Quando, em novembro de 2016, João Miguel desistiu do futebol para abraçar o futsal, estaria certamente longe de imaginar que, volvidos quatro anos e meio, seria o rei dos goleadores da Liga portuguesa, no Candoso, clube do concelho de Guimarães.

Tinha então 25 anos e uma carreira discreta. Era avançado e jogava no Moimenta da Beira, no agora designado Campeonato de Portugal. Depois da formação no Fafe e passagens pelo Maria da Fonte, Amarante e Torcatense, a desilusão com o futebol e vários incentivos para rumar aos pavilhões fizeram-no mudar.

«Face ao que estou a construir, não posso dizer que estou arrependido», confessa. Não é para menos.

Há cerca de duas semanas, João sagrou-se o melhor marcador da fase regular da Liga, com 32 golos em 27 jogos, num final arrebatador: ultrapassou o agora campeão europeu Cavinato (31 golos) no topo da lista, com dois poker nas últimas duas jornadas, ajudando o Candoso à permanência. Felicidade a dobrar.

«Comecei a achar que era possível ser o melhor marcador à entrada para a última jornada. Nunca foi objetivo. Acho que acabou por ser tudo de forma natural. Depois de vencermos, eu não sabia, ainda estava a decorrer o jogo do Sporting. Depois de sabermos que nos tínhamos mantido na Liga, se eu já estava feliz, fiquei duplamente feliz», afirma quem recebeu os «parabéns» do ala dos leões.

Dos 91 golos em ano e meio até Itália e Braga

Depois de entrar no futsal, no clube da sua cidade, o Fafe, nos distritais da AF Braga, João rapidamente se tornou protagonista da equipa. Mudou de avançado nos relvados para pivô nas quadras, mas não mudou o faro pelo golo.

Na primeira época e meia, o pivô fez... 91 golos em 43 jogos: uma média de mais de dois golos por jogo. Ajudou assim o Fafe a subir pela primeira vez à 2.ª Divisão Nacional. «Nessa fase também era mais jovem e os campeonatos, não é que não tivessem qualidade, mas taticamente não eram tão competitivos, dava para aparecer e fazer mais golos e a confiança que depositavam em mim – clube, adeptos, família – permitiu jogar mais à vontade», aponta.

No meio deste ano e meio, no verão de 2017, João acabou até por receber um «convite inesperado» do Fafe para tentar voltar ao futebol. Esteve na pré-época, mas rapidamente tirou conclusões. «Achei que podia ganhar o bichinho do futebol, mas ao fim de uma semana pensei que era mais feliz numa quadra do que num relvado».

João num Fafe-Candoso em 2017, ao serviço dos fafenses, no distrital de Braga (Foto: Ricardo Jorge Castro)

A vida e o futsal levaram-no depois até Itália em 2018/2019. Esteve meio ano no Bovalino, clube da terceira divisão, onde também fez mais golos do que jogos. A meio da época, Portugal chamou por si e a Liga pela primeira vez, mas a passagem pelo Sp. Braga/AAUM não correu como queria e voltou, em 2019/2020, à 2.ª Divisão, pela porta do Rio Ave. De Itália a Braga, deu para aprender nos dois lados em diferentes formas.

«Acho que o estar longe é sempre bom, é um crescimento pessoal. O facto de não ter jogado no Braga foi um crescimento emocional. Muitas vezes senti-me revoltado, injustiçado e no momento achei que de nada serviria porque estava a perder tempo, mas olho para trás e vejo que também fez-me dar valor, por exemplo, à oportunidade dada pelo Candoso», expressa.

Um trabalhador-estudante-jogador de olho na seleção

Essa oportunidade, na sua segunda passagem pela Liga, dificilmente podia ter sido melhor aproveitada. Por isso, João crê que a seleção passou de um sonho a um objetivo. Mesmo com 29 anos. Mesmo jogando só futsal há pouco mais de quatro épocas. Mesmo não tendo tido a formação que centenas de colegas e adversários tiveram.

«Acho que sonho era quando jogava a distrital, aí é que achava um sonho e impossível. Hoje acho que é um objetivo. Não vivo obcecado com isso, tenho a certeza que no dia em que for selecionado, estarei preparado e vou trabalhar para que essa oportunidade chegue», atira.

João contra Zicky no Candoso-Sporting desta época, jogo em que marcou dois golos (Foto: CR Candoso)

«Eu sei que tenho algumas lacunas face à falta de formação. Falta aprender algumas coisas, mas também tenho a certeza de algo que me dá sempre força: vontade de aprender, de trabalhar e de ser cada vez melhor. Esse fator motivacional, desafiante comigo próprio, vai-me dando coisas que me vão permitindo crescer e o facto de ouvir pessoas mais experientes, de admirá-las e tentar ser como elas faz com que vá evoluindo cada vez mais», afirma quem, além do futsal, trabalha num armazém e também estuda: está no segundo ano da licenciatura em Desporto. Uma vida que não tira a ambição de ainda ser profissional a 100 por cento no futsal, mas que vai pesar na decisão para a próxima época. Seja em Portugal ou no estrangeiro.

«Sendo eu trabalhador-atleta, tenho uma estabilidade de vida que, para largar, não é fácil. Em Portugal, não sendo um futsal 100 por cento profissional, é difícil de ponderar. O meu futuro passa por manter o meu estilo de vida, ou então por aceitar um projeto profissional, de uma equipa profissional e dedicar-me a 100 por cento ao futsal. Como disse, tenho o objetivo de chegar à seleção, de jogar a Liga dos Campeões e espero evoluir nesse sentido».

Em todo o caso, se continuar em Portugal e na Liga, de uma coisa tem certeza: depois destes 32 golos «o objetivo para o ano é fazer 33». Palavra de um goleador.