Telmo Pinto não pretende para já deixar o hóquei em patins de lado. Mas o campeão do mundo dedica-se agora a outro projeto, ligado ao… futebol. Por estes dias está a lançar com um grupo de amigos uma plataforma dedicada a jogadores, que pretende dar-lhes ferramentas para melhorarem o seu jogo e também visibilidade. É um espaço onde os atletas podem apresentar-se e a partir daí solicitar acompanhamento de observação, ou scouting, para terem um diagnóstico sobre a sua performance e pistas para evoluírem. Tudo estará acessível a clubes, treinadores ou a qualquer pessoa que queira conhecer ou comparar jogadores. 

Foi o tempo deixado livre pela pandemia que ajudou a transformar a ideia antiga de um projeto conjunto naquilo que é hoje, conta o internacional português ao Maisfutebol. «Começou quando íamos entrar para a faculdade, há 10 anos. Eu ia entrar para desporto, mas depois abortei a ideia. Os meus dois sócios estudaram comigo, seguiram a área de desporto e na altura, num estágio curricular, criaram um projeto ligado ao futebol que era como uma intranet para clubes, que centralizava toda a comunicação, da direção até aos jogadores ou aos pais.» Esse projeto ficou na gaveta, mas a vontade de fazerem algo em conjunto não morreu.

«Quando estive a jogar no Sporting, esses meus colegas estavam a trabalhar na área da tecnologia, também em Lisboa. Durante a pandemia começámos a estudar outra vez o projeto», conta Telmo Pinto. Identificaram então aquilo que consideravam uma carência, na transição dos jogadores para o futebol profissional: «Eles acabaram cedo a carreira de jogador, ainda estiveram na formação de algumas equipas grandes, depois passaram a seniores a título de empréstimo e perceberam que a partir daí havia algumas necessidades de ajuda. Não só de visibilidade, mas também de acompanhamento de carreira. E surgiu a ideia de darmos ferramentas novas aos atletas.»

Foi assim que nasceu a plataforma digital Bion, que está online desde o início da semana. Na apresentação, os responsáveis do projeto dizem que apenas um em cada 1000 praticantes de futebol consegue tornar-se profissional. Este projeto pretende contrariar essas probabilidades estatísticas e potenciar mais oportunidades: «Vai dar visibilidade a todos os atletas, não só profissionais mas acima de tudo os mais novos e os que jogam em campeonatos semiprofissionais.»

A plataforma propõe vários planos de interação. Para os jogadores, o primeiro passo é a criação de um perfil. «O jogador regista-se gratuitamente e introduz os seus dados, como nome, idade, peso, altura, clube onde joga, escalão. Isso dá-lhe automaticamente um perfil.» Com esses dados, o jogador passa a ter um cartão de visita virtual, que pode partilhar por exemplo nas redes sociais.

Um serviço de scouting que funciona «como um Uber»

O passo seguinte, opcional, é a funcionalidade que pretende ajudar na evolução de cada um: a ligação a um olheiro, ou scout, que irá fazer uma avaliação personalizada do jogador. Telmo Pinto explica como funciona: «O jogador pode pedir um scout quando quiser, a partir de um botão que está acessível no site. Esse pedido entra na nossa base de dados de scouting e funcionará basicamente como um Uber. Imagine-se que o jogo é no distrito do Porto. Todos os scouts que nós temos no Porto vão receber uma notificação com esses pedidos. O primeiro a aceitar vai realizar a avaliação no dia e no local em que foi pedido. O scout observa o jogador em jogo e faz depois a avaliação.» Para já, as áreas geográficas abrangidas correspondem aos distritos das principais associações de futebol: Braga, Porto, Aveiro, Lisboa e Setúbal.

«Com esses dados, o jogador vai conseguir perceber em que ponto é que está e tentar melhorar todas as suas capacidades», continua: «O nosso objetivo é criar aqui uma ligação bastante forte com o jogador. O relatório vai ser muito vasto. Desde a indicação de pontos a melhorar ou pontos principais da performance do jogador, estatísticas… O jogador vai conseguir perceber em que fase da carreira está. E vamos dar inputs para ele tentar melhorar os vários atributos ou características.»

Esse trabalho resulta de uma parceria com uma empresa de scouting, que colabora com a Bion na assessoria e acompanhamento da formação dos scouts e é liderada por João Luís Afonso, que já foi responsável por essa área no FC Porto e esteve também no PSG, trabalhando atualmente na Liga do Qatar. «Temos uma parceria com essa empresa de scouting internacional, que nos ajudou aqui a criar uma metodologia nova no mercado», explica o mentor do projeto. 

O trabalho de avaliação, que tem um custo associado, centra-se na observação do atleta em ação, durante um jogo. E pretende adaptar-se às circunstâncias, como seja o facto de o jogador atuar por exemplo pouco tempo na partida em que pediu a observação. O jogador pode solicitar a alteração do pedido para outra data, se perceber também que está lesionado ou se não for convocado. «O nosso objetivo é que um jogador faça pelo menos três pedidos de scout por época, na fase de preparação, na fase intermédia e depois na fase final, que é das mais importantes nas transições de escalão ou de clube, de modo a que a última avaliação seja a mais precisa», diz Telmo Pinto,

Não existe à partida uma base de dados onde já tenham sido introduzidos jogadores, exceto alguns casos, nesta fase inicial, para exemplificar o funcionamento da aplicação. «Para efeitos de teste fizemos agora alguns torneios de início de época de camadas jovens. Fomos ao Miranda Cup, um torneio de futebol infantil, com quem fizemos uma parceria. Mas nunca seremos nós a pôr dados de jogadores sem autorização», diz Telmo Pinto, explicando que há também restrições quanto à idade dos jogadores que podem inscrever-se. «Abaixo dos 13 anos, todos os miúdos que se queiram inscrever têm que o fazer através dos pais ou encarregados de educação. É uma regulamentação internacional.»

Uma base de dados para clubes, treinadores ou agentes

A outra vertente da plataforma é a oportunidade de dar a conhecer os dados de cada jogador e da sua performance a clubes, agentes ou treinadores. «Pretendemos dar alguma ajuda a atletas que não pertencem a grandes clubes, e também aos próprios clubes e treinadores que não têm esta capacidade de ter este departamento de scouting. A conjugação das duas coisas levou-nos a criar esta plataforma», afirma Telmo Pinto: «Para esses treinadores, clubes ou empresários, a plataforma vai estar totalmente aberta, para poderem pesquisar e comparar jogadores em todo o mercado nacional.»

Esta é a fase inicial do projeto, que pretende evoluir depois para novas funcionalidades, «associadas a clubes e mesmo a carteiras de agentes e empresários». E que já tem em produção uma nova fase, que definirá índices de referência para a evolução dos jogadores. Isso é feito através de outra parceria, com o pólo de desporto do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. «Teremos um glossário não só de performance, mas de atributos físicos, para caracterizar o jogador por género e escalão», afirma Telmo Pinto, explicando que essa funcionalidade define por exemplo os parâmetros de referência para determinada posição. «Esse glossário identificará todos os inputs que o jogador precisa para estar entre esses índices.»

Um campeão a construir pontes para a vida depois do hóquei

Ligado ao projeto desde o início, Telmo Pinto tem sido o responsável pela comunicação da plataforma «junto de clubes e jogadores». Aos 29 anos, o internacional português, que já ganhou tudo o que há para ganhar no hóquei em patins e voltou em 2021 ao FC Porto depois de duas épocas no Sporting, vê este projeto como uma eventual ponte para a vida depois do hóquei: «Claro que pode ser que me ajude numa carreira futura. Foi mais por aí que também me envolvi a sério no projeto.»

Mas vai mantendo várias opções em aberto, ainda que não seja fácil conciliar tudo. Depois de ter desistido de seguir a via universitária no desporto, Telmo Pinto estudou medicina dentária. «Mas não terminei», conta. A seguir fez várias especializações, sempre com foco no desporto: «Tirei uma pós-graduação e agora estou inscrito também num mestrado de treino. Vou fazendo o que consigo. A carreira profissional de atleta é muito bonita, mas às vezes não dá para conciliar com o que nós queremos a nível académico.»

De qualquer forma, a decisão sobre o que fará quando deixar de jogar não é para já, garante: «Pelo que vejo ao meu lado, a carreira no hóquei tem vindo a aumentar em termos de idade. Tenho colegas a jogar ainda a alto nível com 38 anos. Espero chegar a esse nível, mas também não quero andar a arrastar-me. Se tiver um trabalho paralelo que me permita fazer as duas coisas, muito bem. Mas para já ainda me vejo a jogar hóquei profissional durante alguns tempos.»

Artigo atualizado