* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
Siga o autor no Twitter


Forrest Gump amava Jenny. Jenny não amava Forrest Gump. Então ele correu. Correu para esquecer a faca espetada no coração. Correu três anos e correu mais um pouco. Dois meses mais, 14 dias mais, 16 horas mais.

Até que um dia parou. «Sinto-me cansado. Acho que vou voltar para casa». Forrest voltou e conquistou Jenny. Valeu a pena tamanha correria. E chamavam-lhe tonto.

Dulce Félix ama Ricardo Ribas. Ricardo Ribas ama Dulce Félix. Então correm. Os dois. E lá vão eles, felizes, aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ricardo vai fazer 42,195 quilómetros a 21 de agosto, Dulce vai fazer 42,195 quilómetros a 14 de agosto.

«É uma vida complicada. Sofre-se muito. Ao nosso lado temos de ter alguém que compreenda que às dez horas é para estar na cama a dormir».

Em exclusivo ao Maisfutebol, a caminho de mais um treino, Ricardo conduz e Dulce confia. É assim a vida do casal da maratona: amor, confiança, compreensão, tudo o que uma vida a dois deve ter (e ser), reforçada pelos sacrifícios mútuos no atletismo.

«Sacrifícios, muitos. Os jantares com os amigos são raros. Apoiamo-nos, compreendemo-nos, temos essa vantagem de conhecer o dia a dia um do outro», continua Ricardo Ribas.

The Story: para contar (e cantar) a dois

Conheceram-se em 2009. Nunca mais se largaram. Uma canção ajudou Ricardo no processo de conquista: The Story, de Brandi Carlile.

«É verdade, o Ricardo enviava-me muitas vezes essa música nos primeiros tempos de namoro». Dulce Félix sorri, tímida, como das primeiras vezes que Ricardo lhe cantou as notas da canção de Brandi

«Temos uma história de vida parecida e essa música simboliza bem o nosso percurso», resume.

A cumplicidade de Dulce e Ricardo

«Todas estas linhas na minha cara/ Contam-te a história de quem sou/ Tantas histórias de onde estive/ E como cheguei onde estou/ Mas estas histórias significam nada/ Quando não tens a quem contá-las/ É ver¬dade, eu fui feita para ti.»

A letra, devidamente traduzida do inglês, narrava a vida de Dulce. E a de Ricardo, já agora. «Tinha muito a ver connosco», concorda o maratonista transmontano.

«Não tive um percurso de vida fácil, tinha de conciliar o trabalho com o atletismo e ele às vezes enviava-me esta can¬ção», acrescenta Dulce Félix, vice-campeã europeia de dez mil metros em 2016, quatro anos depois de ter ganho o ouro na mesma distância.

«Estar no Rio de Janeiro é o meu ouro»

Agosto está aí, Ricardo e Dulce rumam ao Rio de Janeiro. E a mais sonhos. Para ele, 37 anos, «estar presente» já é uma medalha de ouro, apesar de estar «disposto a dar tudo». O que tem e o que não tem, «por Portugal».

«Depois de 24 anos a lutar por este sonho, de estar perto do abandono, de lesões e desilusões, chegar aos Jogos Olímpicos é inacreditável. É o meu ouro. Mas vou trabalhar como nunca», atira, convincente, Ricardo Ribas.

Os últimos meses foram «duros», pejados de «sacrifício», a palavra mais vezes mencionada durante a reportagem. Ricardo atirou-se de cabeça «em janeiro», numa altura em que Dulce já cumprira os mínimos de qualificação.

«Tinha de agarrar esta oportunidade e nos últimos meses foi comer, treinar e dormir. Tive de deixar muita coisa para trás. Agarrei-me ao rigor e a este sonho».

Ricardo fez bem. Agarrou-se e nunca mais largou os anéis olímpicos. O Rio é uma garantia, uma certeza. Até lá, continuará a ser «o pilar» da namorada, por coincidência uma atleta de excelência em longas distâncias.

«Conheço a Dulce há muitos anos e sempre acompanhei a carreira dela. Sempre disse que ela seria uma maratonista fantástica. Muito tempo antes de ela ser minha companheira (risos)».

O atleta nascido em Miranda do Douro sublinha «a margem de progressão» que Dulce Félix ainda tem. «Assim o indica a marca à meia-maratona. É uma guerreira. Foi ela que não me deixou abandonar o atletismo e é por culpa dela que estou nos Jogos».

Só pode ser amor. 42,195 quilómetros de amor.