Correr dez quilómetros por jogo, não ter claque de apoio na bancada. Apitar uma falta difícil em momentos cruciais, resistir à pressão de duas equipas e de adeptos. Seguir a bola, seguir os movimentos de 22 futebolistas, sentir a tensão que a perfeição exige.

Que motivos são capazes de entregar um adolescente a este mundo da arbitragem? O que leva um menino de 14 anos a ser árbitro, quando pode gozar a despreocupação de ser só mais um futebolista?

João Loureiro, o árbitro mais jovem dos quadros da Federação Portuguesa de Futebol, abre o coração e faz a defesa de uma classe tantas vezes incompreendida, tantas vezes desprotegida. Uma carta de amor escrita com o apito na boca.

«Só quem está dentro da arbitragem consegue perceber a beleza da função. O que me apaixona é a responsabilidade de estar concentrado durante 90 minutos, atento a todos os detalhes. É ter um entendimento perfeito com os meus colegas e receber os parabéns das duas equipas no final do jogo. Nada me dá mais prazer do que isso, ter a capacidade de respeitar o trabalho desenvolvido por todos os treinadores e futebolistas ao longo da semana. Nada me agrada mais do que não influenciar um resultado, não ter uma decisão que possa de facto prejudicar alguém. Esse é o desafio. Não interferir num resultado.»

João tem agora 22 anos, está há oito épocas na arbitragem e pertence à AF Viana do Castelo. Não ambiciona a perfeição absoluta, mas sente que é possível ser competente. Todos os jogos. E deixa um conselho a outros que o pretendam seguir.

«Por muito que surjam dificuldades, e pessoas a deitar abaixo, temos de aceitar que há dias maus e que não podemos ter medo de nada», afirma João Loureiro, que está nesta altura na categoria C3.

«A categoria C1 abrange os jogos de I e II Liga. A C2 é um quadro de estágio que permite arbitrar jogos na II Liga. Os árbitros são avaliados durante um ano e podem, ou não, subir à categoria principal. Eu estou na C3. Apito Campeonato de Portugal, Liga Revelação e também posso ser quarto árbitro na I e II Liga. Estreei-me na II Liga na passada semana, no Casa Pia-Cova da Piedade.»

«Fui futebolista e percebo melhor quem me tenta enganar»

João nasceu e cresceu a ouvir discussões de arbitragem à mesa. Mas não as discussões que o comum português escuta em casa ou no café. Não há palavrões, não há reprimendas, apenas o desabafo de quem encontra a família e precisa de trocar impressões sobre o trabalho feito.

António Loureiro, o pai de João, foi árbitro durante 15 anos e o principal impulsionador da entrada do filho no mesmo mundo. Há ainda um primo próximo que foi árbitro assistente na primeira divisão nacional.

«Cresci a vê-los a arbitrar. Acho que estava destinado mesmo a ser árbitro. Foi o meu pai que me encorajou a tirar o curso de arbitragem aos 14 anos. Inicialmente, confesso, não me passava pela cabeça ter uma ligação tão grande como hoje tenho. A paixão foi crescendo, tomou conta de mim e cá estou», diz João Loureiro ao Maisfutebol.

Ganhou-se um árbitro, perdeu-se futebolista. Mas não os conhecimentos sobre as ações em campo. João jogou dos seis aos 18 anos – no Guilhadeses e no Atlético, ambos de Arcos de Valdevez - e ainda hoje capitaliza esse manual empírico sobre futebol.

«Dos 14 aos 18 ainda acumulei as duas coisas: arbitrava num dia e jogava no outro, ou ao contrário. Mais tarde tive de tomar uma decisão. Percebi que como futebolista não chegaria ao patamar que desejava e senti que na arbitragem isso podia acontecer. Senti que tinha jeito.»

Nas equipas de João, os colegas e os treinadores sabiam que aquele jogador percebia melhor do que ninguém a dificuldade de arbitrar. E isso acabou por tornar as equipas de João nas mais disciplinadas dos seus campeonatos.

«Não sentia incompatibilidade. Não podia apitar os jogos do escalão onde jogava, só isso. Se era juvenil, só podia estar em jogos dos outros escalões. E não podia estar em partidas do meu clube, claro. Apitava essencialmente jogos de benjamins e infantis nessa fase», explica o mais novo dos árbitros dos quadros nacionais.

João garante, porém, que ter sido futebolista é agora uma preciosa ferramenta. «Fui lateral direito, mas antes passei por várias posições em campo e isso ajudou-me a perceber melhor o jogo. Sinto-me capaz de antecipar o que os jogadores vão fazer, o que tentam em cada jogada. O que pensam naquele momento? Que movimento podem fazer para tentar simular uma falta? Sinto que isso me ajuda muito, muito como árbitro. Ter sido futebolista é extremamente importante.»

Há manha, há truques dentro do retângulo de jogo. Por ter jogado vários anos como federado, João tem «uma perceção mais clara sobre os indicadores corporais». «Por outras palavras, percebo melhor quem me tenta enganar.»

«Sou personal trainer e treino todos os dias para estar bem nos jogos»

No dia do primeiro jogo como árbitro, João tinha ainda 14 anos. Inscreveu-se no curso, teve três meses de teoria na AF Viana do Castelo e foi lançado às feras. Às pequenas feras.

«Estive uma época em jogos de futebol de sete, sempre ao lado de um árbitro mais experiente. Depois passe para árbitro assistente e, finalmente, para árbitro principal.»

A escola nunca ficou para trás. João Loureiro licenciou-se em Ciências de Desporto aos 21 anos e trabalha atualmente como personal trainer. «Consigo conciliar facilmente com a arbitragem, o que é ótimo. Tenho um estúdio de treino personalizado, ganhei a minha independência há cinco meses. Começo bem cedo o dia a trabalhar na minha outra atividade e deixo sempre algumas horas ao final do dia para a arbitragem. Treino diariamente para estar bem nos jogos.»

Duas vezes durante a semana e uma vez ao fim-de-semana, pelo menos, João junta-se aos restantes elementos da sua equipa de arbitragem. «Guardamos um dia para avaliarmos em conjunto o que fizemos no jogo anterior, um para preparar o jogo a seguir e o terceiro é o próprio dia de jogo.»

O árbitro, este árbitro, é um homem com família, namorada e amigos. Suporta palavras que nenhum ser humano devia suportar. Tudo em nome de uma paixão deixada em herança pelo pai e da necessidade de tentar ser perfeito durante 90 minutos.

A arte do apito tem um cartão de cidadão atrás de cada decisão.