O Maisfutebol falou com dois clubes dos escalões distritais de Lisboa e do Porto para perceber como é que a pandemia os afetou economicamente.

Para nossa surpresa, ambos se dizem com saúde financeira [e ainda bem] e são um exemplo de boa gestão desportiva na altura tão complicada em que vivemos. Em tempo de pandemia, conheça os casos da Associação Desportiva de Oeiras, da Associação de Futebol de Lisboa [AFL], e do Futebol Clube da Foz, da Associação de Futebol do Porto [AFP].

Afinal, como sobrevivem os clubes mais pequenos?

A sobrevivência nos clubes distritais dá-se de várias formas. «Apoios camarários, donativos de empresas e da mensalidade da formação desportiva dos atletas» diz-nos Artur Campos, presidente da A.D.O. Quando uma pequena instituição se vê privada de receitas, deixa de ter «alguns custos, mas também não gera dinheiro, e a sobrevivência depende de uma gestão muito rigorosa.»

Os custos de manutenção [água, luz e gás] vão-se pagando de um lado e de outro, mas a equipa de Lisboa teve de colocar quatro funcionários em lay-off, sendo que ainda lhes paga 30 por cento do ordenado.

«Nós neste momento não temos dificuldades financeiras, por força da Covid. O que não temos é mais valias», afirma o presidente do clube da linha.

Já no popular FC Foz, que estava em posição de disputar o play-off de acesso ao Campeonato de Portugal, «pararam as receitas, mas também os encargos», afirma o seu presidente Eduardo Avides Moreira. O dirigente afirma que o clube da zona nobre portuense tem «as contas em dia».

«Quando fomos para casa em março, honrámos esse mês com jogadores e treinadores e já tínhamos o mês de fevereiro liquidado. Se não o tivéssemos, como outros clubes, ia ser uma situação difícil de contornar.»

O Estádio Mário Wilson é a casa do AD Oeiras

Que tipos de apoio tiveram estes clubes?

As associações regionais de futebol são os órgãos que tutelam os dois clubes. A AFL, que «não gerou apoios extraordinários aos clubes, apenas criou descontos nas taxas de filiação e nas taxas de inscrição dos clubes e dos atletas», segundo Artur Campos, e a AFP, que distribuiu «200 mil euros pelos clubes da sua associação», tendo calhado uma fatia de 700 euros a cada um deles. Este valor, assegura Eduardo Moreira, «não chega perto do valor de 20 mil euros que gastamos na associação anualmente».

Apesar de agradecidos, ambos os dirigentes dizem que os valores em causa são irrisórios face às despesas que os clubes têm anualmente nas respetivas associações.

A grande diferença a nível de apoios entre os dois emblemas passa por um «apoio camarário que foi antecipado». «Não foi aumentado, mas deu para os clubes poderem ter alguma liquidez» afirmou Artur Campos, presidente do Oeiras.

Se o futebol está parado, como será a próxima época?

No plano desportivo, as épocas começam a ser preparadas nos primeiros meses do ano. A verdade é que em março de 2020, o país foi remetido para casa. Mas, como ficou o planeamento das épocas seguintes?

É aqui que entra o coordenador de futebol da equipa Oeirense. Gonçalo Carapinha trabalhou a questão a partir de casa para que nada fosse posto em causa na época 2021/22.

«Procurámos manter o contacto regular com os atletas, de escalões mais velhos, e com os encarregados de educação em escalões mais novos. Quer para uns quer para outros foi muito complicado, porque em termos de timing [de recomeço de época, de início de treinos] é tudo muito incerto, o que assusta muitas pessoas», diz-nos.

 

O velhinho Campo da Ervilha é a casa do FC Foz 

Gonçalo afirmou que se «perdeu tudo». «A decisão das provas competitivas e a integração de jogadores nas equipas através dos treinos de observação». Felizmente há outros mecanismos que permitem ver a qualidade de um jogador, como os vídeos. Apesar disto, o também treinador saudou a decisão da DGS em «salvaguardar a saúde de todos os atletas e dos profissionais envolvidos» no futebol.

Quem talvez possa discordar deste ponto de vista é Eduardo Avides Moreira. Para ele, o Foz foi largamente prejudicado no critério que ditou a subida do Salgueiros à CNS, mas ainda assim, diz que se o Foz tivesse conseguido a promoção não ia entrar em loucuras. «O objetivo é chegar a maio do próximo ano e ter as contas em dia. Não entramos em loucuras, somos bastante racionais», sublinha.

Em nenhum dos lados se pensa que haja muitas alterações às equipas. Se na equipa portuense, os «jogadores são da casa», na equipa lisboeta «os pais vão querer defender os seus filhos». «Penso que vão preferir deixá-los num contexto que conhecem, em vez de expô-los a uma realidade nova», diz-nos Gonçalo.

A par do mercado de transferências internacional, que muitos dizem que vá ser pouco movimentado, também a nível distrital e de formação se esperam poucas mexidas.

Vai ficar tudo bem, mas e depois?

Muita tinta tem corrido a expressão ‘vai ficar tudo bem’. A frase, que dá cor aos dias mais cinzentos, tem um caráter negro subjacente. Assim que a pandemia se for [o mais rápido que seja possível, por favor] outra nuvem vai pairar no mundo. O desastre económico, a recuperação financeira, a incerteza nos postos de trabalho. Essa altura, para o presidente da A.D.O., vai ser realmente a mais difícil para clubes desta nomeada.

«Não sei se estamos preparados para o que aí vem. A manterem-se as normativas da DGS, não há muitas condições para se voltar a jogar futebol. Pela segurança e pelas condições. Estamos a falar de miúdos de 6/7 anos, que entram nos balneários para conviver e agora são proibidos de o fazer», diz-nos Artur Campos, continuando a explicar o seu raciocínio com uma justificação simples: «temos de reduzir o número de atletas, mas manter o número de treinadores. Vamos ter de contratar funcionários para preencher questões logísticas como a higienização dos balneários? Isso são tudo custos acrescidos com menos dinheiro a entrar», prevê o dirigente.

No clube do Porto, o presidente Eduardo Avides Moreira alerta para aquele que pode ser um problema grave dos clubes locais.

«As tarjas de publicidade dos estádios oriundas dos cafés locais, que normalmente apoiam e patrocinam, funcionam quase como donativos, porque aquilo não tem retorno. O poder de compra desses restaurantes vai baixar drasticamente, porque aquilo é mais uma doação do que publicidade. Não tem quase impacto a nível das vendas do pequeno comércio. Vai fazer muita falta aos clubes.»

O bom exemplo destes dois emblemas, tão distantes geograficamente, mas tão perto na forma de pensar a gestão de clubes, não hipoteca o futuro, pois tudo está assente num presente sustentável. Dois casos de sucesso, um exemplo para todos.