Diz-se que não há campeão sem sofrimento, mas certamente os adeptos do Tondela dispensariam tanto. Um mês para garantir o acesso à Liga, vários «match-points» falhados e nem uma vitória para amostra. Percurso inusitado, quiçá inédito, na história do futebol português. Um campeão que não ganhou nenhum dos últimos cinco jogos…Encontram outro?
 
Até por isso, a subida do Tondela é especial. Uma equipa que, há dez anos, estava nos Distritais e que já deixou para trás o «gigante» Académico. Quando se falar no Distrito de Viseu no mundo do futebol, a partir da próxima época, Tondela terá de estar à cabeça.
 
Três temporadas depois da inédita subida à II Liga, nova festa. Uma festa que poderia ter sido bem mais tímida não fosse o golo de André Carvalhas, nos descontos do jogo com o Freamunde.
 
Puxe-se a cassete atrás, então. O Tondela chegou a esta jornada com apenas um cenário, entre vários, que não lhe daria a subida. Tinha de perder e ver, também, o União da Madeira a perder, conjugados ainda com vitórias de Desp. Chaves e Sp. Covilhã. Era quase impossível.
 
Mas a verdade é que, antes do golo de André Carvalhas, só a vitória segura do União em Marvila segurava o segundo lugar para o Tondela. O título, esse, fugia para Chaves. Mesmo para um clube que nunca tinha estado na I Liga sabia a muito pouco.
 
Ninguém festejava. Adivinhava-se festa tímida. Mais alívio do que contentamento.
 
Um pontapé e tudo muda. A algazarra toma conta da bancada verde e amarela em Freamunde. Foram nove autocarros, cerca de mil adeptos. Os ecos do pontapé para a vitória chegam a Marvila e Chaves. Festa madeirense em Lisboa. Lágrimas flavienses.
 
Em Freamunde só faltava mesmo o apito final de Jorge Sousa e, quando este surgiu, nada (nem as barreiras) segurou os adeptos do Tondela nas bancadas. Invasão quase pacífica. Algumas provocações aos adeptos do Freamunde, sem resposta.

 
Mas, essencialmente, festa. «Um título inteiramente justo», acha Quim Machado, o treinador.
 
Se o Tondela se estreia na Liga, Quim Machado soma a segunda subida do currículo, depois do Feirense, em 2011.
 
«É a terceira equipa que treino na II Liga. Subi o Feirense, subi o Tondela e com o Desp. Chaves ficamos à porta para o play-off com o Paços de Ferreira e não conseguimos, acabou por ser o Desp. Aves», recordou Quim Machado.
 
Mas é o clube que interessa neste momento e Quim Machado vira para lá a agulha. «Para o Tondela é uma data histórica, marcante para sempre. Em três anos na II Liga consegue chegar à elite. Vão receber em casa Benfica, Sporting, FC Porto… É um dia histórico para a cidade, concelho e região», destaca.
 
Quatro subidas em dez anos
 
O sofrimento que foi este final de campeonato do Tondela merece uma palavra especial de Quim Machado. Considera que a derrota caseira com o Desp. Aves, no primeiro «match-point» marcou a equipa. «Quando demos por ela já estávamos a perder 3-0 e a equipa acusou esse toque», admitiu.
 
«Os últimos jogos não foram como nos esperávamos. Não ganhámos nenhum em maio, ao contrario de abril, em que vencemos os jogos todos. A II Liga é extramente difícil e também é verdade que apanhámos alguns adversários muito fortes», frisou.
 
Gilberto Coimbra, o presidente, era a imagem da euforia. Os últimos tempos foram difíceis mas destacou a crença do grupo. Na sala de imprensa surgiu com uma camisola amarela, cor do clube e símbolo de liderança, também. «Tondela campeão», lia-se. Nem era preciso. O rosto era de um homem feliz.


 
Satisfeito por ter feito história no clube, mas, sobretudo, satisfeito por não ter faltado à palavra. «Aquilo que mais queria era posicionar o Tondela na Liga como prometi. Há nove, dez anos, estávamos nos Distritais. Fizemos quatro subidas em dez anos, estamos na primeira Liga. Isso era a minha realização pessoal. Está cumprido meus amigos»
, atirou, entre risos.
 
O momento em si deixa Gilberto Coimbra «sem palavras». «Isto é inexplicável. A equipa tremeu no último mês mas é normal. É uma equipa que não está habituada a estas lides», salienta.
 
E os números provam-no. No plantel apenas jogadores como o capitão Nuno Santos, ou Rui Nereu, Tiago Barros, Tozé Marreco ou Renato Santos têm alguma experiência de Primeira Liga.
 
Piojo, por exemplo, está com a equipa desde a III Divisão! O Tondela subiu ao extinto campeonato em 2004/05, precisamente há dez anos, dando início a esta cavalgada. Quatro anos depois, em 2009, festejou a subida à antiga II Divisão B; mais três anos, em 2012, e estava na II Liga. Agora chegou ao degrau mais alto.
 
«Para o interior é sempre mais complicado…»
 
 Com a subida do Tondela, a Liga vai mais para o interior de Portugal. Já havia o Arouca, mas ainda pertencente ao distrito de Aveiro. Viseu será o único Distrito sem costa a ter uma equipa na Liga.
 
Gilberto Coimbra considera que esse dado ainda valoriza mais o feito do Tondela. «É sempre muito mais complicado o futebol no interior», comenta o presidente. E explica os motivos: «Exige uma deslocalização dos jogadores o que nem sempre é possível. Temos de ir buscar a outros lados. As equipas de outras áreas conseguem chegar a outros jogadores. Para nós representa custos que outras não têm.»
 
«Daí o prazer que dá conseguir este feito, que é histórico. Demonstrar para o pais, para o mundo até, o que é o Tondela», insistiu. «Somos uma zona com milhares de emigrantes. Imagino a alegria que não se deve estar a viver em França, Alemanha, Luxemburgo ou Estados Unidos…A terrinha vai estar junto dos grandes», atira, entre risos.
 
Sejam, então, bem-vindos.