FOTO DE CAPA: em dezembro de 1997, Ruben Amorim jogou ao lado de Cristiano Ronaldo na seleção da AF Lisboa. Ruben está abraçado ao malogrado Bruno Baião na imagem
Era noite e chovia. No banco de trás da Ford Transit, Ruben já dormitava. O dia ia longo, estava frio, e Alverca não ficava propriamente ao lado da Luz. A barriga dava horas e o relógio dizia que as dez da noite estavam a chegar.
O mundo do pequeno Ruben, não mais de oito anos, girava todo à volta do futebol. Começava bem cedo na casa ribatejana, continuava na Fundação Cebi, onde frequentava a primária, e continuava nas viagens de ida e volta no interminável alcatrão. De e para Lisboa.
Sempre com o irmão Mauro, sempre com o pai Virgílio ao volante. E sempre com a mãe Anabela a fazer de tudo um pouco. Mulher de armas, omnipresente. Mãe.
Nesse ano de 1993, Ruben Amorim dava os primeiros passos no futebol federado. Amparado nos sacrifícios dos pais, no amor que nunca lhe faltou, o rapaz construía ali o primeiro capítulo de uma história que agora, em Alvalade, ameaça tornar-se deslumbrante.
Se o argumento não for rasgado em pedacinhos, o miúdo que perseguia o futebol para todo o lado, na parte de trás da Transit do pai, será o treinador campeão nacional em 2021. E devolverá ao Sporting o título perdido já em 2002, há 19 anos. Mais do que isso, devolverá ao universo leonino a certeza de que continua a ser grande.
Em seis capítulos, o Maisfutebol viaja pelos primeiros anos da vida de Ruben Amorim. Do dia do nascimento ao momento em que ingressa no Belenenses e inicia uma carreira profissional importante como futebolista.
Este foi o mundo da infância e da adolescência de Ruben Amorim. Treinador do Sporting. O miúdo que dormitava enquanto a chuva batia no vidro do carro e a mesa com o jantar tardava em chegar.
«BERÇO EM ALVERCA»: NASCIMENTO, ESCOLA E HÓQUEI EM PATINS
Dia 27 de janeiro de 1985. Na Maternidade Alfredo da Costa nasce o menino Ruben Filipe Marques Amorim. Filho de Virgílio Amorim, proprietário da loja O Rei das Chaves, e de Anabela Francisco, contabilista. O irmão Mauro tem mais 22 meses. A família vive em Alverca, mas um ano e meio depois, os pais divorciam-se.
Anos depois viria a nascer Cátia, filha de um segundo relacionamento do pai. Virgílio, pai de Ruben, conduz o Maisfutebol pelos primeiros anos de vida do agora treinador do Sporting.
«Aos três anos, o Ruben entrou na Fundação Cebi. Andou lá da pré-primária até à quarta classe. Depois, aos dez anos, ele mudou-se para a Charneca da Caparica, mesmo ao lado de Corroios, com a mãe e o irmão. Passou a frequentar lá a escola.»
Mal larga a chupeta, Ruben agarra-se às bolas de futebol. Tem um companheiro inseparável. Mauro puxa pelo irmão mais pequeno. Primeiro em casa, depois nos torneios de futebol de salão, que até se tornam famosos.
O Ruben e o Mauro começaram a jogar nesses torneios aqui na nossa zona. Alverca, Póvoa de Santa Iria, Vila Franca de Xira, Forte da Casa, corremos esses campos todos na minha Ford Transit», recorda Virgílio Amorim, orgulhoso e muitas vezes emocionado com a expressão «os meus meninos».
«O Ruben e o Mauro andavam sempre os dois, sempre juntos. E eu com eles, a levá-los na minha carrinha para todo o lado. A parte de trás andava sempre cheia com os miúdos da equipa. Patrocinei com a minha empresa quase todas essas equipas.»
Ruben e Mauro não se largam. Em campo são compatíveis, muito diferentes. Competitivos, garante o pai Virgílio. «O Mauro era tecnicamente muito bom, fazia-me lembrar o João Vieira Pinto. Mais tarde ainda foi campeão nacional de juniores pelo Alverca», recorda, nunca colocando um filho à frente do outro no relato.
«Nos seniores jogou no Lourinhanense, Almada, Montijo e Alverca. O Ruben era diferente, tinha um futebol mais simples, cerebral. Eram muito talentosos e competiam entre si, coisas normais de irmãos. Se um marcava cinco golos num dos jogos de futsal, o outro não podia ficar atrás.»
Além do futebol, os irmãos são apaixonados «pelos carrinhos». Qualquer lado é bom para a brincadeira. «Eles são muito próximos um do outro até hoje. Sempre foram. Tinham as guerrinhas normais de irmãos, mas amavam-se, adoravam-se. Faziam uma pista em qualquer lado, mesmo nas mesas dos restaurantes onde íamos.»
Virgílio diz que Mauro era «mais extrovertido» e Ruben «mais sossegado, mais caladinho». «Muito mais. A irmã Cátia também o adorava, andava às cavalitas dele lá em casa e o Ruben tinha uma paciência enorme com ela. Felizmente, o Ruben tornou-se mais desinibido com o passar dos anos.»
Ruben não é rapaz de ídolos, mas começa cedo a gostar do Benfica. Influência do pai e do irmão. Virgílio lembra-se de levá-los «quase bebés» à antiga Luz. «Tenho muito presente a imagem de estarmos a mudar a fralda ao Ruben na bancada.»
Muita energia, muita algazarra, Ruben tem de fazer desporto. É demasiado novo para se inscrever no futebol e, por isso, os pais levam-no para o hóquei em patins. Tem só seis anos e começa à baliza.
«O Mauro já jogava no Alverca, mas o Ruben não tinha idade e então foi com uns amigos para o hóquei do Alverca. Por incrível que pareça, para guarda-redes. Gostava muito e tinha jeito para a modalidade. Sempre foi muito disciplinado e aplicado no desporto. Não falhava a um treino.»
Na única vez em que se atrasa, o pai tem de suportar a birra do pequeno Ruben. Sinal já de uma personalidade forte a formar-se. «Ficou danado, é verdade. Para ele era inaceitável não cumprir com os compromissos que tinha.»
Durante quase dois anos, os patins e a baliza são parceiros quase diários. Ruben ganha gosto pela modalidade, até ao dia em que se chateia com o treinador. O hóquei morre ali.
Ele teve um dia menos bom num jogo, terá dado um franguito ou dois, e o treinador teve um comentário infeliz com ele: ‘Dormiste pouco esta noite, foste sair?’ O Ruben ficou muito sentido, era ainda um menino muito pequeno. Nunca mais lá apareceu. Fui eu que tive de ir buscar os patins dele ao pavilhão.»
Virgílio vai buscar os patins e começa a pensar no par de chuteiras. Ruben está quase com oito anos e da cabeça não lhe sai a vontade de jogar no Benfica.
«Digo-o com orgulho: o Ruben foi sempre uma criança adorável, excelente, mas quando metia uma coisa no juízo, não havia forma de lhe dar a volta. E por isso desistiu mesmo do hóquei. Já era muito exigente nessa altura e ficou chateado com o treinador dele. Ainda ganhou um torneio internacional de hóquei em Vila Franca. Depois houve essa zanga e ele pediu-me para ir treinar às escolinhas do Benfica. Teria sete anitos, quase oito.»
«OLÁ, FUTEBOL»: CHEGADA AO BENFICA, IMITAÇÕES NO BALNEÁRIO
No primeiro treino de captação no Benfica, Ruben convence e é escolhido para entrar na equipa de competição das escolinhas. Mauro, o irmão, joga nos infantis. É aqui que a via Alverca-Luz recebe via verde. A Ford Transit de Virgílio Amorim faz mais quilómetros do que nunca.
O primeiro treinador foi o professor Rui Oliveira. O adjunto era o António Bastos Lopes. Gostaram do Ruben, falaram comigo - porque já me conheciam, por causa do Mauro - e pediram-me para começar a levar o miúdo diariamente aos treinos. ‘Temos aqui um pequeno génio’, disseram-me.»
É nessa altura, época 1993/94, que Ruben Amorim conhece, por exemplo, João Pereira - hoje seu jogador no Sporting - e faz uma das melhores amizades da vida. Com Bruno Simão. Uma amizade que dura até aos dias de hoje. Ruben é padrinho da filha de Bruno e Bruno é «um irmão de outro sangue» de Ruben.
Conhecem-se no Benfica, reencontram-se no Belenenses e mais recentemente no Casa Pia. Fora do futebol, explica Bruno, tornam-se inseparáveis.
«Conhecemo-nos com oito anos, no Benfica. Eu tinha vindo de França, vivia na zona de Oeiras e a ligação foi espontânea. Andávamos sempre juntos, tínhamos o mesmo corte de cabelo e até pensavam que eramos irmãos. Tornámo-nos unha e carne nessa fase.»
Bruno e Ruben assumem o estatuto de «palhacinhos do grupo». Bruno por estar, de facto, sempre na palhaçada. Ruben por ser «o rei das imitações».
«Ele adorava imitar as pessoas e tinha muito jeito. Era uma risota pegada. Não tenho um único episódio negativo com o Ruben e por isso é que o convidei para ser padrinho da minha filha.»
João Coimbra também conhece Ruben nessa primeira fase na Luz. «O Ruben era um ano mais velho do que eu. Estivemos no Benfica, fizemos vários torneios e uns anos mais tarde reencontrámo-nos na seleção, no Torneio de Toulon. Sempre foi um tipo espetacular, sinceramente. Inteligente, cheio de personalidade.»
E as imitações? «Tudo verdade. O Ruben a imitar o Chalana era fantástico. Toda a gente se atirava para o chão a rir-se. E imita o Jorge Jesus muito bem também, já me contaram.»
«BABA E RANHO»: A MARGEM SUL E O ADEUS À LUZ
Aos 13 anos, a primeira má notícia. João Vale e Azevedo acaba com as equipas B da formação do Benfica e dezena de futebolistas são dispensados. Ruben Amorim é um deles. Dói, dói muito.
«Esse senhor destruiu cinco anos da formação do Benfica», recorda Virgílio Amorim. «O Ruben chorou baba e ranho, todos os miúdos choraram. É normal. Muitos deles acabaram por ir com o Ruben para o CAC da Pontinha. O Miguel Veloso, por exemplo, também foi para essa equipa. Tinham uma equipa fortíssima.»
Nessa altura, Ruben já vive na Charneca da Caparica, mesmo ao lado de Corroios. Concelho de Almada, margem sul do Tejo. A mãe, Anabela, muda-se para uma casa próxima dos irmãos e leva os dois filhos. Os primeiros tempos não são fáceis.
«Nós [os pais] estávamos separados e essa foi uma mudança importante para os nossos filhos. O Ruben estava habituado a uma escola tranquila e lembro-me de que foi assaltado uma ou duas vezes lá em Corroios, era outro ambiente», confidencia o pai.
Ruben vive, assim, na margem sul quando sai do Benfica. Destino? Clube Atlético e Cultural da Pontinha, com o Sporting ali a piscar o olho.
«O Ruben saiu em definitivo para o Pontinha e eu fui emprestado ao Oeiras. Antes disso ainda fomos a Alvalade», confirma Bruno Simão, o melhor amigo e uma presença forte no percurso de Ruben.
É daí essa foto que apareceu recentemente do Ruben, em frente ao estádio do Sporting. Havia essa possibilidade, de facto, mas nem sequer treinámos. Chegámos lá numa terça-feira e viemos para trás. O treino era só na quinta. Para mim, confesso, foi um alívio, porque eu não queria mesmo jogar no Sporting. Aproveitei o engano e já não voltei.»
Bruno Simão brinca ao recordar o episódio. Os amigos fogem da camisola leonina, antes sequer de a vestirem. «Dizem que treinámos, mas não é verdade. Se tivéssemos treinado, se calhar tínhamos feito toda a carreira lá, até hoje (risos). Um diretor do Sporting soube que íamos sair do Benfica e contactou-nos para irmos lá. Eu fui sem vontade nenhuma, era benfiquista ferrenho. A vida é curiosa, o Ruben voltou lá e está a devolver a esperança a todo o povo sportinguista.»
Já lá vamos. E o que conta o melhor amigo de Ruben na adolescência? Como se comporta, o que pensa, do que gosta o treinador do Sporting 2021?
«O Ruben era muito caseiro», suspira Bruno Simão. E faz uma pausa. «Eu andava mais na rua, mais maluco, mas ele passava muito tempo a ver jogos de futebol. Mesmo quando vinha dormir a minha casa, eu acabava por sair e brincar na rua. O Ruben ficava lá dentro. Era muito mais de televisão e jogos de computador.»
O futebol é o pilar-mor, mas não o único. Os anos passam e o reservado Ruben começa a querer ver mais coisas. O processo dito normal.
Gostávamos de ir ao cinema, cantávamos só para a paródia e mais velhos também saíamos de vez em quando à noite. Mas o Ruben não exagerava, apesar de ter a mania que era bailarino (risos). O Ruben tinha cabeça, doseava bem as coisas, nunca se prejudicou por sair uma ou outra vez até mais tarde.»
«NOS PELADOS»: PONTINHA, CORROIOS E O VETO DE NENÉ
Duas temporadas no CAC da Pontinha, braçadeira de capitão no braço. Ruben gosta do amarelo, diverte-se, cresce, mas há um problema: Alverca, casa do pai, é longe; Charneca, casa da mãe, é longe. A solução chama-se Ginásio de Corroios e fica mesma à porta de casa e da escola.
«O Mauro já lá jogava, foi uma opção natural. O Ruben até conseguiu ser campeão distrital da AF Setúbal com o Corroios. Partiu o braço no jogo da consagração. Acabou a época e eu quis levá-lo à Luz, para tentar o regresso ao Benfica», diz Virgílio Amorim, naturalmente nostálgico.
«À sexta-feira à noite, de 15 em 15 dias, o ritual era sempre o mesmo. Acabava o treino em Corroios, jantávamos todos juntos e vínhamos para Alverca na minha carrinha.» A Ford Transit, claro.
O regresso ao Benfica no final da época parece certo, mas há um veto de última hora. «O José Luís, o Bastos Lopes e o Chalana adoravam o Ruben. Assim que o viram fizeram logo uma festa. O Ruben tinha dado um salto muito grande, tinha crescido bastante, e esses grandes senhores tudo fizeram para que ele voltasse.»
Nené, coordenador do futebol da formação, recusa. «O Ruben treinou, no máximo, duas semanas no Benfica. Infelizmente, quem mandava em tudo era o senhor Nené. Embirrava com todos os pais, não houve nenhuma conversa e o Ruben acabou por ir treinar ao Belenenses, desafiado por um grande amigo.»
«O Benfica não o quis em 2002 e em 2008 acabou por pagar um milhão ao Belenenses para o comprar. O futebol é mesmo assim.»
Antes dessa nega de Nené, Ruben Amorim tem uma temporada de 2000/2001 excecional no Ginásio de Corroios. Ricardo Cravo é o treinador dessa equipa histórica para o clube. E para o próprio Ruben.
Ele apareceu no nosso campo com a mãe. Disse-me que tinha passado pelo Benfica e fiquei encantado com a mentalidade dele. E com a qualidade acima da média. Fomos campeões regionais e colocámos o Corroios nos nacionais.»
Ricardo Cravo, agora a treinar o União Serpense, tem bem presente aquele miúdo «muito focado em todos os exercícios de treino». «Trocava muitas impressões comigo e era um líder. No campo e no balneário. O Ruben já falava muito bem, com muita clareza.»
É por essa altura, de resto, que a polivalência ganha um espaço no seu futebol. «O Ruben era médio centro, mas às vezes pedia-lhe para jogar a médio esquerdo. Ficava contrariado, mas depois cumpria com brilhantismo. Tinha uma noção fantástica do jogo, em qualquer posição.»
«Cheguei a colocá-lo a lateral esquerdo», sorri Ricardo Cravo. «Ele dava tudo, levava o futebol muito a sério. Tinha a ambição de chegar mais alto e isso era evidente. Era um estudioso, apesar de ser ainda um menino. Por tudo isso, sinceramente, não estou surpreso com este sucesso.»
A casa da mãe de Ruben fica em Vale de Milhaços, entre Corroios e a Charneca. Muito perto do campo do Ginásio.
«Mesmo quando não havia treino, era normal ver o Ruben no campo do Ginásio de Corroios. Não era um adolescente nada problemático. Tranquilo, às vezes até solitário. Tinha a necessidade de se isolar e pensar. E era amigo de todos, respeitador.»
Ricardo passa de treinador a amigo e de amigo a admirador. Tem boas razões para isso. «Eu tinha um café na zona e certo dia apareceu-me lá o Ruben. Começámos a falar e diz-me ele assim: ‘você não nasceu para estar atrás de um balcão, nasceu para ser treinador de futebol’. Aquilo mexeu comigo e é por causa dele que sou treinador profissional. O Ruben tinha razão. Tinha muito respeito por mim.»
A despedida do Corroios acaba em festa. Mas com uma lesão grave. «No último jogo, o Ruben partiu o braço a 20 minutos do fim. Aguentou, acabou o jogo e mesmo assim não queria ir para o hospital. Festejou, saltou, até o obrigarmos a ir às urgências do hospital mais próximo. Isto diz tudo.»
O Ginásio de Corroios sobe aos Nacionais, Ruben Amorim é rejeitado pelo Benfica e entra no Belenenses. Pela mão, claro, do inseparável amigo Bruno Simão.
«CRUZ DE CRISTO»: DE BRAÇO PARTIDO PARA O BELENENSES
Aos 17 anos, Ruben toma uma das melhores decisão na vida de futebolista. Aceita o desafio de Bruno Simão e vai treinar aos juvenis do Belenenses. Mesmo com o braço fraturado.
Eu já estava no Belenenses e falei do Ruben ao nosso treinador. Ele lá foi treinar, mesmo lesionado. O treinador até o colocou a defesa central, para que ele não fosse tanto ao choque e jogasse mais protegido atrás. No final do treino, o mister veio ter comigo: ‘Muito obrigado, Bruno! Tinhas razão, que craque temos aqui!’ Foi assim que voltámos a jogar juntos.»
Ruben Amorim inicia uma ligação de seis anos com o Belenenses. Até ao Benfica pagar um milhão de euros em 2008. Bruno Simão tem no coração o amigo de sempre, o reguila quase silencioso, o brincalhão reservado.
«Aos 17 anos fomos pela primeira vez de férias para fora de Portugal. Para Palma de Maiorca. Fomos quatro amigos e foi uma semana inteira a rir. Temos uma ligação familiar forte, adoro a mãe e o irmão do Ruben, ele gosta muito dos meus pais também.»
«O que mais me impressionava era a forma muito séria como olhava para o jogo», assevera Bruno Simão. «Requintado, perfecionista, responsável. Mas não sabia, confesso, que ele tinha dentro dele este desejo de ter uma carreira como treinador. E nunca pensei que chegasse tão depressa ao topo. Pelo que vejo, e conheço dele, isto está só a começar. Ele tem uma parte humana brilhante. E ainda ontem era jogador.»
Ruben chega ao Belenenses, às seleções nacionais jovens e reencontra João Coimbra no Torneio de Toulon. 2006. «Eu jogava no meio-campo da seleção com o Ruben e o Paulo Machado. Ele já me impressionava pelo conhecimento tático e pelo posicionamento. Passámos um mês em Toulon juntos. Tinha um caráter forte, introvertido, meio envergonhado e com um sentido de humor muito próprio. Sabe bem quando meter a piada e tem piada ao dizer o que diz. E é assim que conquista muita gente.»
João Coimbra sai do Benfica em 2007 e Ruben entra em 2008. «Lembro-me de falar com o David Luiz e o Katsouranis sobre ele, adoravam o Ruben.»
«SIM, SR. TREINADOR»: O ESTÁGIO EM PINA MANIQUE
O percurso de futebolista é riquíssimo: cinco épocas nos seniores do Belenenses, seis no Benfica, duas no Sp. Braga por empréstimo das águias. E um ano no Qatar para a despedida em 2015/16. 14 vezes internacional, presença em dois Mundiais e três vezes campeão nacional.
Até ao início como treinador no Casa Pia em 2018. «Quando o Ruben era pequeno nem pensávamos nisso», assegura o pai. «O Mauro até falava mais de futebol, tinha sempre opinião. O Ruben era mais de ver televisão, jogar playstation, não posso dizer que via nele um treinador em potência. O bichinho foi nascendo nele.»
Bruno Simão assiste em Pina Manique ao nascimento de um grande treinador. «Fiquei surpreendido quando soube que ele ia para o Casa Pia em 2018. E fui eu que me ofereci ao Ruben», admite o melhor amigo.
Na primeira vez que falei com ele sobre isso, meti-me com ele e perguntei-lhe se ele queria contar com o melhor lateral esquerdo da divisão. O Ruben disse-me isto: ‘Não vamos confundir a amizade com o trabalho. És um jogador caro para o meu plantel, temos aqui três jogadores para a tua posição e tu sabes a situação em que estiveste. Há quatro meses estavas em coma no hospital [devido a um acidente de viação]’. Aceitei o que me disse e desejei-lhe as maiores felicidades.»
Passadas duas semanas, o telefone de Bruno Simão toca mesmo. «Ele viu os meus vídeos nas redes sociais, viu que eu estava bem e eu percebi logo: ‘pronto, já vens atrás de mim’. Uns dias depois convidou-me para me juntar ao plantel do Casa Pia. ‘Já me atravessei por ti e quero que venhas para cá’.»
Bruno Simão conhece «um treinador extremamente rigoroso». «Avisou-me logo: ‘Não me dificultes a vida, vou exigir mais a ti do que aos outros’. Ele cativa porque tem os dois lados: a exigência e a proximidade. Consegue ter toda a gente do lado dele. O Ruben só tem 36 anos, tem muito dentro dele o lado do jogador. Isso é relevante. Tem sido tudo muito rápido. Os dez milhões pagos pelo Sporting se calhar não são nada. Está a fazer o impensável com uma equipa de miúdos. E merece muito ser campeão nacional.»
Bruno e Virgílio, o pai de Ruben, são benfiquistas. Mas esta temporada, no mínimo, abrem uma exceção. «Sou benfiquista, mas não estou dividido. Sou sempre pelos meus filhos, quero é que o Sporting e o meu Ruben ganhem.»
Aos 36 anos, no estádio onde nem treinar consegue aos 12 anos, Ruben Amorim está a realizar sonhos e a fazer os sportinguistas felizes. E já nem da Ford Transit do pai precisa para perseguir todos os sonhos que tem no futebol.