«Este Fiat 600 conseguiu bater outras equipas com mais argumentos do que os nossos. Conseguimos terminar em grande.»

Miguel Leal, treinador do Penafiel, sintetizou desta forma a campanha duriense na presente edição da Liga de Honra. A equipa da colina da Arrifana venceu o União na Madeira (1-2) e garantiu o regresso ao escalão principal do futebol português. 

O  Maisfutebol aproveita a descrição de Miguel Leal e explora o veículo que conduziu o FC Penafiel neste regresso à Liga, oito anos após a despedida.

Os números são claros: este Fiat 600 tem um motor português. Ao longo da competição, o técnico utilizou 21 jogadores com sangue luso e apenas três estrangeiros. Aposta vincada no mercado nacional, com aproveitamento significativo de uma escola de formação com provas dadas.

Paulo Roberto, avançado brasileiro, chegou ao nosso país em 2007, e David MBala, extremo congolês, está no FC Penafiel desde os seus 16 anos. Até à reabertura do mercado, eram as únicas exceções num plantel agarrado à bandeira portuguesa.

A meio da época, o clube perdeu uma das suas principais figuras. Rafael Lopes, que marcara nove golos até então, foi transferido para a Académica de Coimbra. O avançado saiu em janeiro mas continua a ser o melhor marcador da equipa.

Miguel Leal recebeu então outro estrangeiro – Mauro Caballero, paraguaio cedido pelo FC Porto - mas foi um português a preencher o vazio: Guedes arrancou para uma segunda volta de grande nível, apontando os seus oito golos desde 22 de janeiro de 2014. Com um bis na visita ao União da Madeira, confirmou o regresso à Liga.

Um presidente mais novo que alguns jogadores

O Futebol Clube Penafiel avançou para a Liga de Honra com um dos orçamentos mais baixos da competição. A sustentabilidade do projeto passaria por essa contenção e por alguém disposto a assumir a presidência.

A 5 de junho de 2013, essa responsabilidade passou para António Gaspar Dias, presidente da Junta de Freguesia de Galegos. O seu nome está associado a esta campanha vitoriosa da equipa de futebol e sobra uma enorme curiosidade: quando assumiu o cargo, tinha apenas 31 anos.

António Gaspar Dias celebrou recentemente o seu 32º aniversário. Ainda assim, é mais novo que os jogadores mais experientes do plantel, como Nuno Santos, João Pedro ou Hélder Ferreira.



Miguel Leal: uma afirmação adiada por questões familiares

Miguel Leal, 49 anos, é um dos principais obreiros da subida. O treinador do Penafiel despertou, nos últimos meses, a cobiça de alguns emblemas de maior ambição. É o reflexo natural de um processo de afirmação que foi sendo adiado por questões familiares.

Durante largo período, o técnico natural do Marco de Canaveses colocou a carreira em segundo plano para dar apoio aos seus, a quem mais precisava. «Nessa altura, a carreira não era a prioridade. A família vem primeiro. Sinceramente, nessa altura até achei que já não seria treinador principal. Limitava-me a ser adjunto para ter mais disponibilidade», explica.

Em conversa com o   Maisfutebol, Miguel Leal resume o seu longo trajeto. Entre os pontos altos, destaque para a presença no Jamor como adjunto de Carlos Carvalhal no Leixões (2001/02) e a subida de divisão como membro da equipa técnica do Penafiel (2003/04).

«Já estive na última subida de divisão do Penafiel e felizmente volto a participar nela, agora como treinador principal. Foi um projeto que correu da melhor forma. Vamos ver qual será o futuro. Para já, é altura de desfrutar esta conquista.»

«Venham para cá que eu meto-vos na primeira»

O treinador preparou a atual temporada ao pormenor. Miguel Leal assumiu o cargo em maio de 2012 e foi delineando o ataque à Liga. O orçamento reduzido dificultou a tarefa mas nem tudo girou em torno de dinheiro.

«O Penafiel costumava apostar muito no mercado brasileiro, mas isso trazia outros custos, de alojamento, refeições, etc. A direção anterior iniciou um trabalho diferente, virado para o mercado português, e isso reflete-se neste plantel.»

No último verão, Miguel Leal apresentou o seu plano aos reforços desejados. «Tínhamos uma listagem grande de jogadores para reforçar a equipa, mas fomos riscando vários nomes por causa do orçamento. Em outros casos, tive de convencê-los com o projeto.»

«Falei com jogadores como André Fontes, Dani Coelho ou o Rafael Lopes e passei uma mensagem simples: ‘Podem vir ganhar menos, mas venham para cá que eu meto-vos na primeira’».

O Penafiel seguiu o rumo e não vacilou perante a sobrecarga de jogos. Tudo correu como o planeado. «Queria ter 45 pontos em janeiro e chegámos lá com 46. No final da época, queria ter 73 pontos e vamos com 72. Ou seja, ainda quero um ponto no último jogo. Claro que isto é uma ideia, é tudo muito bonito na teoria, mas só foi possível com uma grande resposta dos jogadores. O mérito é deles», remata.

Miguel Leal está feliz. Regressou da Madeira com a sensação de dever cumprido. Chegou de madrugada, descansou menos de uma hora e foi levar os filhos à escola. «Nunca me esqueço da família, não poderia ser de outra forma.» O futuro é uma incógnita, perante o assédio de outros emblemas. O treinador deixa apenas uma garantia: «Terão de ser sempre projetos que me apaixonem.»

 
54 jogos e a resposta do grupo ao desgaste

O Penafiel atinge o seu objetivo no 54º jogo da temporada. A formação duriense foi sujeita a um desgaste tremendo: para além da subida de divisão, chegou à segunda fase de grupos da Taça da Liga e aos quartos-de-final da Taça de Portugal.

«Em janeiro, fizemos onze jogos em trinta dias! Depois, no início de fevereiro, tivemos um jogo de tremendo desgaste com o Benfica, para a Taça (0-1). Claro que tínhamos medo de como o corpo ia reagir a seguir a essa fase, porque as equipas da II Liga não estão preparadas para disputar tantos jogos, mas demos uma grande resposta», salienta Vítor Bruno.

Vítor Bruno, 24 anos, foi um dos elementos em destaque na campanha do Penafiel. Era lateral esquerdo mas subiu no terreno de jogo e evoluiu a todos os níveis. Foi distinguido como o melhor jogador da II Liga em março de 2014.

«Nesta altura estou mais estável. Era um jogador fraco em termos psicológicos. Conflituoso, preocupado com o ego, achava que a técnica bastava. Mudei por completo e as conversas com o mister Miguel Leal também ajudaram bastante. Quando terminei a formação, disse que queria chegar à Liga em cinco anos e este era o último. Felizmente fui a tempo.»

Formado no FC Porto, o esquerdino admite que sentiu dificuldades na transição para o futebol sénior. «Primeiro, não esqueço os anos que estive no Lar do FC Porto. Vinha de uma aldeia perto de Vila do Conde e corri o risco de me perder. Não havia muito controlo, havia muitas tentações e juntando-se um grupo de três ou quatro rapazes, já se sabe como é.»

«O meu pai acabou por me tirar de lá. Depois veio a outra parte. Um jogador no Porto está habituado a ganhar 95 por cento dos jogos, a ter 70/80 por cento de posse de bola durante o campeonato. Eu era lateral e nem precisava de defender. De repente, saio do Porto e vou para o Candal, para a III Divisão. E a verdade é que umm jovem que sai de um grande não está preparado para o insucesso», reconhece o jogador, em entrevista ao  Maisfutebol.

Com 9 golos em 49 jogos pelo Penafiel na presente temporada, Vítor Bruno sente-se pronto para os maiores palcos no nosso futebol. «Tenho mais um ano de contrato com o Penafiel, vamos ver. Para já, não esqueço o que estamos a viver, são momentos fantásticos, inolvidáveis! Se porventura sair, levo o Penafiel no coração. Sinto-me preparado para outros patamares, isso sim», salienta.



A festa no mesmo avião que o Moreirense

Dias de festa em Penafiel. A equipa garantiu a subida com um triunfo na visita ao União da Madeira. Curiosamente, o outro emblema promovido à Liga andava pela mesma região. O Moreirense jogou no terreno do Marítimo B.

«Há meses que andávamos a fazer contas e a dizer que iríamos festejar na Madeira, nesta jornada, com o Moreirense. Por acaso eles já garantiram a subida, se não o prognóstico tinha sido cem por cento acertado. As equipas vieram no mesmo avião e foi uma festa tremenda, como seria de esperar.»

Vítor Bruno cumpriu castigo e não viajou para a Madeira. Juntou-se aos restantes não convocados, acompanhou à distância o encontro decisivo e seguiu com o grupo para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Naqueles momentos, a intervenção de um membro influente do grupo foi determinante. «Tenho de falar do Nuno Santos, ele tem uma importância tremenda no grupo.»

Nuno Santos, guarda-redes de 35 anos, fez apenas um jogo na presente temporada. «Mesmo assim, tem uma atitude fantástica. É o primeiro a festejar, a empurrar o grupo. Fica este exemplo: os não convocados foram ao aeroporto e a polícia não nos estava a deixar ir ter a equipa. De repente, aparece o Nuno Santos a correr, direito a nós, abraçando-nos e puxando-nos para a festa. É um símbolo da união que existe no FC Penafiel.» 

«Agora, vamos festejar e preparar o futuro. o Penafiel precisa de melhorar algumas condições de forma a manter-se na Liga, não a andar a subir e a descer, isso prejudica bastante o clube. Vamos acreditar!»