10 de julho, 2016, 20 horas. Milhões e milhões de pessoas coladas à televisão. Portugal e França entram em campo. Os sorrisos dos jogadores escondem a importância do momento, o franzir de testa dos treinadores revela-o. São 90 minutos e que ganhe o melhor. Não, que ganhe Portugal.

São já demasiadas memórias amargas, demasiadas vezes em que chegámos perto de mais, que quase tocámos no sonho e caímos. De alturas tão altas que levámos anos a recuperar.

Em 2000, o percurso foi brilhante. Esbarrou nos 117 minutos da meia-final. A mão de Abel Xavier, já dentro da área, acabou com o sonho. Antes de Zidane se encaminhar para a bola já tínhamos perdido. Figo tirou a t-shirt e foi para o balneário. Não havia nada a fazer.

Voltámos a erguer-nos em 2004. Em nossa casa, espalhámos bandeiras por todas as janelas. O país estava pintado de vermelho e verde. A equipa era tão boa ou ainda melhor do que em 2000. Havia um menino de quem muitos falavam: Cristiano Ronaldo. Aos 18 anos, fazia a sua primeira grande competição pela seleção.

A foto que nunca precisará de legenda

Até começou mal para a turma de Scolari, com a derrota frente à Grécia. A partir daí foi sempre a somar. Primeiro a Rússia, depois a Espanha, seguida de Inglaterra e Holanda já nas meias finais. Belas exibições colocaram-nos pela primeira vez na história numa final de um Campeonato da Europa.

Foi um momento mágico em que os astros se alinharam. Íamos vencer em casa e vingar-nos de uma equipa cujo futebol apelidámos de desprezível. Mas não. Golo de Charisteas a meio da segunda parte e tudo o que conseguimos foi ver lágrimas nos jogadores. Não as que queríamos, infelizmente.

Em 2012 voltamos a fazer um bom campeonato mas caímos aos pés da Espanha - aquela equipa demolidora que venceu dois europeus e um Mundial de seguida. Mas só nos pénaltis. Caímos de pé, mas voltámos a cair.

Será que Ronaldo nos ia negar o título que Figo e Eusébio antes dele não conseguiram conquistar?

Em 2016 voltamos a apresentar-nos fortes. Afinal, como diz o guarda-redes Eduardo ao Maisfutebol, «sempre tivemos grandes seleções.»

O grupo é convidativo mas os resultados não aparecem. Três empates garantem o apuramento em terceiro lugar: bendito alargamento de equipas na prova. Não só nos qualificou como nos pôs na metade do quadro a eliminar mais simpática. Sabíamos que até à final evitávamos França, Espanha, Alemanha, Itália e Inglaterra: bendito golo islandês ao cair do pano.

O apuramento foi conseguido mas a moral estava em baixa. Como todas as grandes equipas, esta teve um líder à altura. Eduardo recorda agora as palavras do selecionador, que diz terem dado o mote para o que iria acontecer.

«A grande coragem e a grande fé que Fernando Santos tinha, conseguiu-a transmitir a todos os jogadores, e nos momentos difíceis fez-nos acreditar. Foi sem dúvida um mérito dele. Ele deu umas palavras duras, mas de incentivo, a dizer que tínhamos conseguido passar o grupo e que não admitia outra coisa que não fosse a nossa alegria.  Estar na fase seguinte era o mais importante e esse discurso marcou a equipa.» 

Nos oitavos-de-final Portugal jogou com a Croácia. Muito equilíbrio e o desacerto do defesa-central Domagoj Vida atiram-nos para o prolongamento. Quando parecia já não haver pernas, Renato Sanches faz um raide de 60 metros com a bola, solta em Nani que passa a bola a Ronaldo já dentro da área [ou faz um remate totalmente falhado] e a bola acaba no fundo das redes. Não à primeira, mas à segunda com o encosto de Quaresma. Minuto 117, o mesmo que acabou com o sonho 16 anos antes.

O jogo a seguir foi contra a Polónia. Apesar do poderio ofensivo - Milik e Lewandowski são uma força a respeitar - era um jogo para ganhar. Infelizmente, tudo o que o golaço de Renato Sanches conseguiu foi guiar-nos aos pénaltis. Aí, foi a vez de Rui Patrício brilhar, com a ajuda do agora guarda-redes do Sp. Braga. Antes da decisão, juntaram-se os três guardiões da seleção.

«Com o Patrício, revimos um pouco o que estudámos dos adversários e demos-lhe tranquilidade. Importa dizer que aquilo são momentos únicos. Trocar ideias e pô-lo o mais confortável possível», conta Eduardo. Esse foi o seu único objetivo.

Eduardo, à esquerda, foi um dos heróis portugueses em 2016

Bastou uma grande penalidade defendida para o guarda-redes ser herói. Coube a Ricardo Quaresma, pelo segundo jogo consecutivo, a confirmação da passagem à fase seguinte.

As meias finais foram um pró-forma. O País de Gales não mostrou estar à altura e dois golos foram suficientes para colocar Portugal na final do Europeu. Foi a primeira partida ganha em tempo regulamentar. Fácil para uma meia-final e o culminar de «um crescimento continuado» segundo o campeão europeu.

«Havia enorme confiança que podíamos ganhar. As coisas já iam tão naturalmente que a qualidade dos jogadores veio ao de cima. Já tínhamos superado muitas dificuldades e aquilo foi demonstrativo do momento de forma do que foi a equipa ao longo da prova», assume Eduardo.

Agora esperávamos ou pela França ou pela Alemanha. Nenhuma das duas nos trazia boas memórias. Em 2006 e 2008 a Alemanha tinha-nos vencido e a França ainda trazia memórias da mão de Abel Xavier [sendo que nas meias-finais do Campeonato do Mundo de 2006 tínhamos sido afastados igualmente pelos gauleses].

Jogamos contra os anfitriões: éramos a nova Grécia. Aqueles resultadistas, com enorme mérito em anular o adversário, mas a quem estes não reconheciam muitas mais valias.

Antes do quarto de hora, Cristiano Ronaldo sai lesionado. Portugal vê-se privado da sua referência máxima, do seu capitão, do seu goleador.

«Faltava-nos a todos este título, e ao Cristiano também, apesar de tudo o que tinha ganho. Ele viveu aquilo de maneira especial e para nós também era duro perdermos aquela que é a nossa referência. É um momento difícil, ninguém está preparado para isso. Com a saída de Cristiano tivemos de nos agarrar de outra maneira. Foi um jogo difícil, tivemos de chegar ao fim com imensa vontade, união tremenda de compensar o colega, de ajudar, de lutar», diz-nos Eduardo, que minutos mais tarde foi mais um dos 23 dentro de campo, loucos para agarrar Éder, para tentar retribuir o momento mágico que nasceu daquele pé direito.

Com efeito, aos 109 minutos, Moutinho passou a bola ao nove da seleção. Muito criticado ao longo da prova, vexado em praça pública, o jogador libertou-se das amarras. Pegou na bola, e de muito longe soltou um pontapé que Hugo Lloris não pôde fazer mais que ver entrar na sua baliza. Um momento para sempre no futebol português. Eduardo diz que naquele dia «todos foram heróis.»

«Todos tínhamos um carinho especial pelo Éder por aquilo que ele viveu. É um jogador fantástico, que sempre trabalhou em prol das equipas e para atingir o sucesso. Vivemos aquilo por tudo o que ele tinha passado. Ele fez o golo mas fomos todos heróis nesse dia», lembra o guarda-redes, que diz ter muita «dificuldade em pôr em palavras» as emoções que tomam conta dos jogadores em momentos como aquele.

A profecia de Fernando Santos tinha-se cumprido. Portugal voltava a casa em festa. Milhões de pessoas nas ruas, a festejar um título inédito. Algo maravilhoso que a equipa das quinas nos ofereceu.

«Depois de tudo o que aconteceu não foi difícil [Chegar e ver milhares de pessoas em todos os sítios onde a seleção passou]. Não foi difícil, não havia cansaço. Lembro-me das palavras do Éder, por exemplo [«Hoje é feríado c******»]: tudo era permitido naquela altura. Havia uma enorme vontade que isto um dia acontecesse. Retribuímos todo o apoio ao longo do campeonato, e o mar de gente que nos veio receber.»

Um momento para a história. Portugal já podia acordar. O sonho desta vez não acabou em pesadelo. Afinal, passados quatro anos, Eduardo ainda fica «nas nuvens».

Todos ficamos, caro Eduardo. Todos ficamos.