Borges escreveu que é o espanto que nos une. Mais do que o medo. Mais do que o amor. E é por viver dias espantosos, «extraordinários», que o Sport União Sintrense está «mais unido do que nunca».

A poucos dias do jogo contra o FC Porto, o Maisfutebol procura um dos rostos mais relevantes na SAD sintrense para perceber que projeto é este. Alexandre Silveira, diretor desportivo, passeia-nos por uma realidade que julgaríamos impossível no Campeonato de Portugal.

«O Sintrense é um histórico do nosso futebol. Esta SAD entrou há dois anos, mas basta citar os nomes do Nélson Semedo e do Mama Baldé para lembrar que existe um peso institucional grande nesta instituição. Aliás, uma instituição que acaba de fazer 110 anos», refere o dirigente, certo de que o plantel «jovem e cheio de qualidade» pode chegar aos campeonatos profissionais.

Neste Sintrense rejuvenescido, nada é feito ao acaso. Alexandre exemplifica com o processo de recrutamento «extremamente cuidadoso».

«Temos muito cuidado no momento das contratações. Fazemos questão de ter feedback sobre o background do atleta, o perfil emocional, e nada se faz por acaso. Temos condições para dar uma boa resposta frente ao FC Porto. Temos poucas hipóteses de ganhar, mas taça é taça.»

Apesar de Sintra ser um dos concelhos mais populosos do país, o seu Sintrense está a levar «uma média de 400/500 espetadores» aos jogos. Podem vir a ser muito mais.

«Infelizmente, em Sintra quase todas as pessoas são adeptas do Benfica ou do Sporting. E algumas do FC Porto. Esta semana estou a descobrir que há muitos portistas em Sintra.»

Alexandre Silveira quer, portanto, capitalizar a visita do FC Porto para chamar as gentes do concelho.

«Ter aqui um clube tão grande faz com que seja possível ter mais essas pessoas no nosso lado. As pessoas não vinham ao futebol há muito tempo e dizem-nos que têm uma vontade enorme de estar no estádio. Temos de fazer a nossa parte e cativá-las.»

Sintrense quer aproveitar a visita do FC Porto ganhar mais adeptos em Sintra (FOTO: Nuno Silva Marques)

«A relação entre a SAD e o clube é espetacular»

Organizar a receção aos dragões está a ser uma tarefa hercúlea. Alexandre Silveira utiliza mesmo o termo «impressionante» para descrever a minúcia necessária para ter tudo «em boas condições» no jogo de sexta-feira em Massamá, casa emprestada ao Sintrense por uma noite.

«Marketing, patrocinadores, segurança, organização do próprio jogo. Nunca pensei que um jogo de futebol pudesse trazer tantos desafios. Há muita coisa a ser tratada, nem quero imaginar como é num jogo no Dragão, na Luz ou em Alvalade.»

A direção da SAD já reuniu com a FPF, a AF Lisboa, o FC Porto, a empresa de segurança e tem enviado diariamente elementos do staff a Massamá. Até Jorge, o tratador da relva, para que tudo corra bem.

O que levou, afinal, a SAD [70 por cento pertencem à Special Podium, sociedade controlada por Diogo Silveira, e 30 por cento ao clube] a investir neste centenário emblema?

«Quando decidimos investir num emblema desta dimensão, posso dizer que estivemos ano e meio a recolher informação», recorda Alexandre Silveira.

«Percorremos o país todo, falámos com milhares de pessoas, com presidentes, agentes, em várias cidades. Conheci muitas realidades, algumas não tão boas. Nomeadamente no que diz respeito à falta de profissionalismo e ao combate à corrupção. Fiquei mal impressionado em alguns locais e o Sintrense é o oposto disso.»

Sintrense 2021/22 (FOTO: Rafael Canejo)

Alexandre chega aqui para explicar que, no Sintrense, a relação entre a SAD e o clube é «espetacular».

«O Sintrense clube sempre foi bem gerido. O presidente José Sequeira é uma pessoa notável, fez parte dos quadros da EDP e temos uma ligação perfeita. É, de resto, um dos administradores da SAD. Ainda hoje, ao almoço, disse-lhe isto a brincar: ‘presidente, vou dizer aos Media que somos tipo Belenenses, mas pior’ (risos). Damo-nos tão bem que até com isto podemos brincar.»

O profissionalismo está presente no dia a dia do plantel treinado por Hugo Falcão. Os treinos são matinais, o rendimento individual é controlado por GPS, há um nutricionista, há até aulas para quem não concluiu ainda o 12º ano, mas também cursos de culinária e de línguas.

O quadro ajuda a perceber a ambição sintrense, mesmo que do outro lado esteja um dos maiores emblemas do futebol europeu. Um emblema que Alexandre até conhece bem.

«Já vivi dois anos no Porto e ser adepto de outro clube que não o FC Porto não é engraçado (risos). Que seja um bom futebol, sem lesões. Podemos fazer um bom jogo e mostrar que temos atletas para outros patamares. E financeiramente vai ser interessante.»

No Campeonato de Portugal as receitas são «praticamente inexistentes» e este dinheiro dará «ainda mais alento» ao ambicioso projeto do Sintrense.

E se o FC Porto cair em Massamá? É altamente improvável, mas não impossível. Alexandre elenca as quatro premissas para que isso se possa verificar.

«Ter muita sorte; fazer o melhor jogo da nossa vida; o FC Porto fazer o pior jogo da época e ter muito azar. Se essas quatro coisas acontecerem…»

Para prevenir a conjugação dessas quatro coisas, o ideal é invocar uma vez mais o génio de Jorge Luís Borges. «É o espanto que nos une, não o amor.»