Ninguém sabe quando caiu Nanu no caldeirão da poção mágica. A força esteve sempre lá, juram a pés juntos. Se algum dia virem o lateral/extremo do Marítimo a transportar um menir às costas, qual Obélix, não se admirem. É essa a natureza do homem que destroçou o Benfica no Funchal.

Correr, correr, ir para cima do adversário, sempre sem medo. Talvez as suas origens ajudem a explicar esta forma de encarar o futebol. Os dias na Quinta do Olho d´Água, zona nas imediações de Aveiro, onde Nanu tinha direito a todos os sonhos.

Os pais de Nanu eram muito presentes, sim, mas tinham quatro filhos para cuidar. A Associação Desportiva da Taboeira acabou por ajudá-lo a chegar onde agora está. Aos oito anos, levado pelos irmãos Edson e Paulo, e pelo amigo Elmano Teixeira, Nanu inscreveu-se no clube da AF Aveiro.

Andou por lá até aos juvenis e, pelo meio, teve uma passagem pelo Benfica. Isso mesmo. O carrasco de Bruno Lage, o velocista sem medo que estilhaçou o flanco esquerdo das águias, vestiu durante uma temporada a camisola encarnada. Na sua equipa técnica estava, precisamente, Lage. O técnico trabalhava sobretudo com os juniores, mas apoiava os restantes escalões de formação das águias. 

Nanu tinha 12 anos e sentou-se ao lado de Bernardo Silva, Bruno Varela, Ricardo Horta e Hélder Costa nos balneários do Seixal. A experiência foi curta e o menino de Olho d’Água voltou ao Taboeira, uma das instituições mais relevantes no futebol jovem do distrito de Aveiro.

Ironicamente, uma das vítimas de Nanu no Funchal, Ferro, também jogou no ADT de 2009 a 2011. O futebol português é uma aldeia.

Nanu nos tempos da AD Taboeira

Nanu despertou da vitória da véspera, sobre o Benfica, com mensagens de velhos amigos. As palavras passadas explicam-se facilmente. Nos dias do Taboeira, Nanu encontrou na casa de um dirigente do clube, António Bastos, um lugar de carinho.

José Alexandre Silva e Mário Moreira, respetivamente treinador e coordenador do futebol juvenil da AD Taboeira nesses tempos, ajudam o Maisfutebol a contar a história do herói do Marítimo: Eulânio Ângelo Gomes, 26 anos, Nanu desde sempre.

«O Nanu é um menino de muito bom fundo e bom trato. Foi sempre muito fácil lidar com ele, é mesmo bom miúdo, muito cordial», diz Mário Moreira.

Os momentos menos bons deram a Nanu uma capacidade anormal de lidar com a adversidade. Passou a responder com um sorriso a tudo, mesmo nos dias piores. «Não era um atleta extraordinário, que salta logo à vista, mas era muito competente. Trabalhava muito e gostava muito de trabalhar. Tem uma relação especial com o futebol e está sempre a sorrir», constata José Alexandre.

Os dois lances dos golos do Marítimo ao Benfica nasceram nessa capacidade de sofrimento. «São o resumo da carreira dele: entrega, ambição e compromisso, além de uma crença incrível nele. Nunca baixou os braços, mesmo quando não era opção no Marítimo e estava perto da saída», considera José Alexandre. Mário Moreira completa.

«Não é fácil fazer o que ele fez contra o Benfica. Percebeu que eles estavam mortos e aproveitou bem. Mas connosco já era igual. Quando apanhávamos o Feirense e o Beira-Mar, os tubarões aqui da região, ele já só queria ir para cima deles.»

Nanu abraçado por René depois de atropelar a defesa do Benfica

«Treinava duas vezes por semana no Benfica, ia e vinha»

Quando a AD Taboeira estabeleceu um protocolo com o Benfica em 2006, o nome de Nanu foi um dos indicados ao responsável máximo pelas águias no futebol jovem, Bruno Maruta.

Assim, durante um ano, Nanu passou a treinar duas vezes por semana no Seixal, além do jogo ao fim-de-semana. Ia de carro com os pais dos colegas Rafael Saudade, Mané Vieira e Guilherme Matos.

«Não ficou mais tempo porque era muito menino e havia a questão da escola, a logística, as viagens, a alimentação. Acabou por ser uma ligação de um ano apenas», explica Mário Moreira.

O Benfica passou a correr pela carreira de Nanu, Nanu passou a correr pela defesa do Benfica. 13 anos depois. Lateral, extremo, «pau para toda a obra». Desde sempre.

«Ele ainda passou pelo Beira-Mar e foi para o Marítimo em 2015. Começou na equipa B, vejam bem. Teve de batalhar muito para chegar à equipa principal. Isso demonstra o caráter do Nanu. Para nós não é novidade, pois conhecemo-lo desde pequenino.»

Os anos passaram, Nanu passou a jogar com regularidade – tem 30 presenças e dois golos esta época -, chegou à seleção da Guiné Bissau, mas nunca se desligou dos amigos da Associação Desportiva de Taboeira.

«O ano passado foi o padrinho da Aveiro Cup. Estava na CAN e gravou um vídeo de apoio. Este ano fez para nós a equipa ideal dos tempos em que jogou no Taboeira e continua a ser muito próximo do clube. O que ele está a viver deve-se também ao seu primeiro clube, onde recebeu e deu muitas alegrias», recorda José Alexandre, um amigo de todas as horas.

Os piques arrasadores, as dezenas de metros com a bola controlada, a imagem de Ferro e Zivkovic desconsolados e batidos. Nanu foi ao fundo da alma beber umas gotinhas da poção mágica da Taboeira. 

NOTA: fotos gentilmente cedidas pelo departamento de marketing e comunicação da Associação Desportiva de Taboeira