Antes do apito inicial, o particular entre Hungria e Irlanda (que terminou em nulo) começou com um sonoro coro de assobios.

Os jogadores da seleção irlandesa ajoelharam-se no relvado e entre os cerca de 12 mil espectadores que encheram o Estádio Ferenc Szuza, do Ujpest, ouviram-se fortes apupos.

Na outra metade do campo, os jogadores magiares mantiveram-se em pé, apontando para o símbolo da UEFA com a palavra «Respect».

Dois países, duas atitudes: a polémica do «Take a Knee» está prestes a irromper no Euro 2020, que começa esta sexta-feira.

Horas antes do jogo, a Federação Húngara de Futebol emitiu um comunicado a explicar que os seus jogadores não iriam ajoelhar-se nos jogos do Campeonato da Europa, salientando que «a UEFA e a FIFA não permitem qualquer tipo de manifestações políticas no relvado ou no estádio», acrescentando que essa é «uma posição que a federação não só aceita como concorda».

Nas últimas horas, a Croácia decidiu deixar ao critério dos jogadores a possibilidade de se ajoelharem ou não antes do início da partida. O ritual será mantido pela Inglaterra, que vai cumprir antes de cada jogo o protesto popularizado em 2016 por Colin Kapernick, antigo jogador da liga de futebol americano NFL. Um gesto que se tornou símbolo do movimento «Black Lives Matter» e da luta contra a discriminação racial.

O caso motivou controvérsia na Hungria e promete gerar polémica nos jogos do Europeu.

«Na verdade, a UEFA e a FIFA não se opõem este tipo de manifestação. Se há um motivo para esta posição da Federação da Hungria, teremos de entrar no terreno político…», afirma ao Maisfutebol Daniel Galambos, do jornal húngaro Büntetö, que ainda assim prefere não generalizar a atitude de desaprovação do público: «Em cada país há sempre uma parte, maior ou menor, de adeptos que são extremistas e que têm infelizmente comportamentos racistas.»

«Se todas as seleções fizessem o ‘take a knee’, acredito que a Hungria iria acabar por também fazer. Deixando ao critério de cada uma, vai gerar situações como a que se viu. Ainda assim, a federação tem promovido uma campanha contra o racismo nos jogos da liga de há quatro anos a esta parte», acrescenta o jornalista húngaro.

Para José Reis Santos, historiador português radicado há uma década na capital húngara, a questão é complexa.

«Budapeste sempre foi uma cidade multicultural. No entanto, o que este movimento político que está no poder tem tentado fazer é identificar a Hungria dos húngaros. Comparando, as equipas húngaras de há 100 anos tinham múltiplas etnicidades», enquadra, reconhecendo que «existe um aproveitamento do futebol pela política».

Algo que ficou latente no último Europeu, quando a seleção magiar conseguiu o apuramento ao fim de 30 anos afastada de uma grande competição.

«Budapeste, uma sociedade liberal e progressista, ficou num dilema inicial sobre como se iria relacionar com esta emoção de ver o seu país num grande certame internacional, uma vez que o futebol foi agarrado pelo nacionalismo. À medida que a Hungria foi progredindo nesse Europeu, esbateu-se esse estigma político e passou a haver uma unidade nacional verificável nas bancadas em França e nas ruas da cidade e por todo o país. Foi uma loucura. A partir daí veio em crescendo.»

Ainda assim, reconhece, a colagem do poder aos sucessos desportivos é evidente e a realização de grandes eventos tem servido de gasolina para a exaltação da pátria.

«É bom não esquecer que estamos em período de pré-campanha eleitoral, e que haverá eleições legislativas em abril», salienta José Santos, reconhecendo, porém, que é provável que a sociedade húngara não se reveja num movimento importado dos Estados Unidos da América: «Se eu for parado por um polícia aqui, ele não vai dar-me três tiros. No entanto, há que perceber que esta causa está para lá disso.»

No meio desta diferença de perspetivas, é bastante provável que à medida que as seleções se forem posicionando antes de cada partida sobre o «take a knee», o protesto venha a tornar-se um caso durante  este Euro.

Tal como outros países, a seleção portuguesa ainda não se pronunciou sobre que atitude irá tomar quando subir ao relvado da Aréna Puskás na próxima terça-feira.

Caso jogadores como Bruno Fernandes, Bernardo Silva, João Cancelo ou Rúben Dias repitam o gesto que fazem nos seus clubes em todos os jogos da Premier League, o mais provável é que a estreia de Portugal fique marcada por um coro de assobios ainda mais colossal do que aquele que a Irlanda experimentou esta semana também aqui em Budapeste.