Na pré-festa, mas longe do turbilhão, está uma família a olhar enternecida para o mundo verde em ebulição diante dos seus olhos.

Estão em frente a uma das entradas do estádio de Alvalade, no epicentro das celebrações por um título que foge há quase duas décadas, e que está agora tão perto. Tão perto, mas tão perto que é impossível de controlar a euforia coletiva.

Manuela Vicente, Margarida Ferreira e Rodrigo Ferreira são avó, filha e neto. E não estão ali sozinhos.

E quando dizemos que não estão ali sozinhos, não nos referimos aos milhares de adeptos que os rodeiam, trajados de verde e branco.

Falamos do principal responsável pelo sportinguismo da família: Joaquim Vicente. O marido, o pai, o avô.

Por dois meses, Joaquim Vicente não sobreviveu para assistir à festa do seu Sporting. Mas nem assim deixou de ir.

Joaquim esteve sempre presente. No pensamento dos familiares, nas lágrimas que se formam nos olhos de Manuela mas que não chegam a rolar-lhe pelo rosto, mas também num retrato que foi transportado até às imediações do estádio. E que se manteve guardado quase todo o tempo. Porque Manuela assim o quis, mesmo que a filha tenha arriscado retirá-lo do saco a tiracolo para o mostrar ao Maisfutebol.

Foi assim que o vimos na festa. Com o melhor fato vestido - ainda que não verde e branco - o retrato de Joaquim Vicente representou-o na festa. Uma festa que, para aquela família foi também um momento de homenagem a ele. Ao marido, ao pai, ao avô do Sporting.

«Viemos de Mafra. Eu saí do trabalho, fui buscar a minha mãe e viemos para aqui. É uma homenagem aos dois avôs do Rodrigo, porque são os dois do Sporting. E o pai também, o meu marido é sportinguista ferranho. Aliás, estamos à espera que ele chegue e tem de falar dele porque ele é mesmo muito sportinguista», introduz Margarida.

«Viemos aqui para festejar… Para festejar, não. Ainda não ganhámos nada. Viemos aqui para transmitir boas energias e mostrar o nosso apoio aos jogadores», acrescenta a avó.

O menos eufórico dos três é o mais novo. Rodrigo, «sócio desde o dia em que nasceu», revelam a mãe e a avó quase em uníssono mantém-se sereno. Pelos menos aparentemente.

«Estou nervoso, claro que estou nervoso. Mas se não ganharmos hoje, não vou ser menos sportinguista», atira, sendo interrompido por Manuela e Margarida.

«Vamos ganhar, claro que vamos ganhar. Temos de ganhar», reforçam a avó e a mãe. Rodrigo cede.

«Eu sou o mais conservador, admito. Acho que também sou aquele que sofre mais com o Sporting. Costumo vir a Alvalade aos jogos com o meu pai e sofro muito. É normal, o Sporting não é campeão desde o ano em que nasci».

Já voltou a ser.

«Vai ser o primeiro título de muitos»

Com sentimento semelhante encontramos um grupo de sete amigos. Adolescentes, claramente mais novos do que Rodrigo e que, por isso, arriscamos: «vocês nunca viram o Sporting ser campeão, pois não?»

«Nunca vimos no futebol, nas outras modalidades já», responde-nos uma voz de pronto.

«Isto é dedicação. É um amor sem explicação», atira outro.

Também eles andam eufóricos ao redor do estádio de Alvalade. Mas apesar de nem todos terem chegado ainda aos 16 anos, mostram-se muito mais responsáveis do que tantos adultos ali ao lado.

Os sete amigos que se conheceram na escola e partilham o amor pelo Sporting cantam e celebram o momento equipados a rigor. Equipados com adereços do Sporting, como não podia deixar de ser, mas também com as respetivas máscaras, conforme é obrigatório. E que mantém colocadas de forma perfeita sempre que com eles nos cruzamos.

E isso faz deles mais responsáveis. E nem por isso menos efusivos.

«Daqui ainda contamos ir para o Marquês. Isto vai ser maior festa que o país já viu», diz um.

«Além disso, temos de festejar muito porque não sabemos quando vai ser a próxima vez», atira outro, recebendo vaias de protesto.

«Este vai ser o nosso primeiro título de muitos, vão ver», ouve-se logo de seguida.

Um debate aceso. Mas saudável. Como outro que lançamos de seguida. E para o qual não chegamos a um consenso.

Afinal, quem é a figura deste título do Sporting?

A resposta surge num uníssono… dissonante e desafinado.

É o Nuno Mendes. O Porro. O Coates. O Pote. O Amorim.

Os sete amigos atiram cinco nomes diferentes. E depois debatem. Sem chegar a consenso. O que reflete bem aquilo que foi a época dos leões.

Até que um conclui: «foi a equipa, tem de ser a equipa».

«Tenho 80 anos, ver esta juventude toda rejuvenesce-me o coração»

Menos efusivos, mas talvez mais emocionados, encontramos outros três amigos. Encostados num corrimão, olham lá para baixo onde a festa se faz esquecendo que o mundo vive em pandemia.

Ao contrário do grupo de adolescentes, Manuel Monteiro, Fernando Baetas e Serafim Prazeres já viram o Sporting ser campeão várias vezes.

«Eu ainda vi os ‘Cinco violinos’. Sou natural do Redondo e ia pequeno ver o Sporting jogar em Évora. Sou do Sporting desde que nasci», atira Manuel Monteiro, o mais velho e mais falador do trio.

Aos 80 anos, e sem esquecer que «nos últimos 50 anos o Sporting só foi campeão quatro vezes [na verdade foram cinco]», Manuel Monteiro não tem dúvidas de que quebrar o jejum de 19 anos «vai ser muito especial».

«Não é especial só pelos 19 anos. É especial pela equipa que temos, que não tem nada a ver com os investimentos dos nossos adversários. Por isso, tem de se dar muito valor ao que esta equipa fez. Tem de se dar muito valor ao que o Ruben Amorim fez», defende, efusivamente, acrescentando o elogio a Frederico Varandas.

«Tem de se dar mérito também ao presidente pela coragem de apostar no Amorim. E olhe que eu fiz parte da direção do Bruno de Carvalho durante cinco anos e meio. Mas temos de reconhecer o trabalho», completa.

Já quanto à singularidade do clube do leão rampante, estão os três de acordo.

«Se isto não fosse o Sporting Clube de Portugal, já tinha acabado há muito. Para se ser do Sporting, é mesmo preciso gostar», refere Francisco Baetas, de 79 anos.

Transmontano de nascença, o senhor Francisco fala de forma apaixonada do «menino que veio morar para Lisboa aos sete anos», a quem foi dado a conhecer o Sporting e o Benfica, e que não hesitou nem por um momento na escolha.

«O meu pai começou a deixar-me ir à bola, uns puxavam para um lado, os outros para o lado contrário, mas as pessoas do Sporting eram muito diferentes. Aquilo começou a mexer comigo e encaminhou-me para o Sporting e nunca me arrependi», assegura.

Estando os três ali no meio de milhares de pessoas, o trio de amigos mantém alguns cuidados devido à pandemia. Apesar de apenas Francisco Baetas e Serafim Prazeres estarem já vacinados contra a covid-19.

Manuel Monteiro, que até é o mais velho dos três, não está. Mas garante não ter receio.

«Eu tenho coração de leão, não preciso de vacina», atira sorridente, antes de olhar em volta e emocionar-se: «o Sporting ganha poucas vezes e por isso, olhar para esta festa e ver tanta gente jovem que ama o Sporting, rejuvenesce-me o coração. Não há clube como este».