«Ben-Hur e Tanta; Lula e Cacioli; Menad, Barnjak e Chico Faria; Secretário, Fernando Couto e Dane; Mihtarski e Careca; Luís Vasco, Tó Ferreira e o inesquecível Celestino

Há três anos, março de 2015, começávamos assim uma reportagem sobre o Futebol Clube de Famalicão para a rubrica Caminhos de Portugal. Falávamos de nomes grandes no passado famalicense para projetar um futuro que ameaçava sorrir de orelha a orelha.

A profecia cumpriu-se. 25 anos, um quarto de século, passou desde a última presença dos minhotos no escalão maior. Agora, aí estão eles, ainda em transe pela festa de domingo passado, a coroação na II Liga e a festa estendida até altas horas da madrugada.

Um êxtase compreensível, diríamos mesmo obrigatório.

Quatro dias depois, já com os corações sossegados, mas não menos felizes, o Maisfutebol entra no Municipal 22 de junho para falar com alguns dos protagonistas deste conto de encantar.

O cortejo da subida do FC Famalicão

Podíamos trazer para estas linhas o inefável Gusto, roupeiro que já foi massagista e é a alma deste Famalicão tão grande; podíamos também lembrar o papel de Chico, antigo futebolista do clube e agora diretor para o futebol. Ambos simbolizam o papel dos conquistadores anónimos, tão relevantes e tantas vezes esquecidos.

Com a devida licença, arrancamos a conversa com outro famalicense de gema. Miguel Ribeiro, diretor executivo e responsável pela SAD, voltou a casa «para ser feliz no clube da cidade».

O projeto, assegura, tem uma sustentação raras vezes vista em Portugal. «O acionista maioritário é a Quantum Pacific e o segundo acionista é o clube. Ambas as partes estão muito satisfeitas. Motivadas, ambiciosas e com vontade de conquistar grandes feitos.»

A Quantum representa o investimento do israelita Idan Ofer no futebol famalicense. Quem é este senhor? Idan é filho de Sammy Ofer, o maior colecionador de arte de Israel, e herdeiro de obras de valor absolutamente incalculável de artistas maiores.

Pablo Picasso e Vincent van Gogh estão, por isso, profundamente ligados a este novo Famalicão. Pujante e ambicioso, como nunca se vira nas seis presenças anteriores na I Divisão Nacional.

FC Famalicão na I Divisão Nacional:

. 1946/47 : 13º lugar
. 1978/79 : 13º lugar
. 1990/91 : 15º lugar
. 1991/92 : 14º lugar
. 1992/93 : 14º lugar
. 1993/94 : 17º lugar
 

O autocarro dos heróis famalicenses

«A SAD é pujante, estável e ambiciosa. Dará sempre boas condições aos seus profissionais. Se a isso somarmos os adeptos, um estádio moderno e o apoio de uma indústria revitalizada – estamos no segundo concelho mais exportador do país -, então creio que teremos todos os ingredientes para falar de um grande clube português.»

As palavras de Miguel Ribeiro são claras. O Famalicão não será apenas mais um na Liga portuguesa. Há entusiasmo e há condições únicas neste concelho com 140 mil habitantes.

«O entusiasmo advém da responsabilidade e do que sabemos que aí vem. E o que aí vem é grandioso. A SAD está com força e vontade de cumprir metas ambiciosas. Temos noção de que está nas nossas mãos a possibilidade de fazer história.»

Investimento, profissionalismo, um novo estádio já projetado para o mesmo local do velhinho 22 de junho - «as obras começarão brevemente» - e a maior das riquezas: adeptos, muitos adeptos.

«O Famalicão é um monstro que estava adormecido. 25 anos é muito tempo. Os grandes palcos e as conquistas galvanizam as pessoas, mas para isso é preciso que essas pessoas existam. E isso Famalicão tem. A cidade é apaixonada pelo seu clube. Sentimos de uma forma muito clara o apoio dos adeptos ao longo do ano.»

Os números são evidentes. O Famalicão tem uma média de 3.424 pessoas por jogo em casa, mas nas últimas jornadas chamou sempre mais de cinco mil, a lotação máxima. A Académica, o segundo emblema neste item, está quase mil espetadores abaixo. Elucidativo.

 

As bancadas do 22 de junho no jogo da subida

«Esta espera de 25 anos foi insuportável»

Jorge Miguel, 28 anos, lateral esquerdo. 16 anos de Famalicão, terceira subida no currículo. Esteve com o clube na III Divisão Nacional, na II Divisão B (Campeonato Nacional de Seniores) e agora na II Liga. 17 jogos oficiais e 1454 minutos em campo esta época.

Ricardo, o Xerife, 38 anos e centenas de partidas na principal divisão (Beira-Mar, Vitória de Guimarães e, sobretudo, Paços de Ferreira), voltou ao Famalicão 16 anos depois. Tem 30 presenças oficiais na presente campanha, 2700 minutos.

Numa bancada silenciosa, de cadeiras azuis e com vista para um relvado perfeito, a dupla de defesas recupera as histórias de uma temporada longa ao Maisfutebol, ainda a recuperar forças da festa de domingo.

Maisfutebol – 25 anos fora da I Divisão é muito tempo. Essa ausência tão grande torna esta subida ainda mais especial?

Jorge Miguel – Sim, já vivi muito aqui no Famalicão, mas nada como isto. É um clube que nunca deveria ter saído da I Divisão. Esta espera foi insuportável. Estive em vários escalões com o Famalicão e posso dizer que este é um clube que move muita gente apaixonada. Isso torna o Famalicão diferente e obriga-o a estar na I Liga.

MF – O Ricardo esteve anos a fio nesse escalão, principalmente com o Paços. O Famalicão é um clube assim tão diferente?

Ricardo – Na minha perspetiva, sim. O Paços é um clube que tem estabilidade de I Liga e o Famalicão é um clube grande e que está há demasiado tempo fora do maior escalão. Lutámos muito para devolver o Famalicão ao lugar ideal. Depois de 25 anos, é um privilégio fazer parte desta subida. Estas pessoas de Famalicão merecem. O Paços e o Famalicão merecem subir, foram as mais regulares, mas os clubes vivem em contextos distintos.

MF – Quando a direção do Famalicão optou por trocar de treinador, há cinco jornadas, o plantel temeu que o objetivo não fosse alcançado?

R – Acho que não, sinceramente, porque construímos uma dinâmica muito forte deste o início. Atravessámos um ciclo negativo, o que me parece normal em qualquer equipa, e a administração entendeu que seria o timing certo para mudar de treinador. Não me compete avaliar se foi certo ou errado, mas o novo técnico [Carlos Pinto] venceu todos os jogos. Na verdade, mesmo que o treinador anterior [Sérgio Vieira] tivesse ficado, acho que alcançaríamos a subida. Mesmo essa fase menos positiva não colocou em causa a nossa união.

MF – Excluindo este jogo em que a subida foi matematicamente garantida, quais foram os momentos mais marcantes da época?

JM - É difícil escolher só um. Estivemos sempre muito comprometidos. Tínhamos um grupo forte, sabíamos da nossa força e aquilo que nos rodeava. Sabíamos que iríamos conseguir a subida. Toda a temporada foi bem conseguida.

R – Não entrámos no campeonato como queríamos. Entrámos mal, mas não abanámos e não questionámos nada. Fomos competentes na maior parte dos jogos. Mas tenho de ser franco e reconhecer, se calhar, que o momento que marca a subida coincide com a entrada do Carlos Pinto. Esta série de vitórias consecutivas foi decisiva.

MF – As ideias do Carlos Pinto colidiram com as do Sérgio Vieira?

R – O processo de jogo não é muito diferente. Há algumas coisas semelhantes, mas o impacto emocional foi forte. Não deveria ser assim, mas uma troca traz sangue novo. A equipa libertou-se um bocadinho.

MF – Pelas palavras do Miguel Ribeiro, líder da SAD, este clube respira estabilidade. É assim?

JM – Completamente, e na verdade nem sempre foi assim. Longe disso. O clube deu um passo muito grande para crescer e tem todas as condições para estabilizar na I Liga e continuar a fazer história.

MF – Na próxima época, o Jorge Miguel e o Ricardo ficarão no Famalicão?

JM – Essa vontade existe. Sou aqui de Famalicão e tenho o sonho de estar com o clube na I Liga. Vamos ver o que acontece.

R – Ambiciono voltar à I Liga, apesar de ter no meu currículo centenas de jogos lá. Mas temos de estar preparados e perceber que o clube cresceu. Fizemos um trabalho fantástico para devolver o clube à I Liga, mas nem todos os jogadores poderão estar cá para disputá-la. É normal e respeitamos isso.

NOTA: fotos gentilmente cedidas pelo departamento de comunicação do FC Famalicão