José Luís traz Margarida pela mão desde os 17 anos.

Lado a lado para toda a parte. Há 44 anos.

E não ia ser o futebol e um escaldante Sporting-Benfica, com contornos decisivos, que ia fazer com que fosse diferente.

Não neste domingo.

Mesmo que Margarida tenha decidido chegar a Alvalade com a camisola do seu Benfica vestida.

Foi corajosa.

Ou «inconsciente». Nas palavras de dois agentes da PSP com quem o Maisfutebol falara minutos antes.

É que era bem tenso o ambiente nas imediações de Alvalade, desde cedo.

Pouco depois das 16h, quando a nossa reportagem chegou ao Estádio, assistiu imediatamente a uma situação de intimidação a uma jovem adepta do Benfica que trazia o cachecol pendurado na carteira.

«Pelo menos esconde essa merda! Pensas que estás em casa? Não deves querer sair daqui viva», escutou sem reagir, enquanto se juntava a um grupo de amigos, esses vestidos de verde e branco.

Certo é que essas bocas, primeiro «atiradas» à distância, não cessaram. E os provocadores começaram a fazê-lo cada vez mais perto da jovem. Por isso mesmo, pouco depois, o cachecol desapareceu para dentro da carteira. E passados uns minutos, a referida adepta afastou-se do estádio, juntamente com o rapaz com quem chegara e que nunca se afastou dela.

«Onde é que vocês vão vestidas assim? Passar aqui é suicídio»

Junto à entrada para a cinema do Estádio Alvalade XXI, qualquer objeto vermelho iniciava um burburinho.

Uma carteira. Um casaco. Até um cabelo vermelho.

Quanto mais uma camisola do Benfica. Duas camisolas do Benfica, aliás, nos corpos de adeptas a aparentar terem perto de 25 anos.

Agentes da PSP abordam-nas a cerca de 100 metros da zona onde as claques do Sporting costumam conviver antes dos jogos.

E a conversa não é simpática.

«Onde é que vocês vão assim? Passar aqui vestidas com essas camisolas é suicídio. Sabem que a polícia não consegue chegar a todo o lado, não sabem?».

Os sorrisos inocentes das duas adeptas não desaparecem imediatamente. Mas esmorecem quando veem quatro spotters a acompanhar, em passo de corrida, um adepto que vem da direção para onde elas se dirigiam e que veste apressadamente um casaco a tapar a camisola do Benfica.

Os três ficam por ali pouco tempo. Saem depois, separados, mas sempre acompanhados por spotters.

«Estes jogos são sempre complicados, mas as notícias de que adeptos do Benfica compraram bilhetes para zonas de adeptos do Sporting torna este dérbi ainda mais delicado», explica um agente da PSP, sem tirar nunca os olhos da multidão. Também esses olhos em busca de qualquer adereço vermelho. Ainda que por precaução.

«Há muitas pessoas que não têm noção do que a rivalidade pode fazer nestes dias. Mas não podem ser inconscientes. Nós tentamos chamar à razão, mas por muito que tentemos colocar juntos os adeptos do Benfica que estiverem em zonas de Sporting, não vamos conseguir fazer isso em todo o estádio», alertava.

«O futebol é festa e paixão, não é guerra e luta»

Apesar de passarem a poucos metros do local onde o Maisfutebol assistiu aos episódios de tensão, Margarida e José Luís parecem sentir-se invisíveis.

É de mão dada, ela com a camisola do Benfica, ele com a do Sporting, que sobem a escadaria de Alvalade e contornam parte do estádio sem reparar nos olhares que a passagem deles suscita.

«Oh, José Luís, José Luís… o que é que tu estás a fazer?», questiona, ao longe, um outro adepto vestido de verde e branco que lê o nome nas costas do homem que vai de mão dada com Margarida.

«Eu sou uma pessoa de paz», atira-nos a adepta do Benfica quando lhe elogiamos a coragem.

«Ele sugeriu que eu vestisse a camisola só dentro do estádio, mas eu não me vou meter com ninguém. O futebol é alegria e festa, não é guerra e luta», defende.

«Ela também se sente protegida», completa, orgulhoso, José Luís.

E aquilo que nos dizem a seguir devia ser mostrado a todos aqueles que defendem ser inaceitável ver adeptos de clubes rivais a viverem, lado a lado, num estádio, um jogo de futebol.

«Nós estamos casados há 41 anos. Namorámos mais três. Eu tenho 62 e ele 61. Fizemos a vida toda juntos. Imagine o que era agora não podermos viver juntos a paixão do futebol. Só porque eu sou do Benfica e ele é do Sporting».

Imagine.

Imaginem!

Margarida mantém o sorriso durante toda a conversa, apesar de assumir ser «um risco» andar vestida à Benfica neste dia. O marido, percebe-se, está mais tenso. Mas ela garante que todas as pessoas que os abordaram o fizeram num tom elogioso.

«Já várias pessoas nos disseram: “olha que casal tão bonito, ainda bem que tiveram coragem de vir assim”», garante Margarida nas despedidas.

«Hoje já me disseram: "és nojenta, devias morrer!"»

Bem distinto do relato de Margarida é o que leva Maria para contar.

Ela que caminha lado a lado com o namorado, Diogo. Ele com 18 anos, ela com menos um. Exatamente as idades que tinham Margarida e José Luís quando começaram a namorar.

Mas acabam aí as semelhanças entre o que viveram neste dia de dérbi.

Depois de «milhares de jogos em Alvalade», a maioria para ver o Sporting, a jovem veio com o namorado ver o primeiro dérbi.

Maria do Benfica, com a camisola pendurada na carteira. Diogo do Sporting, com as listas verdes e brancas vestidas.

«Tirei a camisola para evitar problemas. Na zona das roulottes, um adepto do Sporting sugeriu-me que o fizesse de forma educada. Mas outros foram mais agressivos. Hoje, já me chamaram “nojenta” e disseram que devia morrer, imagine».

Imaginem.

«A mim só me ameaçaram, mas no jardim vimos um grupo a bater num adepto do Benfica e a arrancar-lhe o cachecol do Benfica. Isto não é normal!», sublinha.

A face de Maria deixa bem clara a revolta de alguém que adora futebol.

«Eu não venho aqui para provocar ninguém. Venho apoiar o meu clube, com o meu namorado que vem apoiar o dele. Qual é o problema disso?», questiona.

E continua, admitindo recear «principalmente o fim do jogo», junto do namorado, que não consegue disfarçar o desconforto.

«Tenho medo por ela. Vamos ficar numa zona com mais famílias, longe das claques, e isso dá-me mais sossego, mas mesmo assim…», confessa Diogo.

Maria é que não cala a revolta.

«Lembro-me de ser pequena e vir ver um jogo aqui ao estádio e ter gritado pelo Benfica. As pessoas à minha volta sorriram. Eu era uma miúda que queria a felicidade do meu clube, que estava perto de adeptos que queriam a felicidade do clube deles. Hoje, parece que as pessoas preferem odiar o clube rival a puxar pelo clube delas».

Maria tem 17 anos, recordamos. 

É difícil perceber o que ela diz de forma tão clarividente?

Costumava ser isso a rivalidade saudável. Onde anda ela?