«Para nós todos os jogos são difíceis. Todos, todos, todos. Seja com Malta, Ilhas Faroé, Luxemburgo… Seja contra quem for. Mas temos muito orgulho em ser Andorra. Em conseguir dificultar a vida a grandes seleções como Portugal, Inglaterra e outras.»

A história dá credibilidade às palavras de Márcio Vieira (o camisola 8 na foto de capa deste artigo), médio de origem portuguesa que soma mais de 80 internacionalizações pela seleção andorrenha e que, por isso, conhece por dentro o que é jogar na equipa que ocupa a posição 128 do ranking da FIFA.

Mas se ainda há bem pouco tempo a seleção nacional de Andorra viveu um período bastante negativo, ao alcançar o indesejado recorde mundial de mais jogos de uma seleção sem vencer – foram 86 partidas divididas em 12 anos e 132 penosos dias, entre 2004 e 2016 –, essas nuvens negras parecem ter desaparecido do horizonte do pequeno principado, que vive, aliás, o seu momento mais dourado em termos futebolísticos.

E de que resultados é feito esse período? De surpreendentes vitórias? De apuramentos para grandes competições? Nada disso. A realidade é bem mais modesta e o grande feito de Andorra é estar há cinco jogos sem derrotas. Algo nunca antes conseguido. E motivo mais do que suficiente para, na véspera de se completar um ano da última derrota, viajarmos até Andorra à boleia de um telefone, de forma a percebermos o que justifica esta série. 

Márcio Vieira explica. «Na verdade, acho que aquilo que mudou foram apenas os resultados. Já há algum tempo que percebemos que temos vindo a trabalhar bem e mesmo na série dos 86 jogos sem ganhar, houve jogos em que só por azar não ganhámos», garante.

O início da fase negra coincidiu praticamente com a chegada de Márcio à seleção do país onde nasceu. O jogo de estreia de Márcio por Andorra – derrota com a Arménia em outubro de 2015 – foi o nono dos 86 jogos sem vencer no período que ditaria um novo máximo mundial. Quisemos então saber como foi viver essa fase difícil.

«Foi complicado viver esse tempo todo. Jogo atrás de jogo, sempre a perder. Não foi fácil porque falava-se disso, claro. Era inevitável não pensarmos nessa situação. Mas depois quando ganhámos a San Marino e acabámos com a série conseguimos continuar a mostrar que só precisávamos de um clique e a partir daí temos feito bons jogos e não temos dado muitas oportunidades aos adversários para nos marcarem», salienta o jogador que apesar de ter nascido em Andorra, aos 12 anos voltou a Portugal, de onde só voltou a sair aos 21.

Márcio Vieira num jogo de Andorra contra a Bélgica

«Se não defendemos bem não conseguimos estar no jogo»

Defender bem. Fechar caminhos para a baliza. Trabalhar coletivamente para manter o adversário longe da baliza.

Quase sempre que Márcio fala de aspetos do jogo de Andorra, refere-se a momentos defensivos. Não fala em golos criados ou oportunidades perdidas. O médio que em Portugal jogou no Marco e no Alpendorada sabe que o sucesso da seleção de Andorra passa, sobretudo, por impedir os adversários de marcar. E garante que ele e os companheiros não têm qualquer complexo com essa maior preocupação.

E até aponta o caso… de Portugal, campeão europeu. «Com algumas seleções a diferença é tão grande que se torna complicado pensar noutra coisa. Mas em todo o lado vemos equipas maiores que se preocupam primeiro em defender bem e que fazem desse o caminho para o sucesso. O caso de Portugal, quando foi campeão europeu, foi por aí que foi», sublinha.

Não quer isso dizer, porém, que não haja uma preocupação evolutiva do futebol da seleção de Andorra. «Cada vez temos trabalhado mais para defendermos longe da nossa baliza e apostar mais nas transições ofensivas, mas sabemos as limitações que temos e que por causa delas temos de estar sempre a 200 por cento das nossas capacidades. E a verdade é que se não estivermos concentrados em defender bem, não conseguimos estar dentro do jogo», nota.

E agora, qual a preocupação de Andorra para os próximos jogos? Continuar sem derrotas, pois claro. Mas a tarefa não se adivinha fácil.

«Vamos ter dois jogos muito difíceis com a Geórgia e o Cazaquistão. Já jogámos com o Cazaquistão na Liga das Nações, empatámos em casa, mas foi muito difícil. Eles metem um ritmo muito, muito forte no jogo. E foram daqui chateados por terem empatado, vão querer vingar-se lá. E com a Geórgia também será difícil. São duas seleções que têm jogadores a jogar a Liga dos Campeões e a Liga Europa, é uma realidade muito diferente da nossa», explica Márcio.

Os jogadores de Andorra a celebrarem uma vitória sobre a Hungria, em 2017

A «pequena vitória» de… obrigar Ronaldo a entrar

A realidade de Andorra é ter um dos seus jogadores principais a jogar na 3.ª divisão espanhola, o que equivale ao quarto escalão. Atlético Monzón. É esse o nome do clube que já é a casa de Márcio Vieira. São 11 os anos que o luso-andorrenho leva no Atlético Monzón, do qual é capitão, e que lhe permite ser profissional de futebol. Se bem que não «profissional» como estamos habituados a olhar para um jogador.

«Grande parte dos jogadores da seleção, são amadores. Eu? Vivo só do futebol porque além de jogador, sou coordenador das camadas jovens do clube já há alguns anos», explica Márcio.

Contudo, o futebol já proporcionou o cumprir de vários sonhos a Márcio Vieira. E sempre com a camisola de Andorra vestida. Desde a possibilidade de apadrinhar a estreia internacional do seu irmão mais novo – Xavi Vieira, que em 2013 alinhou no jogo frente Hungria -, a jogar em grandes palcos do futebol mundial... ou jogar contra Portugal.

«84 jogos são muitos, não é? Sobretudo porque nunca nos apuramos para fases finais, ou seja, há menos possibilidades de jogar. E jogar em Old Trafford ou em Wembley é algo que vou guardar para sempre. Há grandes jogadores que se calhar não tiveram essa possibilidade. Wembley, então… já joguei em estádios mais bonitos, mas aquele é especial. É um templo do futebol mundial», descreve.

Porém, o jogo mais marcou Márcio Vieira foi outro. Jogou-se no Estádio Municipal de Aveiro em 2016. «Esse foi o jogo mais especial, sem dúvida, por tudo», revela, referindo-se à derrota por 6-0, na ressaca do título europeu conquistado por Portugal.

«Tenho família e amigos em Marco de Canavezes, que não é assim tão longe de Aveiro. E muitos deles estavam no estádio. Além disso, era o segundo jogo de Portugal depois de se sagrar campeão europeu – e eu também senti muito essa conquista», confessa.

A lamentar, só a imagem que ficou da seleção de Andorra. «Não me lembro de um jogo que tenha sido tão mau em termos coletivos. Tudo nos correu mal e ficámos com muita vontade de mudar essa imagem no jogo em nossa casa, algo que penso que conseguimos», diz ainda.

Esse, aliás, foi outro jogo especial para Márcio, pelos reencontros que lhe proporcionou. «Tinha jogado com o Beto e o Vieirinha no Marco e esse foi um aliciante extra para esse jogo. No dia antes, depois do nosso treino, estive muito tempo a falar com o Beto».

E há uma outra memória que ficou guardada desse encontro com Portugal. «Foi muito difícil para Portugal. Na altura falou-se muito do relvado e assim, mas a verdade é que o Cristiano Ronaldo começou no banco e só de o vermos a aquecer ao intervalo percebermos que iam precisar que ele jogasse – não quer dizer que não ganhassem na mesma. Aquilo foi uma pequena vitória para nós», confidencia, recordando que Portugal venceu com golos na segunda parte de Cristiano Ronaldo e de André Silva.

Na história de Márcio Vieira na seleção de Andorra falta, porém, um capítulo muito aguardado: um golo. «Sim, isso chateia-me bastante. Até porque já tive oportunidades. Todas as épocas marco cinco ou seis golos e estão sempre a dizer-me que marco golos pelo clube e nada pela seleção. Por isso, gostava muito de marcar», atira.

Para final de conversa deixamos-lhe uma provocação: «Vai ver que o golo vem já contra a Geórgia ou com Cazaquistão». Do outro lado, recebemos uma gargalhada. «Olha, se isso acontecer até te ligo». Fica registado.

Márcio Vieira em disputa de bola com Moutinho, no jogo disputado em Portugal em outubro de 2016