Vivem em tendas, caravanas e contentores. Trabalham em campos agrícolas, serviços municipais, fazem biscates. São sobreviventes, protagonistas de uma história única, futebolistas campeões.

Todos africanos, imigrantes em Itália, sonhadores. Vestem a camisola do modesto ASD Koa Bosco, representam a pequena localidade de Rosarno e os milhares que morrem nas águas do Mediterrâneo.

«Os contos de fadas existem, a alegria destes atletas não se encontra em mais lado nenhum».

Domenico Mammoliti é vendedor de automóveis e o treinador do ASD Koa Bosco. Fala com o Maisfutebol alguns dias após a promoção à Segunda Categoria do Campeonato Regional da Calábria, no sul de Itália.

O ASD Koa Bosco, exclusivamente composto por africanos, venceu no campo pelado do Atenogenese e reclamou as luzes da ribalta. Para o feito desportivo, claro, mas principalmente para o drama percorrido por todos os seus atletas, até chegarem a solo italiano.
 

Foto: Diego Fedele (Facebook do clube)

«Vieram do Senegal, da Costa do Marfim, do Burkina Faso, fugiram da morte certa ou de uma vida miserável», conta Mammoliti, «orgulhoso e comovido» por treinar um grupo de homens «tão especial».

Tomemos o exemplo de Mbaye Mansour, número 10 do ASD Koa Bosco e autor do golo da vitória no terreno do Atenogenese.

«Tem 27 anos, é senegalês, avançado e tem um talento enorme. Trabalha na apanha da laranja, aguarda um visto de residência e tem no nosso clube a sua nova família. Multiplique esta história por 25 e fica a conhecer a realidade do Koa Bosco».   

Padre de Bosco fundou o clube a pensar na integração dos africanos

Rosarno, pequena cidade na província de Reggio Calabria, 15 mil habitantes. Possui um dos solos mais férteis de Itália, na biqueira da bota desenhada pelo mapa, e também um dos contextos mais dramáticos na luta contra o racismo.

Em 2010, a polícia deteve vários manifestantes, após a morte de dois imigrantes. Assassinados. A população ainda olha desconfiada para quem chega do continente africano, em busca de uma vida digna.

Há dois anos, o padre responsável pela paróquia de Bosco, Roberto Meduri, decidiu aproveitar o futebol para reforçar os laços entre as diferentes nacionalidades, aliviar as tensões sem sentido e harmonizar a atmosfera na cidade.

Meduri criou o ASD Koa Bosco e inscreveu o clube no último escalão regional da Calábria. No final da segunda temporada a competir, o Koa – cujo significado é Cavaleiros do Altar - subiu de divisão.

Toda a Itália aplaude e grita: «Razzisti? Una brutta razza» (Racistas? Uma raça feia).
 

Vitória do ASD Koa Bosco no campo do Atenogenese

«A nossa história tem sido contada em vários países e até já fomos a Turim, a convite do senhor Pavel Nedved. Somos um exemplo do que tem de ser o futebol, uma festa onde a cor da pele não conta para nada»
, continua o técnico, Domenico Mammoliti.

«Subimos de divisão, fizemos um ano belíssimo, só perdemos duas vezes. Mas as dificuldades são imensas, a todos os níveis. E a vida dos jogadores continua, seja em que divisão for. Temos de encontrar alternativas honradas para toda esta gente»
.

Não é difícil perceber que o ASD Koa Bosco é, mais do que um clube desportivo, um projeto humanitário e uma forma de integração numa sociedade conservadora e cautelosa.

A equipa de futebol, totalmente africana, subiu ao oitavo escalão da hierarquia transalpina. O triunfo sobre o preconceito, porém, está longe de ser uma realidade.
 

Foto: Diego Fedele (Facebook do clube)

As declarações de vários membros da equipa ao The Guardian
- um dos jornais que visitou o acampamento onde vivem -, são esclarecedoras.

Ali Trauri lamenta que a primeira forma de racismo seja exercida pelas equipas de arbitragem. «Em caso de dúvida, todas as decisões são contra nós»
.

Yaya Diallo lança um alerta sobre a elevada taxa de desemprego na zona. «Não quero que venham mais africanos, não há nada para eles fazerem cá, não há trabalho e muitos passam fome»
.

A prioridade é a sobrevivência, a igualdade, a abolição do racismo. O futebol é
uma arma eficaz na luta contra a estupidez humana.

«Razzisti? Una brutta razza»
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