«O primeiro foi de penálti. O segundo foi um contra-ataque, em que recebi a bola de lado e encostei para a baliza. O terceiro foi o meu preferido. Há uma jogada de linha de fundo, um toque para trás, eu domino entre dois defesas e remato ao ângulo. O quarto foi outra jogada de linha de fundo em que eu empurro de carrinho. O quinto foi um remate depois de uma tabela fora da área.»

O relato pertence a Jorginho e resume a atuação no jogo entre o seu Moura e o Lusitano de Vila Real de Santo António, este domingo, a contar para o Campeonato de Portugal (9ª jornada, Série H).

Quem é Jorginho? Vamos a isso então. Avançado brasileiro de 27 anos, formado no Santos e que está no segundo clube em ano e meio em Portugal. Chegou para o Elétrico de Ponte de Sôr e pelo Alentejo ficou, mudando-se para o Moura a meio da época passada.

Está no Moura há sete meses, portanto. Com números bem interessantes. Na época passada fez cinco golos em 11 jogos. Este ano, no mesmo número de jogos já apontou 13 golos. Claro que para este bolo total em muito contribuiu a exibição de sonho de domingo no Algarve.

O Moura goleou por 6-1 e Jorginho fez cinco golos. «E assisti para o outro», sublinha na conversa com o nosso jornal. O Maisfutebol não passou ao lado do feito ao alcance de muito poucos.

«Foi um jogo de sonho que, com certeza, vai ficar para sempre na minha memória. Tudo correu bem e estou muito feliz com o trabalho que fiz. Nunca tinha feito cinco golos num jogo. Era difícil pedir mais, por isso, nesse sentido, posso dizer que foi o melhor jogo da minha carreira», comenta.

Marcou aos 12 minutos, 36, 38, 75 e 90. «Parecia que se o jogo tivesse mais dez minutos ainda marcava mais. Mas sei que isto foi um momento e que não me posso acomodar. Tenho de continuar a trabalhar», assegura.


O Moura Atlético Clube perfilado (Foto: Maria Catarina Pica/Rádio Planície)

Alentejo à imagem do interior do Brasil

Jorginho vive do futebol. É profissional numa equipa essencialmente amadora como é habitual no terceiro escalão português. Habituou-se ao Alentejo até porque é parecido com a sua cidade natal, Costa Rica, no estado do Mato Grosso.

«No Alentejo posso ter uma vida boa, tranquila. O meu dia a dia é muito em torno do clube. Fico muito por lá para lá do treino. Eu sou do interior do Brasil, por isso foi fácil acostumar-me a esta zona mais tranquila. Gosto de morar aqui»
, resume.

Para trás ficaram três anos em Angola, a primeira experiência fora do seu país. Jogou no Bravos de Maqui, equipa do Girabola entre 2011 e 2014. Diz ter sido «uma boa experiência» que lhe permitiu «aprender bastante».

Mas prefere Portugal: «O futebol angolano é muito baseado em velocidade e força, aqui em Portugal é mais parecido com o Brasil, há muita técnica, e isso para mim é melhor, beneficia as minhas características como jogador.»

Treinado no Santos por amigo de Pelé enquanto via crescer Neymar

A formação de Jorginho foi feita, em grande parte, numa das melhores escolas do Brasil: a Vila Belmiro do Santos. Viveiro de talentos de onde saíram Pelé, Robinho ou Neymar para citar apenas alguns.

«Uma experiência muito boa», nas palavras do avançado do Moura. «Foram quatro anos da minha formação em que tive oportunidade de aprender com grandes treinadores, grandes figuras do futebol brasileiro. Fui treinado pelo Lima, que jogou com o Pelé, por exemplo», destaca, referindo-se a uma das lendas do clube. Lima é, ainda hoje, o quarto jogador com mais jogos (quase 700) pelo «Peixe».

No relvado, Jorginho também teve companheiros «famosos». Ou, pelo menos, que conseguiram atingir outros patamares no futebol. Enumera: «Joguei com o Ganso, com o Marcelo que está agora no Hannover, o Junior Moraes do Dínamo Kiev, o Breitner do União da Madeira…»

« O melhor? É complicado. As coisas são muito diferentes naquela fase da carreira. O Ganso, por exemplo, naquela altura não era o que foi depois. Ainda não tinha explodido, mas tinha muita qualidade», sublinha.

De uma geração diferente é Neymar. Jorginho é três anos mais velho mas viu crescer o avançado do Barcelona.

«Conheci o Neymar. Ele jogava uns escalões abaixo. Estava sempre na Vila Belmiro e eu também andava muito por lá. Não vou dizer que eramos os melhores amigos, mas conhecia sim. Naquela altura ele estava a sair do futsal para o campo e havia já muita expetativa no clube com aquele miúdo»
, explica.

A pressão sobre Neymar, garante Jorginho, não foi imediata. Explica que a evolução foi gradual e assim também o interesse cresceu: «Depois foi evoluindo de forma gradual. Havia entusiasmo, sim, mas todos tentavam manter os pés no chão, porque ele era ainda muito novo. Foi crescendo naturalmente.»

Nove meses sem jogar futebol: «Sentia que perdi a juventude»


Jorginho a festejar um golo pelo Moura (Foto: Maria Catarina Pica/Rádio Planície)

Na Vila Belmiro o ambiente era fantástico, garante Jorginho. «É um lugar em que se respira futebol. Davam e dão, acredito, todas as condições para que o jogador cresça e evolua nos vários níveis do jogo», acrescenta.

«Não é por acaso que é conhecido como um ninho de talentos», sublinha. Questionado sobre a competição que existe numa casa de tantas promessas, Jorginho admite-a. «Isso há sempre, é normal», diz.

E depois acrescenta: «Todas as semanas chegam lá jogadores novos, há muita gente para poucos lugares. Todos querem jogar e, claro, só cabem 11.»

Jorginho «sobreviveu» a essa competição na chamada «categoria de base», mas a entrada nos seniores foi dura.

«Sempre tive os meus sonhos de jogar numa equipa grande. Joguei no Santos mas na transição para os seniores tive alguns problemas. Cheguei a parar de jogar. Estive nove meses sem jogar futebol. Dizia que não queria mais», conta.

Foi a fase mais difícil da carreira. «Quando as coisas não acontecem» a transição para os seniores é um período delicado, explica o brasileiro. «Eu tinha quatro anos de casa, tinha sonhos, tinha moral dentro do clube. Não tive foi paciência»
, admite.

Largou o futebol em busca de tempo que nunca volta. «Achava que tinha perdido a minha juventude, achei que podia ainda resgatar esse tempo e deixei o futebol. Depois convenceram-me a voltar, fui para o Rio Preto que estava na I Divisão na altura e relancei a minha carreira. Não voltei a parar até hoje», conclui.