30 anos depois... podem voltar a gritar. Gritar a pulmões abertos. Soltar a raiva, a frustração. Mil emoções acumuladas, prontas a sair.

30 anos depois podem dizer: o Liverpool é campeão.

Ora por isso, interessava perguntar como viram esta conquista aqueles que sentiram mais na pele a dor das últimas décadas? Aqueles que nunca abandonaram a equipa, que nunca a deixaram sozinha, e que nunca baixaram os braços nem viraram a cara à luta?

O Maisfutebol foi à procura deles para dois dedos de conversa. Tantas histórias que tinham de ser partilhadas, personificadas na voz de Andy, Motunrayo e Mark. A emoção dos que estavam perto, e a emoção dos que estão longe, contadas na primeira pessoa.

Andy é fanático do Liverpool desde que nasceu. Aos 33 anos, não se lembra da última vez que os Reds venceram o título: tinha apenas dois anos. Ser do Liverpool, para ele, não foi uma escolha. Foi a única realidade que conheceu.

A sua família, de Merseyside, ensinou-lhe a religião praticada em Anfield.

Esta quinta-feira, e pela primeira vez na vida, Andy viu o Liverpool vencer o campeonato. «A noite de quinta-feira foi espetacular. Fui para o telhado vêr o pôr-do-sol. Estava vermelho: pensei, está na altura», começa por conta ao Maisfutebol.

«Comecei a mandar mensagens a todos os meus amigos do Liverpool. Acabei por ficar mais um pouco no telhado. Não queria acreditar.»

Mesmo sem sair de casa, a festa foi feita. «Deitei-me eram oito da manhã. Bebi um copo com o meu pai, devidamente distanciados, e assistimos à cobertura televisiva toda a noite. Em tempos como este, apesar de querermos festejar, temos de pensar que a prioridade é a saúde de todos. Vai haver tempo para festejar na rua.»

Perguntou-se como tinha sido ganhar a Liga num jogo do adversário e a resposta foi sintomática. «Esperámos muito tempo...»

Quando no fim Andy se recompôs disse que «ganhar em casa teria sido a cereja no topo do bolo». «Mas como o Robertson diz, nós queremos é o bolo. E sem adeptos no estádio, até que ponto ia ser diferente? Só me incomodava ganhar na secretaria», acrescentou, sendo esta, de resto, uma opinião transversal aos três entrevistados.

«Na paragem devido ao coronavírus, não tive medo que a Liga fosse cancelada. Estamos a falar de um negócio que mexe com milhões de libras. É uma competição gigante ia sempre continuar.» Andy nunca deixou de «ter este pensamento» apesar da nuvem que pairava sobre a Liga Inglesa, e o seu cancelamento.

O adepto de Merseyside fez uma promessa muito peculiar que se concretizou agora que o Liverpool foi campeão. «Bebi a minha primeira cerveja de 2020», contou.

«Fiz uma promessa que não bebia enquanto não fôssemos campeões, e bem me apeteceu beber durante o confinamento. Tinha um sinal no quarto a dizer que não se ganha títulos num dia. É um esforço de uma época, e isso também me guiou.»

Mais afastada de Liverpool estava Motunrayo. A inglesa de 28 anos, fervorosa pelo Liverpool em condições adversas [afinal vive em Londres] não festejou na rua. Não por se encontrar longe, mas pelas regras sanitárias impostas pelo governo britânico. O máximo que fez foi vestir-se a rigor e ir passear para o jardim.

A festa fez-se a cada pessoa que encontrava com roupa a condizer com a dela.

«No momento que soube que éramos campeões gritei muito. Assustei as pessoas cá de casa, achavam que estava maluca!  Não sei como não chorei. Ainda não caí em mim completamente», contou-nos, visivelmente emocionada.

Apesar da explosão de emoções, a época nem sempre foi tranquila para a adepta.

«Há dois lados para as coisas. Quando começámos pensei que podíamos ganhar. Mas também vivi o que aconteceu com o Brendan Rodgers e com o Rafa Benitez. Estava preparada para tudo mas houve um momento em que pensei que realmente tínhamos hipóteses. Veio o coronavírus e comecei a pôr tudo em causa», disse a londrina.

Sobre a paragem que atrasou o campeonato, e a possibilidade de um título sem ser no campo, Motunrayo foi perentória.

«Se nos dessem o título sem o jogarmos ia ser menos especial. Assim ninguém nos pode apontar um dedo. Foi espetacular a forma como ganhámos. Foi a primeira vez que vi o clube ganhar este título, vai demorar dias até que me perceba o que realmente se passou. E ainda tenho de esperar pela parade», afirmou.

«Quando houver uma prometo que vou lá estar. Nem que para isso tenha que tirar uma semana de férias. Isso é certo!»

A britânica lembrou-se que, apesar de ser menos satisfatório ganhar o título através de terceiros, «o City vai ter de fazer uma guarda de honra ao Liverpool».

«E isso é impagável. Vai-me dar muito gozo», exclamou.

«Esta edição da Premier foi muito especial. Todos vimos o que aconteceu ao Gerrard [a famosa escorregadela frente ao Chelsea] e as nossas ambições a caírem com ele. Estamos muito contentes, mas sabemos que para o ano vai ser muito mais difícil. O desnível não vai ser tão grande, mas se mantivermos a mesma consistência, temos boas hipóteses.»

«O objetivo agora é bater o recorde de pontos, porque não? Vamos provar que fomos os melhores, vamos pôr o prego final no caixão.»

O último adepto a juntar a esta conversa foi Mark Perlakis. Mais maduro, talvez por ser o mais velho dos três, é o único que tem memória do último título do Liverpool.

«Um título complicado pelas suas razões, já passou tanto tempo...» recordou.

«Ontem foi engraçado, eu estava a acampar com a minha família no pátio das traseiras e comecei a entusiasmar-me com o jogo do Chelsea-Manchester City. Pensei que havia uma hipótese. Não que o título estivesse em perigo. Era uma questão de tempo», adiantou.

«Ainda não tive hipótese de pensar bem sobre o assunto. Ganhámos o campeonato na maravilhosa campanha que fizemos. De há um ano para cá só perdemos com o Manchester City e com o Watford. Isso é brilhante.»

Mark, agora residente em North Yorkshire, numa pequena cidade acima de Leeds, exaltou a importância do título, mas em matéria de emoções há um jogo que ultrapassa tudo.

«O melhor momento dos últimos anos foi a reviravolta com o Barcelona. Para mim, maior que a vitória na final da Liga dos Campeões em Istambul», referiu, recordando o jogo com Rafa Benítez em que os Reds recuperaram de um 0-3 para um 3-3, para depois baterem o Milan nos penáltis.

Já este ano, e segundo Mr. Perlakis, a diferença do clube de Merseyside para a concorrência foi evidente a vários níveis. O inglês recordou, por exemplo, a vitória sobre o Leicester, em dezembro, por 4-0.

«O Liverpool está acima de todos. O jogo em Leicester mostrou a diferença de qualidade entre nós e a concorrência. Devido a todas as circunstâncias relativas à covid-19 que se fazem passar neste momento, esta vitória vai ser sentida mais tarde, e esperemos que o seja. Comparando com a final da Champions do ano passado, penso que normalmente consideramos uma final como muito mais emocional. É um objetivo que quando lá chegas queres atingir. Mas este ano...», referiu.

«A época esteve em risco. Se nos dessem o título na secretaria, iam insultar-nos por isso. Ao menos jogámos. As regras foram as mesmas para todos. A conclusão da época de outra forma iria sempre ser contestada. Fiquei maravilhado por poder ver a competição seguir em frente.»

Numa nota final, o inglês assumiu poder voltar a ir viver para Merseyside, cidade onde nasceu e onde moram os seus pais.

«No ano passado vi as celebrações da Liga dos Campeões na cidade. Neste momento vivo em North Yorkshire, acima de Leeds, e nunca antes tinha considerado voltar a Merseyside. Depois de ver o que se passou no ano passado, e vamos ver como correm as celebrações este ano, já considero voltar. Encontrei uma razão para voltar para perto dos meus pais», confessou.