Nem as sanções económicas impostas pelos países ocidentais, nem a exclusão das equipas russas das competições europeias pesaram na decisão quando, a 31 de agosto, no derradeiro dia do mercado de transferências, Willyan Rocha trocou o Algarve, ao fim de meia década em Portugal, por Moscovo.
«O meu empresário apresentou-me a proposta do CSKA, conversei com a minha mulher, liguei para a minha família no Brasil e aceitei. Não receei em momento nenhum vir para a Rússia», revela ao Maisfutebol a partir de Moscovo o defesa-central brasileiro de 28 anos, que fez quase 80 jogos na Liga Portuguesa ao serviço do Portimonense.
Enquanto no último defeso vários jogadores estrangeiros trocavam o futebol russo por outros campeonatos europeus, Willyan arriscou fazer o percurso inverso. Foi em contramão e, para já, afirma que não se arrepende, mesmo quando questionado sobre o facto de, também em termos desportivos, a Rússia se ter tornado numa espécie de país-pária aos olhos do Ocidente, na sequência da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022.
«Aqui não se ouve muito falar na exclusão das competições europeias. Foco-me no campeonato russo, que é bastante competitivo. Agora, acompanho pela televisão jogos de vários campeonatos europeus, do Brasil, de Portugal… Em particular do meu Portimonense», sorri, evitando também falar sobre as marcas que a guerra na Ucrânia provocou na sociedade russa.
«Nós vivemos tranquilos, sem falar sobre isso. É certo que algumas lojas fecharam, mas conseguimos na mesma ter acesso a algumas marcas internacionais. O custo de vida está a subir, as coisas estão mais caras, mas não é difícil de comprar feijão, arroz, massa…», explica o central que em jovem representou Flamengo e Grémio de Porto Alegre, atalhando para um dia a dia que é «treino e casa»:
«À hora que saio do treino, é um trânsito que “Meu Deus!”. Entre o centro de estágios e a minha casa levo 1h30 para fazer um percurso que duraria meia-hora. De resto, vou ao mercado com a minha mulher, ao shopping, ao ginásio… É raro sair para visitar a cidade, mas já fui à Praça Vermelha.»
Willyan reconhece que a adaptação a Moscovo foi naturalmente mais difícil do que quando chegou a Portugal, em 2017, então para representar o Cova da Piedade. A barreira linguística e o contexto social distinto são atenuados pelos companheiros de equipa sul-americanos, entre os quais outro brasileiro – Moisés –, bem como pela forma como foi acolhido no clube: «Fui bem recebido por dirigentes, técnicos e jogadores. Fiquei com a ideia de que os russos gostam de receber quem vem de fora, mas pela diferença cultural é difícil fazer amizades.»
«Na Rússia não tem aquilo de “caiu, é falta”, como em Portugal»
Esse fator ajuda a quebrar o gelo de Moscovo, uma megacidade onde «a única coisa que é igual ao Brasil é o trânsito».
«Tudo o resto é diferente. A língua é difícil de entender, é muito mais frio, é uma realidade nova para mim. Até o futebol é diferente do português.»
Como assim?
«Aqui é um jogo mais de contacto, joga-se mais em força e não se para tanto. Não tem aquilo de “caiu é falta”. Em Portugal, por vezes, nem falta é e o árbitro já está a parar o jogo. Para mim, nesse aspeto, aqui é mais o meu estilo», detalha o brasileiro, que agora veste as cores do clube que ao longo de décadas foi representante desportivo do Exército Vermelho – só em 2012 o Ministério da Defesa russo abdicou dos 25 por cento que ainda detinha na estrutura acionista.
Alheio a essa carga simbólica, a história que Willyan mais tem presente é a do triunfo na Taça UEFA em 2005, frente ao Sporting, em pleno Estádio de Alvalade, até pela influência de um dos heróis dessa conquista.
«Quando vim para cá, conversei com Daniel Carvalho, que é um ídolo aqui, tal como o Vágner Love, e ele passou-me um pouco da grandeza do clube. Quando se chega, percebe-se logo, sente o peso da história desde emblema. Os adeptos são muito calorosos. Não é igual ao Brasil, um monte de gente a pedir para tirar fotos ou até a cobrar resultados, mas quando saio de casa muitos conversam comigo e dão força para o próximo jogo», conta o defesa que leva já três golos e uma assistência em 21 jogos pelo CSKA.
De Portugal, o central guarda bons momentos. Foi no nosso país que conheceu a sua mulher, brasileira com passaporte luso, e em termos desportivos são várias as boas memórias do Portimonense: «Fiz parte de uma equipa com Denis, Jadson, Lucas Fernandes, Bruno Tabata. Foi quando fiz mais golos e assistências, mas o momento que mais me marcou foi quando consegui salvar um golo contra o Sporting, em Portimão, em cima da linha. É como um guarda-redes defender um penálti.»
Mesmo confessando ter algumas saudades, Willyan está decidido a triunfar na Rússia. «Assinei por três anos com opção de mais um. Estou feliz aqui. Ficarei o tempo que puder», afirma, imune à realidade extradesportiva que passa nos noticiários de todo o mundo.
Foi para jogar e só o futebol lhe interessa, mas… Gostaria de voltar?
«Um dia, se tiver oportunidade. Agora, o meu objetivo é ganhar títulos pelo CSKA e escrever a minha história no futebol russo.»