Para as gerações mais novas pode ser uma revelação surpreendente, mas houve uma altura em que todos os jogadores calçavam chuteiras pretas. Ninguém usava as meias acima do joelho, nem enchia o cabelo de gel antes de entrar em campo.

Eram anos em que uma equipa de Belgrado ou Bucareste podia ser campeã europeia e não era assim tão raro encontrar atletas que ficavam uma carreira inteira no mesmo clube.

São tempos de um futebol mais parecido com o jogo de rua, muito antes da Lei Bosman, os Centros de Estágio e os direitos televisivos encherem a modalidade de dinheiro e afastarem o povo do dia a dia dos clubes. O que deu origem ao chamado futebol moderno.

Esse futebol das chuteiras pretas criou uma legião de fãs, que gostam do futebol moderno, mas recordam com saudade os grandes jogos de outros tempos. Há uma geração para quem as grandes conversas começam com a mesma pergunta: lembras-te daquele jogador...?

Ora para esses adeptos do futebol antigo, há cada vez mais locais, sejam eles físicos ou digitais, onde é possível reencontrar o jogo de sorriso no canto da boca e partilhar memórias.

O Maisfutebol apresenta agora um roteiro desses lugares, a começar por uma tertúlia. Chama-se Papo de letra na Bombonera e acontece todos os meses na Casa da Madeira, no Porto.

Pedro Cadima, jornalista de A Bola, é um dos organizadores e explica que «o formato começa sempre com um jogo, que seja mítico, que envolva equipas estrangeiras e que tinha tido uma carga importante no seu tempo.»

Mas o jogo é só um pretexto.

A partir daí, os organizadores convidam um nome grande do futebol português, que pode ter sido colega de algum jogador dessa partida ou que tenha qualquer outra ligação ao jogo, e então a conversa flui por onde a memória levar as pessoas.

As tertúlias acontecem uma ou duas vezes por mês, começam às 22.00 e não têm hora para acabar.

«Tivemos convidados como o Gaspar que só se cansou de falar às quatro e tal da manhã. O Ricardo Nascimento e o Paulo Alves falaram até às três da manhã. Aquilo é aberto ao público e as pessoas podem ir e conversar connosco», adianta Pedro Cadima.

Seguindo agora para o mundo digital, é obrigatório falar do Matraquilhos. Trata-se de um podcast, que tem uma a duas edições por semana e que visita jogos, personagens e equipas antigas. Durante a pandemia, com a ajuda do comentador Rui Malheiro, visitou até décadas inteiras, primeiro na Noventena e depois na Oitentena.

O podcast é alimentado por Rui Silva e Pedro Fragoso, dois apaixonados por futebol, que continuam a fazer tudo isto apenas por gosto. Ccomo todos, aliás. Se há coisa que une toda esta gente é a paixa desinteressada por correr apenas por gosto.

«O futebol de antigamente não era necessariamente melhor, mas nós gostávamos dele como era. Muitos ouvintes revêm-se nas nossas histórias e lembram-se de onde estavam quando viram determinado jogo. Por isso tentámos abordar o futebol numa vertente saudosista, porque ter referências ajuda-nos a compreender o presente», conta Rui Silva.

«Temos seis, sete, oito rubricas em que o objetivo é olhar para o passado. Temos o Flashback que é para analisar um jogo do passado, o Football of Fame analisa equipas do passado, temos rubricas com convidados fixos. Começámos com o Cadernos de Leste, com o Joel Amorim, e agora também temos o Encruzilhada, com o Manuel Neves, em que construímos uma realidade alternativa ao mudar um ponto específico do passado.»

Continuando em Lisboa, há outra paragem obrigatória, para falar do Offside, um festival de cinema sobre futebol que nasceu da paixão de três amigos exatamente por futebol e de cinema. João Tibério é um dos organizadores do festival, que já teve duas edições, parou por causa da pandemia e vai voltar este ano.

«Já existiam festivais em vários países, há o 11 milímetros, na Alemanha, que é de facto o grande festival de cinema sobre futebol a nível mundial, depois houve um Offside em Barcelona e falámos com as pessoas para nos ajudarem a levantar o festival em Portugal, um país que vive um bocado divorciado do futebol mais romântico e que por isso teria sempre uma plateira mais pequena», conta.

«A maior parte dos filmes são documentários, o que permite a quem está a ver ser transportado para um clube, para uma competição, para uma zona do mundo, levando as pessoas a refletir sobre o fenómeno. Na última sessão foram seis dias, este ano vão ser menos, e há sempre várias iniciativas paralelas: por exempo, um cinejantar onde se vê curtas e vamos comendo pratos do país onde se passa a curta, um torneio de futsal, claro, ou debates durante o evento».

Fica, portanto, feito o convite para quem ama o futebol de antigamente, o futebol mais nostálgico e despretensioso. O Papo de Letra na Bombonera, o Matraquilhos e o Offside vão continuar por aí, a matar saudades de quando o jogo acontecia ao domingo à tarde. Se ainda assim quer mais, segue uma lista de outros lugares de encontro para apaixonados.

Corner
Uma excelente proposta em português do Brasil. É originalmente uma revista, publicada a cada três meses, mas é muito mais do que uma revista. Já lançou livros, vende t-shirts, tem um canal de youtube, enfim, é uma marca que coloca a paixão pelo futebol antigo no centro de tudo. «Temos a manifesta intenção de enriquecer a leitura sobre o futebol», anunciam.

Footballia
Fundamental para quem gosta de futebol, trata-se de uma videoteca com milhares de jogos antigos, que podem ser vistos na íntegra gratuitamente. Só da Liga Portuguesa tem mais de 400 jogos. Depois, claro, há tudo o que sejam Mundiais, Europeus e competições internacionais. Um local privilegiado para mergulhar no passado.

These Football Times
Nasceu em 2011, em Inglaterra, como um site que era um espaço para os escritores que gostavam de fazer textos sobre futebol. Entretanto tornou-se uma revista, um podcast e muito mais. Lançou até um espaço de grandes reportagens online divididas por temas: os virtuosos da história do futebol, os anos de ouro do futebol italiano, os irmãos de armas, enfim, há vários temas para explorar a fundo.

Paladar Negro
De Buenos Aires para o mundo, um projeto que dificilmente terá paralelo. Trata-se um espaço online, no qual um grupo de designers gráficos apaixonados pelo futebol exploram essa paixão através de uma linguagem visual. Podem ser gráficos, filmes animados, páginas interativas, a oferta é variada. A matéria é sempre a mesma: o futebol vintage.

Greatest Games
Trata-se um podcast, lançado pela britânica The Blizzard, em inglês, claro, através do qual os autores Jonathan Wilson e Marcus Speller convidam um jornalista experiente para os ajudar a recordar um jogo histórico do futebol. Tanto podem viajar até ao São Paulo-Newell’s Old Boys de 1992, como falar do Borussia-Bayern Munique de 2013.

Ring Café
Mais um podcast, este em castelhano, da autoria de Miguel Ruiz e Christian Sanchez, dois jornalistas da revista Panenka, que visita o futebol vintage. O podcast apresenta-se, aliás, como um espaço para «história do futebol e nostalgia». Imperdível também a página do twitter, sempre com grandes fotos do jogo de outros tempos.

Kodro
Uma revista digital inteiramente dedicada à história do futebol. Nascida em Espanha, visita figuras, jogos e equipas de outros tempos e de todas as latitudes. Já teve edições dedicadas a Batistuta, a Paul Gascoigne, a Riquelme, a Gianni Rivera, ao Milan de Arrigo Sacchi, ao Parma dos anos 90, ao França 98 e até ao Subbuteo.

Panenka
Uma revista espanhola, que já é também um podcast, de enorme sucesso. Destaca-se pela qualidade da escrita, pelo cuidado gráfico e pela capacidade de viajar a outras épocas. Na apresentação diz, aliás, que gosta de contar as histórias dos jogadores barbudos, que jogavam na Liga Soviética de 1977 e ouviam os discos dos Rolling Stones clandestinamente.

Libero
Um tratado de bom gosto. É também uma magazine espanhola, extremamente bem escrita e que se destaca por apresentar verdadeiras relíquias na componente gráfica: fotografias e imagens de época que nos transportam para outros jogos. É uma revista de literatura desportiva com cinco eixos fundamentais: futebol, nostalgia, estilo, cultura e histórias.

Brazalete Negro
Um podcast com o selo de qualidade também da revista Panenka que visita o lado negro do futebol: equipas amaldiçoadas, craques frustrados, jogos trágicos, estádios fatídicos, enfim, as histórias infelizes que, como diz o próprio Brazalete Negro, «não aparecem em nenhuma sala de troféus».

Fútbol Vintage
Uma página de Twitter, da responsabilidade da plataforma de conteúdos Sphera Sports, na qual se encontra de tudo um pouco sobre o futebol de outros tempos. Sobretudo imagens, muitas imagens históricas. «Uma ode ao futebol de ontem, o retro, aquele que nos fez apaixonar a todos. Clássicos intemporais e futebol vintage», dizem eles, e com razão.