Mente sã em corpo são. Respirar fundo, colocar a concentração no presente do indicativo, olhar o aqui e agora. O desporto de alta competição é um mundo de exigências que extravasam a componente física.

1. Como se controla a ansiedade?
2. Como se domina o excesso de auto-exigência?
3. É possível domar a falta de confiança?

Estas são as três perguntas mais ouvidas por Jorge Boim no seu gabinete de Hipnoterapia e Sports Mental Coaching. Depois de 17 anos a trabalhar na banca e, em paralelo, acumular conhecimento nesta área do estudo e domínio da mente, Jorge decidiu que estava na hora de ajudar os outros. É assim desde 2015.

O que é a hipnose? De que forma pode ser uma ferramenta útil a um atleta profissional?

«A hipnose é um estado alterado de consciência. Num estado de relaxamento, e com a ajuda do técnico, o paciente tem a mente focada numa só coisa. Aumentamos o foco e a concentração. Isto permite aceder ao inconsciente de uma forma mais livre e com menos bloqueios, com menos controlo de quem recebe a hipnose», explica Jorge Boim ao Maisfutebol.

É essa concentração manipulada, explica, que lhe permite aceder à causa da ansiedade, essa palavra tão em voga no mundo moderno, para atletas e não atletas. «Ao perceber a origem do problema, podemos fazer a projeção/programação de sensações», diz o terapeuta, antes de elencar um exemplo concreto.

«Todos recebemos estímulos externos e esses estímulos causam-nos sensações. Podemos dizer ao inconsciente que ‘no domingo às três da tarde vais jogar ao estádio tal, nessa altura vais lembrar-te da melhor exibição da tua carreira e vais sentir o que sentiste nesse dia’. Fazemos com o paciente uma pré-programação de estados perante esses estímulos específicos, alicerçados na memória.»

De uma forma simples, Jorge Boim dá ao inconsciente a informação que necessita, de forma a que a ative no momento certo. «O nosso consciente recorre ao nosso inconsciente e perante determinada situação, concreta, diz-lhe: ‘olha, tenho aqui isto para ti’. E, de facto, isto resulta. Todos os meus pacientes dizem que funciona.»

Luís Silva, defesa do Belenenses, é um dos pacientes

A agenda de pacientes de Jorge Boim é alargada. A confidencialidade impede-o de enumerar mais nomes além do de Luís Silva. O defesa do Belenenses (na foto de capa) foi o único que aceitou publicitar a ligação profissional que tem com o hipnoterapeuta.

Porquê este tabu em pleno 2020? Há ainda algum preconceito? O mundo do desporto, e do futebol em específico, olha para a hipnoterapia e associa-a aos números de palco que colocam espetadores indefesos a imitar galinhas?

«A hipnose de palco existe, mas não me interessa para nada. O que me interessa é passar aos pacientes a certeza de que podem abrir os olhos quando quiserem e ir para casa. O que eu dou não são instruções, mas sim sugestões. Tem de haver acordo da parte do paciente e eu explico sempre isso ao paciente para não haver dúvidas», esclarece Jorge Boim.

«O Hypno Coaching, de forma muito resumida, é a combinação de técnicas de coaching e hipnose. Na parte desportiva, viramos esta técnica para a preparação da competição.»

Jorge sempre praticou desporto e sentiu necessidade de trabalhar diretamente com este mundo. Começou a fazer atletismo com o pai, foi futebolista federado no clube da terra, fez karaté e judo, e ainda futsal. Aos 44 anos sente-se preparado, insiste, em ajudar.

«Estive quase 17 anos ligado à banca, saí em 2014. Ao longo desse tempo fui tirando várias formações na área terapêutica. Mais tarde senti necessidade ter uma base mais sustentada para, de facto, dar consultas e apoiar pessoas. Isto não é só sentar numa sala e ‘diga lá o que precisa’. Surgiu a formação em hipnoterapia e foi lá que fui buscar estas técnicas de hipnose.»

Em Portugal, ainda é muito raro ver alguém formado em Hipnoterapia a trabalhar integrado numa estrutura de uma equipa profissional. Nos EUA, diz Jorge Boim, isso já é vulgar há 40 anos.

«Descobri que nos EUA isso se faz desde a década de 70. Várias equipas da NFL, NBA, MLB e NHL têm hipnoterapeutas nas estruturas técnicas. Senti, com o passar dos anos, que o coaching desportivo e o treino mental, associados à hipnose, são ferramentas muito eficazes.»

«Como o diploma é importante em Portugal, formei-me em PNL [Programação Neuro-Linguística] e fui complementando isso com formações em liderança - estive no Barcelona -, formações em psicologia desportiva e também de Team Manager. Tive a necessidade de obter informação do mundo desportivo.»

«Preconceito? Treinadores têm medo de perder o controlo»

Todos já ouvimos falar de ansiedade. Mas como é que um profissional de saúde a descreve?

«A ansiedade é a antecipação de um problema. Quando olhamos para o futuro, olhamos só um eventual futuro e não sabemos se será real. Olhamos para ele com a informação que temos agora. Mas tudo pode ser alterado com uma informação, com qualquer coisa. E o futuro víamos nunca existirá. Estamos a olhar para amanhã com as armas de hoje, isso é a manifestação da ansiedade. Não dormir, ir frequentemente à casa de banho, inquietação e nervosismo…»

Num mundo de «muitos egos» e «cabeças a perseguir louros», como é o do futebol profissional, Jorge Boim dá graças ao momento em que Eder assumiu a ligação com a sua mental coach. Muitos preconceitos caíram nesse instante.

«Trabalho só com atletas em nome individual. Noto resistência por parte dos clubes. Na verdade, se não fosse o Eder a falar da Susana Torres [mental coach] depois do Euro2016, não estávamos hoje aqui nesta entrevista. Além do título europeu, abrimos também as portas deste mundo emocional ligado ao desporto.»

Os treinadores em geral, resume, são uma das maiores forças de bloqueio à entrada destes gabinetes de «preparação mental e emocional» nos clubes.

«Há muitas reticências no lado do treinadores. Sinto que têm o medo de perder o controlo sobre os atletas. Ainda há a crença que deve ser o treinador a motivar e a trabalhar o lado emocional. O treinador hoje em dia pouco ou nada interfere nessa área.»

«O meu papel não é dizer ao treinador quem deve jogar e se o atleta x está preparado», prossegue Jorge Boim. «O meu papel é garantir que se aquele atleta for escolhido, garantirá um grande desempenho. Existe confidencialidade absoluta entre mim e os atletas, nada passo a outras pessoas.»

O corpo e a mente são indissociáveis. Um futebolista (um tenista, um andebolista) pode atravessar um extraordinário pico de forma física e ser, ao mesmo tempo, incapaz de render nos jogos. Todos podem retirar dividendos deste trabalho emocional, diz Jorge Boim.

«e»

A hipnoterapia é mais uma ferramenta para o desportista do século XXI. O Homem, como máquina perfeita, não pode abdicar de um dos seus componentes essenciais.