O relógio marca 19h00 de terça-feira, habitual hora de ponta nos grandes centros urbanos. O coração de Vila Nova de Famalicão não foge a esta regra. Mas há um motivo maior a deixar a cidade em rebuliço.

As ruas de acesso ao Estádio Municipal pintam-se de acessórios azuis e brancos, ao mesmo tempo que, de Paços de Ferreira, viajam cerca de 500 adeptos para ver o líder da Segunda Liga jogar na casa do segundo classificado, à 20.ª jornada.

Um total de 5208 espetadores, segundo dados oficiais da Liga, viu ao vivo o encontro entre as duas equipas que estão nos lugares de subida à Primeira Liga. Um número que superou em mais de 700 pessoas o anterior recorde da época, já pertença do Famalicão: o emblema de Vila Nova detém mesmo as cinco melhores assistências da época na prova, as únicas acima das quatro mil pessoas.

Desta feita, o cariz do jogo era mais especial. E nem uma noite fria, a meio da semana, demoveu paixões. Estádio completamente cheio. Emoções ao rubro dentro e além-relvado. Mas, afinal, como é viver um jogo com lotação esgotada?

É, por exemplo, não saber se há bilhete para quem quer ver. Mesmo à porta do estádio. E ficar no exterior. Joaquim Santos, 52 anos, sócio do Famalicão, viu o filho ter a sorte de arranjar um ingresso perdido nas imediações do recinto. Em cima da hora de jogo, não sabia se teria a mesma sorte.

«Não tenho bilhete, mas estou aqui para dar o meu contributo. Basta a presença. Nem que seja cá fora, vou viver este jogo. Famalicão foi sempre uma terra de futebol. Estamos num centro bom, a meio de Braga, Guimarães, Porto, Póvoa, acho que merecemos estar na Primeira Liga», atira.

É motivo de orgulho para quem apoia e vê a equipa jogar em casa, em busca de um regresso ao convívio dos maiores. «Já é um clube que tem de estar na Primeira Liga, o pessoal apoia sempre», atira Rúben Ferreira, desde a bancada, quando o intervalo regista 0-0 no marcador.

«É de louvar esta paixão que os adeptos têm pelo Famalicão, nos jogos em casa e fora», refere Ricardo Fumega, que voltou a fazer-se sócio há três meses, após ter estado fora por motivos profissionais. Defende que Paços e Famalicão «estão a demonstrar dentro de campo que são as equipas mais fortes». O palpite é que não saiu certo: «2-1, acredito em dois golos do Feliz». Mas o final, para os da casa, foi tudo menos… feliz.

Adeptos do FC Famalicão ensaiaram coreografia e cantaram quase todo o jogo (FC Famalicão)

Pelo meio, o Maisfutebol percorreu as imediações do Estádio Municipal, em busca de ouvir as vozes pacenses que gritaram o golo de Junior Pius em cima do minuto 90, mas o apedrejamento aos autocarros dos adeptos visitantes, antes do jogo, dificultou, por motivos de segurança, a abordagem no decorrer da reportagem.

Por outro lado, casa cheia é, também, motivo de satisfação para quem joga e treina.

«É completamente diferente, apetece-nos também jogar»

As palavras antes destacadas são as de Vítor Oliveira, treinador do Paços de Ferreira, em conferência de imprensa pós-jogo.

O técnico de 65 anos, que passou pelo Famalicão como jogador, mostrou vontade de também ir a jogo. Defendeu, no entanto, que a «moldura humana» merecia maior «qualidade», que «foi abaixo do expectável».

«É completamente diferente. Estes são os jogos que fazem lembrar o antigamente, quando nós jogávamos, apetece-nos também jogar. Qualquer jogador tem orgulho em jogar com este envolvimento humano, absolutamente fantástico. Pena é que não aconteça em mais campos. O Paços, felizmente, é das equipas que consegue meter muita gente. Mas, como o Famalicão, penso que não há nenhuma equipa na Segunda Liga. E, mesmo na Primeira Liga, há poucas que metam tanta gente no futebol como o Famalicão. É importante que se repita muitas vezes e nos diversos pontos do país».

VÍDEO: o ambiente em Famalicão em noite de lotação esgotada

Também Ricardo Ribeiro, guardião do Paços de Ferreira, enalteceu a importância de bancadas cheias nos estádios. Diferente? «Para nós tem de ser igual. Só é bom para o futebol português estar um estádio completamente cheio. O Famalicão tem sido assim em casa. E os nossos adeptos também estiveram em peso, palavra para eles a agradecer», notou o jogador de 29 anos, ao Maisfutebol.

Cerca de 500 adeptos do Paços de Ferreira estiveram em Famalicão (Telmo Mendes/FCPF)

Do lado da casa, mesmo na derrota, o treinador reforçou a presença dos famalicenses. «Mais uma vez, os nossos adeptos merecem toda a nossa determinação, toda a entrega para alcançarmos o objetivo da época. Mais uma vez bateram o recorde de assistência, mais uma vez encheram o nosso estádio», sublinhou Sérgio Vieira, em conferência de imprensa.

No final, houve festa pacense e naturais burburinhos entre os intervenientes no relvado, após a decisão em cima do apito final.

O Paços sai mais líder, com cinco pontos de vantagem para o Famalicão e 13 para o Estoril, o mais direto rival que pode subir. Sai também a ganhar o futebol, por certo, com tamanha plateia.