A pandemia da covid-19 trouxe também para o universo futebolístico despesas e custos aos clubes da Primeira Liga de Futebol, o único campeonato português que retomou a atividade. Só que para a bola voltar a rolar, os 18 clubes tiveram de fazer um esforço financeiro redobrado, que custou, naturalmente, muito mais a uns do que a outros, como lhe mostra o Maisfutebol.

O caso mais flagrante nesta equação é o do Santa Clara, cuja comitiva está desde o final de maio em regime de estágio na Cidade do Futebol, em Oeiras.

«Só em refeições, alojamento e despesas associadas aos jogos, gastamos por volta de 250 mil euros», diz ao Maisfutebol Rui Cordeiro, presidente  dos açorianos. Se a este valor acrescentarmos as viagens de todos os elementos, dos Açores até ao continente, acrescentam-se aproximadamente 200 mil euros. Assim, contabilizando ainda os custos relativos aos testes e materiais de proteção, como máscaras, o prejuízo já ultrapassa, largamente, os 500 mil euros. Estamos a falar de mais de dez por cento do orçamento anual do Santa Clara, que ronda os 4,5 milhões de euros. Dinheiro a mais que se gasta na reta final da época, altura em que vários clubes da Liga já têm, como se diz na gíria, o dinheiro contado.

Santa Clara terá um prejuízo superior a meio milhão de euros

Além dos dois meses de estágio do plantel na Cidade do Futebol, e de todos os custos que isso acarreta, o presidente Rui Cordeiro prevê um reforço do investimento global para que o Estádio de São Miguel possa receber jogos na próxima época. «Vamos ter de avançar para as obras de requalificação e podemos juntar esses valores aos custos adicionais com os quais, obviamente, não contávamos até há uns meses», reforça o líder de um de dois clubes que estão a jogar numa casa emprestada desde que o campeonato voltou. O outro é o Belenenses SAD.

Os orçamentos dos clubes da Liga variam entre os 100 milhões de euros (mais altos) e os três milhões (mais baixos), mas, em tempos de pandemia, há uma fatura comum a todos: os testes e os materiais de proteção e de segurança. Só na testagem à covid-19, o conjunto dos 18 clubes da Liga gasta mais de 1,5 milhões de euros nas dez jornadas que ficaram por disputar quando o campeonato parou, em março.

Se houver um intervalo superior a cinco dias entre os jogos, a indicação das autoridades de saúde é a de que os jogadores, equipas técnicas, membros dos staffs e das estruturas de cada equipa têm de ser testados duas vezes nesse período. E esse cenário verificou-se inúmeras vezes com todas as formações. Se o intervalo entre jogos for inferior a cinco dias, os elementos de cada clube têm de ser testados uma vez. Ou seja, só numa bateria de testes, e estimando uma média de 50 pessoas por cada equipa, cada clube gasta perto de 3250 euros. Cada teste custa 110 euros, mas como a Liga comparticipa 40 por cento, os clubes pagam perto de 65 euros.  Assim, em média, desde a retoma até ao final do campeonato, são mais de 60 mil euros de fatura de testes por clube.

A juntar ao que já foi mencionado, adiciona-se um mês de seguro de trabalho a cada jogador dos 18 plantéis e, para alguns clubes, as viagens à Madeira, para jogar com o Marítimo. Para cada deslocação, os clubes são forçados a fretar um avião.

«Tivemos o ‘azar’ de ter de ir lá à Madeira nesta altura e gastámos perto de 35 mil euros no charter», conta Tiago Lenho, diretor-desportivo do Gil Vicente que destaca os gastos adicionais em obras de requalificação do Estádio Cidade de Barcelos, que, como todos os outros aprovados para a retoma, tinha de obedecer às exigências das autoridades competentes.

«Tivemos de alterar a zona do túnel de acesso aos relvado e aos balneários, colocar sinaléticas e zonas de desinfeção das mãos por todo o lado, comprar máscaras, termómetros, entre outras coisas.  Estamos a falar de mais de dois, três mil euros. Não são valores exorbitantes no mundo do futebol, mas são gastos extra», reforça o dirigente antes de fazer as contas ao total gasto só na «fase covid-19» num clube como o Gil Vicente, com um orçamento anual a rondar os quatro milhões: «São quase 120 mil euros de despesas adicionais em dois meses.»

Além dos gilistas, Benfica, V. Setúbal e Rio Ave também tiveram a despesa adicional de jogar na Ilha da Madeira e vários clubes também fizeram algumas obras estruturais nos respetivos estádios para cumprirem o que estava estipulado no plano de retoma do futebol. Desde aumentar a dimensão dos balneários, até mudar sistemas de canalização, ou colocar torneiras automáticas, para evitar, ao máximo, o contacto, muito mudou pelos recintos desportivos e centros de estágios por todo o país.

A era do «futebol covid» terá um impacto financeiro nos clubes tão robusto como incerto. Já se sentem os receios das próximas janelas de transferências, motivados pela desvalorização de alguns jogadores e pelo menor poder financeiro dos clubes em todo o Mundo. Os patrocinadores, sobretudo as empresas que habitualmente apoiam os clubes ditos mais modestos, podem deixar de injetar dinheiro e a ausência dos adeptos no universo futebolístico retira não só magia, como também centenas de milhões de euros em receitas.

«Só por não ter havido público nos jogos que fizemos em casa, desta a retoma, com o SC Braga e com o FC Porto, perdemos a oportunidade de fazer quase 150 mil euros em receitas, com as quais contávamos no planeamento da época”, revela ao Maisfutebol Paulo Meneses, presidente do Paços de Ferreira.  Com os adeptos longe dos estádios, dissipam-se as receitas de bilheteira, de compra de camisolas, e de outros produtos, de restauração e de outras tantas fontes de rendimento que, de um momento para o outro, secaram.

O impacto da crise é transversal a todos os clubes e, na devida proporção, o balanço é, amplamente, negativo, tantos nas organizações mais modestas como naquelas que mais dinheiro movimentam. Domingos Soares de Oliveira, CEO da SAD do Benfica, apontou, esta semana, para prejuízos entre «20 e os 25 milhões de euros» nesta fase. E ninguém sabe o que aí vem…