* Enviado-especial aos Jogos Olímpicos do Brasil
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Porto, Singapura, Nottingham, Londres, Madrid. Misteriosos são os caminhos da vida de José Fontes, 32 anos, português de coração, cidadão do mundo.

O Maisfutebol descobre a história, absolutamente rara, e percorre-a. Como num labirinto comprido, cheio de portas, umas abertas, outras apenas encostadas, pleno de possibilidades e conhecimento.

Onde entra aqui o futebol? Pelo portão principal. O futebol é a força motriz no percurso de José Fontes, apesar de muitas vezes colocado em stand by, à espera de uma oportunidade, DA oportunidade.

No momento em que se apresenta ao nosso jornal, por exemplo, José aguarda definições na federação da Nigéria e, em particular, na seleção olímpica das Super Águias. Há a forte possibilidade de colaborar com os treinadores dos africanos, no campo da observação e análise. Isto, com os Jogos Olímpicos como pano de fundo.

O episódio, porém, está em pause. Na expetativa. Um período de descanso e reflexão, após anos e anos de viagens, opções difíceis, aprofundamento de habilitações, uma miríade de ofícios.

Por onde andou José até surpreender José Mourinho num pioneiro – e exclusivo – curso na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa? Pelo mundo. «Passámos um dia inteiro com ele, é um dos coordenadores», explica Fontes.

«Abordei dois temas que lhe são caros: a forma como um treinador deve gerir a situação dos suplentes e a comunicação ao plantel daquilo que é o adversário. A Match Strategy do oponente», sintetiza o treinador português.

Mourinho gostou, afirmou que «pouco ou nada» mudaria na exposição de José Fontes. Mais portas se abriram, uma Babilónia de objetivos e ambições, uma Babel de contatos, influências e convicções.

«Não podia ter conhecido um professor melhor. Como ele nos disse, ’simplicity is genius’. Acredito que essa é a melhor forma de olhar para o futebol».

A mudança para as terras de Robin Hood

Para chegar a 2016, e à porta aberta por Mourinho, José Fontes deixou para trás uma vida no seio de uma família abastada em Singapura e uma carreira prometedora na banca de investimento. «Era estagiário na Credit Suisse quando rebentou o escândalo da Lehman Brothers».

Por partes. Coloquemos alguma lógica cronológica nesta abundante história.

José nasce no Porto em 1984, muda-se para Singapura com dois meses de idade, permanece em território da Cidade-Estado até aos 14 anos.

«O meu pai era comandante na aviação civil, natural da Maia. A minha mãe é alentejana, enfermeira-paraquedista. Conheceram-se no Exército e radicaram-se em Singapura, onde o meu pai estabeleceu a sua base profissional», relata José Fontes.

O irmão, Pedro, acompanhou-o até se mudar para Inglaterra. «Ainda joga numa equipa chamada Beer Albion FC». Delicioso.

Em Singapura, a família Fontes recebe uma educação privilegiada e os primeiros sinais de encantamento pelo futebol. «Jogávamos na equipa do colégio e seguíamos, como toda a gente, a liga inglesa. Lá é uma loucura. Tinha colegas de escola australianos, malaios, da Papua, alemães… cresci nesse ambiente de diversidade».

Tudo mudou a meio da adolescência. José volta com a mãe para Portugal, cumpre o ensino secundário e inscreve-se nas equipas de futebol do Castêlo da Maia. Na hora de entrar para a universidade, porém, o chamamento do exterior voltou a ditar leis.

José ruma a terras de Robin Hood e à mítica Floresta de Sherwood. «Sim, entrei em Gestão Empresarial na Universidade de Nottingham. Curiosamente, é nessa fase, em que os estudos eram ainda mais exigentes, que tomo uma decisão urgente: o futebol profissional passaria a ser a minha ambição maior».

Antes de lá chegar, José Fontes divide-se entre o campus, os pubs e a equipa de futebol da faculdade. «Depois passei a treinar com o plantel do Arnold Town, um clube da sétima divisão. O meu treinador era o Bryn Gunn, campeão da Europa com o Brian Clough no Nottingham Forest», sublinha, orgulhoso.

A análise ao Benfica no laboratório do Tottenham

Futebol. Sim, é esse o caminho a seguir, mas como? Adolescente, estudante, a aprimorar-se noutra área, José Fontes tem de gerir expetativas. Amealhar, investir, para mais tarde ser recompensado.

«Percebo que se entrar no mundo da banca de investimento posso comprar o direito a sonhar». Com o futebol, claro.

«Enviei currículo atrás de currículo, ganhei o antídoto contra a rejeição. Até que a Credit Suisse me dá uma oportunidade para estagiar. Começo lá e pouco tempo depois rebenta o escândalo financeiro da Lehman Brothers».

Com ativos de 540 mil milhões de euros, a queda da Lehman levou à falência sistémica e global. José Fontes assistiu tudo num lugar privilegiado. «Não era a primeira fila, mas quase».

«Houve despedimentos no setor financeiro e eu fui afetado. Tive de deixar Londres, para onde me tinha mudado depois de Nottingham, e voltar a Portugal».

Com 24 anos, José Fontes aproveita o tempo livre para treinar com o Trofense e viver o título da II Liga. Esteve seis meses com o plantel de António Conceição, até à necessidade falar mais alto e aceitar mais um convite da banca.

Novamente a Credit Suisse, novamente para Londres, novamente o mergulho no mercado de crédito, com uma transferência posterior para a UBS, em Madrid.

«Nessa fase inscrevi-me num curso de treinador e viajava semanalmente entre Espanha e Inglaterra. Trabalhava na Imperial Capital quando fui aceite pelo Tim Sherwood no Tottenham. Para estagiar».

Em White Hart Lane conhece Harry Kane - «o Sherwood garantiu-me que ele ia ser top» - e teve influência grande numa eliminatória com o Benfica, na Liga Europa.

«O Tim encarregou-me de fazer a análise à equipa então treinada pelo Jorge Jesus. Perdemos 1-3 e o Luisão fez dois golos. Eu alertara o treinador para o perigo que o central do Benfica representava. Acertei, mas a equipa não o parou».

«No balneário, o discurso do Petit é arrepiante»

Farto de vestir fato e gravata e olhar para saldos bancários, analisar créditos e tabelas de mercados, José Fontes despede-se do derradeiro banco e retorna a Portugal em 2013. Estagia no Leixões com o treinador Pedro Correia, agrada e é convidado por Petit para o Boavista.

«O Petit e o Mário Silva foram fundamentais para mim, são dois grandes senhores e serão treinadores de extraordinária competência», sentencia.

No Bessa trabalha a full-time como analista, tradutor e observador. «O Petit é o Diego Simeone do futebol português. No balneário é arrepiante. É um chefe, um professor, o que fez no Tondela é histórico».

José Fontes separa-se de Petit, por enquanto, e investe nas suas habilitações. Enquanto frequenta o curso na FMH – até novembro -, comanda a defesa do Clube Marcehal Gomes da Costa (o histórico MGC) na II Divisão Distrital da AF Porto.

«Estive também 20 dias no Rayo Vallecano, com o Paco Jémez, e tenho várias alternativas em carteira. Seria fantástico preparar a Nigéria para os Jogos Olímpicos».

Fontes abre portas, fecha portas, avança e recua. Para ver sempre o mesmo: futebol.