«Uma coisa não leva à outra, mas não deixa de ser importante saber quem por cá passou». A tirada pertence a Hugo Faria, o último português a iniciar, na Escócia, o curso de treinador. E o «quem cá passou» tem, essencialmente, dois nomes à cabeça: José Mourinho e André Villas-Boas.
 
O médio de 32 anos, conhecido dos portugueses, essencialmente, pelas duas épocas na U. Leiria entre 2006 e 2008, chegou este ano à Escócia para jogar no Livingston, do segundo escalão. Ao mesmo tempo começou, já, a preparar o final de carreira. Mas será mesmo?
 
Faria garante que não. A vontade de tirar o curso de treinador não fará dele, necessariamente, um técnico no futuro. Em conversa com o Maisfutebol, o português explica-se: « Esta ida para a Escócia já estava planeada há algum tempo. No Chipre joguei com um colega escocês que, agora tornou-se treinador e fez-me o convite para ir para a equipa dele».
 
Fala de Mark Burchill, avançado que conta no currículo com passagens por Celtic de Glasgow ou emblemas ingleses como o Portsmouth, Wigan ou Birmingham.
 
«No Chipre fomos colegas de quarto. Falávamos muito de futebol. É claro que eu gostava de ser treinador, mas esta ideia de avançar para o curso nem foi só por isso. Não é pela vontade de treinar mas, também, para saber mais enquanto jogador», explica.
                                                                                                                                                               
Nos cursos da Federação escocesa está a tirar a «B-License», que será o equivalente ao nível II em Portugal. É o único estrangeiro e até a imprensa local se interessou pela história. Naturalmente pelas recordações mais famosas.

 

Além de José Mourinho, a história de André Villas-Boas, sobretudo pelo dedo de Bobby Robson na sua aceitação no curso, é sobejamente conhecida. Faria lembra outros: «Também esteve cá o Nuno Espírito Santo e têm-me falado de um outro que esteve cá há pouco que, creio, terá sido o Bruno Ribeiro.»
 
«Os portugueses criam sempre discussão positiva»

Mas não são muitos, de facto. Ainda assim, Faria não tem dúvidas: «Em Portugal seria muito mais difícil tirar o curso. Na Escócia consigo jogar e fazer isto.»
 
E explica porquê. O curso é faseado e feito nas semanas em que os campeonatos param para os compromissos das seleções. Nesses dias, contudo, é intensivo. «Das 9 às 16h», frisa.
 
«Está a correr bem. É tudo em inglês o que ajuda porque não sei o meu futuro e é sempre bom adaptarmo-nos a outra língua. É só para jogadores profissionais, da I e II Divisão. Somos 25, sou o único estrangeiro»
, reforça.
 
Quisemos saber se os treinadores portugueses que por lá passaram são lembrados e a resposta foi positiva. «Logo na introdução deram o exemplo do Nuno Espírito Santo. Explicaram que ali pode ganhar-se uma amizade e com ele aconteceu. Conheceu no curso um escocês que depois levou para o Rio Ave como seu adjunto, depois para o Valência e, agora, está no Newcastle».
 
É Ian Cathro, jovem de apenas 29 anos que, em 2012, treinava os juniores do Dundee United e foi convidado para ser adjunto de Nuno em Vila do Conde. Separam-se apenas no início desta época. Cathro é, agora, adjunto de Steve McLaren no Newcastle e Nuno trabalha com Phil Neville no Valência.
 
Mas, voltando aos portugueses, Nuno não é o único referenciado. «Eles têm aqui muito boa impressão dos portugueses», revela Faria. «As ideias de jogo escocesas são bastante diferentes das ideias portuguesas. O futebol deles assenta muito na força, os portugueses têm uma ideia diferente, privilegiam a técnica e a tática. Para eles é dois pontas de lança e futebol direto. Para nós é o ataque em posse. Ora isso levou a que houvesse sempre muita discussão, mas discussão positiva claro, quando estiveram cá os portugueses. E eles gostam disso. Não se esquecem», comenta.
 
Hugo Faria diz que «sem dúvida alguma» tem Mourinho e Villas-Boas como referências. «E sabendo que tiraram o curso aqui…», atira entre risos. «Mas claro que uma coisa não leva a outra, mas é sempre positivo saber que estes treinadores, que atingiram sucesso a nível internacional, começaram pelo mesmo local onde eu estou a começar. Só tenho de ficar contente»
, diz.
 
Neste momento, enquanto joga, Hugo Faria já ajuda nas camadas jovens do Livingston. «É para ganhar alguma experiência», frisa.
 
«Não sei quanto tempo vou ficar aqui, mas isto do curso é apenas, para já, um plano a longo prazo. Ainda tenho bom pulmão e boas pernas para jogar mais dois ou três anos», garante.
 
E regressar a Portugal? «É claro que gostaria de estar junto da minha família, já são nove anos a jogar fora e sinto falta de ter um lugar certo, de assentar, até porque tenho mulher e dois filhos. Mas a vida que escolhemos é assim», lamenta.
 
«O futebol dá-nos outras alegrias. Gostava de assentar, mas o Hugo Faria está há muito tempo fora de Portugal. Não sei se lembram de mim. O nome vai-se perdendo, quer queiramos quer não. Não estou velho, mas existe, ainda, o estigma por ter 32 anos. É difícil arranjar trabalho em Portugal e estar na Escócia permitiu-me encaminhar-me para este curso que será, certamente, uma mais-valia», remata.