricardo Costa, então ainda miúdo. Uma adaptação de José Mourinho, que já havia corrido bem na eliminatória anterior, conforme o próprio antigo central recorda.
«Tínhamos essa situação preparada, porque na meia-final contra a Lazio [segunda mão] o Costinha teve também um problema, eu joguei a lateral direito e o jogo correu-me bem. Meti o Claudio López no bolso», conta Ricardo Costa, continuando: «Sendo central, o Mourinho achava que eu dava segurança tanto a lateral direito como esquerdo. E foi o que fez, entrei para lateral e o Paulo Ferreira – curiosamente hoje diretor de relações internacionais do Chelsea – fechou como médio. O Mourinho disse-me: “Miúdo, vais jogar ali, cuidado com este, marca aquele, atenção aos cruzamentos na área… E faz o teu jogo.” Quem trabalhou com aquele senhor sabe que vamos preparados ao máximo para os imprevistos todos que possam surgir.»
Sob o impiedoso sol andaluz
«Calor, muito calor», destaca Costinha, sobre uma final disputada sob o impiedoso sol andaluz.
«Lembro-me do calor abrasador que se fez sentir em Sevilha, dos milhares de adeptos do Celtic no estádio e fora dele. Havia uma franja mais curta do FC Porto, que se fez sentir em momentos decisivos do jogo e ajudou muito a equipa com o seu apoio. Mesmo pessoas que não tinham bilhete para ir ao jogo foram para a porta do nosso hotel», recorda.
Na verdade, houve alguns adeptos portistas que cederam à tentação e venderam bilhetes mais de mil euros a alguns escoceses dispostos a leiloar pelas ruas do Casco Antiguo, ou pelos bairros de Triana e da Macarena, a sua oportunidade para assistir ao jogo no Olímpico, mesmo que fosse no setor destinado aos dragões.
«Eles tinham cá fora ainda umas 40 mil pessoas que queriam entrar. Alguns adeptos do FC Porto venderam o bilhete e viram pela televisão. E assim festejaram duas vezes... [risos]», graceja Ricardo Costa, que também fala de um jogo com atmosfera a ferver e do tal calor dos infernos: «Estavam 42 graus. O nosso presidente teve uma quebra e sentiu-se mal por causa disso. E mesmo nós, jogadores, tivemos algumas desconcentrações porque era fisicamente muito exigente jogar 120 minutos naquelas condições. Aliás, o Celtic ‘morreu’ no prolongamento e na transição fomos letais. Nós marcávamos, eles empatavam. Até que vamos para o prolongamento com aquela sensação de “tem de ser agora” e quando fizemos o 3-2 [Derlei] a cinco minutos do fim… Quando caímos todos ali no relvado a festejar, pensámos: “Nunca mais ninguém nos tira esta taça.”»
Assim foi a conquista da UEFA, que precedeu a Liga dos Campeões na época seguinte. Festa no Olímpico de Sevilha. Festa de madrugada à chegada ao estádio das Antas.
«A chegada ao estádio do FC Porto foi marcante. Era inacreditável ver àquela hora da madrugada tanta gente a saudar a equipa nas bancadas. Houve adeptos que alugaram carros para vir de Sevilha de propósito atrás da equipa e chegar a tempo de participar na festa.»
18 anos depois do Celtic, o Chelsea a dobrar
Desde essa noite mágica, o FC Porto voltou à capital andaluz mais um par de vezes, ambas para jogar no Sánchez Pizjuán. Num desses confrontos para o Sevilha, em 2011, venceu [1-2] e prosseguiu a caminhada para a conquista da Liga Europa, pela mão de André Villas-Boas.
E agora, como será neste inédito duelo a duas mãos de uma eliminatória europeia no mesmo estádio?
«O FC Porto vai ter um jogo muito duro. O Chelsea é mais forte como equipa do que a Juventus. Contra o Atlético de Madrid, que é uma equipa agressiva, eles controlaram os dois jogos da eliminatória. Do meio-campo para a frente, aquilo é um-dó-li-tá para escolher quem joga: Havertz, Werner, Odoi, Mount, Ziyech, Jorginho, Kovacic, Kanté, Pulisic…», enumera Costinha, salientando que «contra o Manchester City, que é uma equipa que se aproxima deste Chelsea, o FC Porto demonstrou ter uma estratégia muito interessante»: «Não tendo agora o Sérgio Oliveira e o Taremi estou desejoso de ver qual a estratégia que o Sérgio Conceição vai montar. Ainda bem que o Pepe está recuperado, porque é um garante de estabilidade para a equipa numa competição destas.»
Ricardo Costa acompanha: «É importante não sofrer golos nesta primeira mão. Sei como o Sérgio pensa e sei que ele vai montar a equipa com capacidade de controlar os momentos do jogo, mas acima de tudo ele não vai querer estar em inferioridade numérica. Pode haver trocas posicionais e o FC Porto tem de saber ocupar os espaços. Os jogadores deles têm uma variabilidade de movimentos, qualidade técnica e profundidade que podem resolver o jogo num desses momentos.»
O jogo desta quarta-feira está cada vez mais presente nas conversas, reconhece o antigo defesa-central dos dragões: «Por estes dias, os adeptos do FC Porto com quem me cruzo lá me dizem: “Aquela final em Sevilha…”» E eu respondo: “O que interessa é que agora o resultado seja o mesmo.”»
Agora, é a vez de Costinha rematar: «Espero que todo esse ambiente, essa magia de Sevilha 2003 possa contagiar este FC Porto para estes dois jogos agora, 18 anos depois.»